28/08/12

Os Segredos de Sobreiro Aparado - Capítulo 16

E era mesmo uma grande porra. Não sabia se aguentaria mais insultos.
 
 
A noite estava sinistra, à semelhança da anterior. Habitualmente, a tarefa cumpria-se numa noite mas, desta vez, os ramos do sobreiro mostraram-se mais resistentes, obrigando-o a lá voltar.
 
Despontava-o quase delicadamente. Não fosse o diabo da tesoura cortar-lhe mais um dedo. O Morgado não lhe saía da cabeça. Sentou-se junto ao tronco da malfadada árvore e preparava, mentalmente, cada um dos passos que o levariam até ele.
 
Um leve barulho interrompeu os seus pensamentos. Olhou e pareceu-lhe ver um vulto desaparecer por entre as brumas da noite. Que diacho seria àquela hora tão tardia? Algum aspirante ao tesouro? Não. Pela certa que não. Ninguém mais se atrevera a procurá-lo desde aquela noite em que o seu avô se enforcara, quando o procurava. Nunca ninguém entendeu o porquê. O certo é que tal proeza fora entendida como uma praga, que vinha desde a geração anterior.
 
Contava-se, na aldeia, que Teresa, mulher ainda jovem, mas já viúva, bisavó de Leocádio, se apaixonara por um estranho que, escassas vezes, aparecia por lá. Dizia-se ser uma criatura invulgar no seu todo e ter um aspecto medonho. Costumava aparecer na mercearia da aldeia, que também servia de taberna. Sentava-se numa pequena mesa de um recanto e ali ficava toda a noite, a beber, sem falar, observando cada gesto dos presentes. Apenas Teresa lhe ouvira a voz. Fazia questão de o servir. Era como se estivesse por ele enfeitiçada. Todos o receavam, mas Teresa não. Apenas ela tinha conseguido adivinhar a doçura do seu olhar, apesar do seu ar terrífico e ameaçador.
 
Uma noite, já quase todos tinham recolhido as suas casas, Teresa ousou sentar-se junto do desconhecido. Permaneceram em silêncio durante longo tempo, mas os seus olhos não pararam de se falar, como se nada, nem ninguém, existisse para além dos dois.
 
 Os dois e o relógio que ele, impacientemente, consultava amiúde . Faltava pouco para as quatro da manhã quando, lançando um último olhar a Teresa, saiu apressadamente. Ainda em transe pelo sucedido, ela saiu, quase de imediato, e seguiu-o. E os dois desapareceram na negrura da noite.
 
No dia seguinte, Teresa, morta e desmembrada, foi encontrada pelo seu filho, o avô de Leocádio, junto de um sobreiro. Nunca se soube o que aconteceu. O desconhecido nunca mais foi visto. Em seu tributo, foi decidido que seriam cortados todos os ramos do sobreiro e assim teriam que ser mantidos para todo o sempre. A aldeia passou, então, a chamar-se Sobreiro Aparado.
 
E a lenda nasceu. Conta-se que, quando os ramos do sobreiro começam a querer romper, se ouve, ao longo da noite, depois do relógio da igreja ter soado as quatro da manhã, um choro de mulher, penoso e ensurdecedor. Foram retiradas as baterias ao sino electrónico, mas o choro de mulher continua a envolver os sonhos dos habitantes.
 
Leocádio estremeceu de pavor ao relembrar a história. Coube ao seu avô e, depois, ao seu pai a tarefa de manter os ramos do sobreiro aparados. Agora cabia-lhe a si. Não que isso lhe agradasse, mas o dever assim o obrigava. E depois, havia o tesouro…
 
Fernanda Cadilha

2 comentários:

  1. Este sobreiro é mesmo um mistério, recheado de grandes mistérios...mais um crime horrendo!...
    Gostei da continuação, Fernanda!

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  2. a história continua bastante interessante e envolvente.
    Gostei muito Fernanda Parabéns

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