30/06/12

Os segredos de Sobreiro Aparado - Capítulo 9

Albertina sentou-se desprevenida com a brutalidade da voz do homem que momentos antes a tinha feito sentir bicho outra vez. O vestido mal vestido descobria-lhe os seios firmes e doces. Depois foi-se acalmando entre o cetim das almofadas cor de púrpura e a camisa branca de Seguro, deixada à pressa no sofá. Puxou languidamente as alças lilás e fingiu tapar com o cabelo avelã, de um ondulado rebelde, o moreno do seu peito. Encolheu-se mais um pouco num gesto a roçar a timidez sibilina mas olhando Seguro bem de frente. Suspirou fundo e mordeu o lábio inferior.


- Não te reconheço essa insegurança disfarçada de macho, meu querido Seguro. Porque me olhas assim? Que queres tu realmente de mim?! A mulher, a amante ou o bode expiatório das tuas frustrações?!

- De que falas tu mulher do demónio?! Quero a verdade, apenas a verdade! - Seguro sentiu-se trémulo na voz rouca que deixou transparecer o contraditório do seu nome.

Albertina levantou-se então. Em passos descalços e firmes olhou Seguro dentro dos seus olhos húmidos sem se preocupar mais com o decoro da sua semi nudez. Abriu a janela virada a sul. Cheirava a amoras e a cedro. Ouviu-se o repique do bater das horas do sino da igreja branca e quase imaculada. Sentou-se num fingimento distraído enquanto acendia um cigarro provocador e maligno! Seguro, pela primeira vez, não conseguia interpretar os gestos daquela fêmea! Bem, não é que ele fosse muito entendido do sexo feminino! Primeiro a mãe austera e distante e depois a imagem da sua mulher enroscada, dada e desavergonhada nas mãos de outro! Num instante quase viu o rosto de Salomé na face bonita de Albertina, mas depressa voltou a si.

- Que podes saber tu do meu marido, Seguro?! Era o homem que eu amei em exclusivo! Os outros foram apenas pormenores sem alma. Ama-se pelo cheiro, Seguro. Sabias isso? Sentiste isso? Amaste com os sentidos ou com a razão a tua mulher?! Foi a tua pele que a repeliu ou a barbárie racional destes homens e destas mulheres desta terra plana e seca? Os outros dois?! Sei lá eu dos outros dois! Mudei os lençóis assim que cada um deles deixou a minha cama! É isso que queres que faça contigo Seguro? Cheiro-te ou mudo imediatamente os lençóis?!

Seguro olha agora apenas a sombra do rosto dela entre fumaças enroladas pelos lábios carmim. Pousa devagar a arma que lhe serve de escudo dos seus fantasmas. Tenta não entender as palavras da mulher demónio que tem à sua frente e que deixa de ser a serpente que se enroscou no seu corpo e o engoliu entre as suas pernas. De repente o cheiro a sexo deixado nos seus dedos é o unguento que ele espera da mulher que nunca ousou possuir e que acabou de ser sua e Albertina arrancava-lhe a máscara segura! Sem dó nem piedade, sem consentimento. Chegou-se perto da janela e deixou-se misturar nos sons que espreitavam lá de fora.

- O Sobreiro Albertina, parece tocar no Céu. Vês daqui, mulher do Diabo? É a sombra do demónio ou a cor da esperança que pairam além?

- Não será antes a memória descritiva de um amor que nunca tiveste? Vê-me bem nos olhos, Seguro? Sou Salomé? Sou a tua Salomé?


Seguro viu as duas esmeraldas verdes. Viu Salomé desnuda, em risos maléficos no corpo de outro e cheirou Albertina nas suas mãos de macho transformado em simplesmente homem. Desarmou-se inteiro! Ao longe a sombra do sobreiro desenhava mapas e caminhos e as mulheres vestidas de negro passavam para a hora da novena na Igreja Branca quase imaculada!

Estela Fonseca

3 comentários:

  1. Muito bem escrito. Um estilo bem feminino a pôr de pantanas o Seguro. Parabéns, Estela . Quem não pode agora ficar também de pantanas é a Dina ao dar seguimento à história.ch

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  2. Agora é que o Seguro se desequilíbrou...:) Gostei muito, Estela.

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  3. Gostei desta Albertina, que a Estela arranjou, é preciso que as mulheres, nossas personagens, não sejam sempre fracas. Parabéns Estela!

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