24/07/13

A Morte dos Cipriotas - Capítulo XV - Final


Tenebrosa ironia aquela que ditara que o fim da vida de Arturo fosse originado pela iminente chegada da sua neta…

 

Nisto meditava Carlinda junto à Nossa Senhora dos Ventos enquanto acariciava os caracóis dourados de Liberto, aconchegado no seu colo, soluçante e desencantado com o rumo que aquele dia tomara e que influenciaria o resto da sua existência…

Absorta em seus pensamentos, nem ouviu o chamamento:

 
 


- Ó da casa! Ó da casa! – E alguns segundos mais tarde - Então queres ver que não está ninguém?!

 

- Quem vem lá? – Respondeu por fim. – Hoje não é um bom dia para visitas…

 

- Pois seja, mas venho de longe e não posso voltar bem como preciso de lhe contar uma história…

 

- Não perca tempo que eu já sei tudo…

 

- Sabe?! E não se importa?

 

- Que posso eu fazer e de que adianta importar-me? Nada posso mudar e já não tenho forças…

 

- Não a choca o assassinato?!

 

- A morte foi natural, foi a aflição… Se tivesse que culpar alguém, culpá-la-ia a si!

 

- A mim? Homessa!

 

- Pois claro, acabava de ler a sua carta…

 

- Do que é que está a falar? Eu era vizinha da mãe da Mariana, que Deus as tenha em eterno descanso, e venho avisá-la em relação ao Rafael, esse assassino, que não descansou enquanto não acabou com a vida da Marianinha, moça mais bonita e mais prendada da aldeia! Podia ter tido quem ela quisesse mas tomou-se de amores por aquele bandido, que foi a morte dela! E não há-de descansar enquanto não desgraçar a vida do Alvinho, coitadinho…

 

- Mariana? Alvinho? Não conheço ninguém com esses nomes! O que é que o Rafael tem a ver com eles? Pois se nem tem família…

 

- Não tem família? Foi isso que ele lhe disse? Em parte até tem razão, matou a mulher e o filho não o quer ver nem pintado!

 

- Não estou a perceber e estou muito cansada… O meu filho viu o avô morrer e adormeceu há pouco nos meus braços, tenho preparativos para fazer, tenho que resolver a minha própria vida e não tenho tempo para mexericos. A vida alheia não me diz respeito, por favor terei que pedir que se retire.

 

- Olhe, eu vou à vila e de tarde volto para falarmos, pois pelo que ouvi trata-se da sua vida e se esse menino é seu filho, deve ouvir o que tenho para lhe dizer.

 

Entretanto Libânio, que estivera ao telefone a tratar dos preparativos iniciais para o funeral e ouvira a última parte, intervém:

 

- Que história é essa? Se diz respeito ao Liberto quero ouvir do que se trata!

 

D. Cidália, que se preparava para ir embora face ao fraco acolhimento de Carlinda, ganha novo alento:

 

- Sábias palavras, senhor…?

 

 - Libânio, responsável comercial pela secção de enchidos da maior empresa do sector, ao seu serviço! E tenho o prazer de estar a falar com…?

 

- Sou a D. Cidália, vizinha da família da Mariana, em Baião!

 

- E quem seria a Mariana?

 

- Então a Mariana é a falecida mulher do Rafael, a mãe do Álvaro, pois claro! A sua senhora bem sabe de quem falo, é do amiguinho dela, só pensei que andasse enganada e não soubesse como é a peça, mas pelo descaso que faz quanto à segurança do filho, bem vejo que deve ser tudo farinha do mesmo saco!

 

- O Rafael foi alguém que encontrei quase desfalecido junto ao mar e cuja recuperação acompanhei, dado sentir que o devia fazer. Tornamo-nos bons amigos mas pelo que sei não tem família, pois foi o que me disse. Mais nada tenho a acrescentar, vou colocar esta pobre criança na cama, pois hoje já passou por demasiadas provações. Se quiserem ficar a falar, estejam à vontade, mas eu irei para casa, chorar a morte do meu pai. – Dito isto, Carlinda retirou-se.

 

Em casa, após deitar Liberto, prostrou-se a olhar para o retrato do pai, quando sentiu uma presença a seu lado, junto ao piano. Ouviu-se uma bela melodia, tocada por uma jovem de cabelos acobreados, que reconheceu como sendo a sua tia Bianca. Esta disse-lhe:

 

- O teu pai está bem Carlinda, era tempo de nos reunirmos, tinha vindo avisá-lo disso e ele estava a contar. Vive a tua vida sem medo, rompe laços se te asfixiam, cria novos que te permitam crescer e ser o que não foste até hoje por medo de convenções. Sempre to quis dizer mas creio que só agora estás preparada para o ouvir. Fica bem pequena.

 

Inexplicavelmente, Carlinda sentiu-se leve após este encontro, e mesmo a tristeza que antes a oprimia estava agora mitigada.

Resolveu ir até ao mar, para pensar um pouco. A caminho viu mais uma forasteira no trajecto para sua casa. Intuiu ser Lucinda Maria, e chamou:

 

- Lucinda?

 

- Sim, como sabe?

 

- Sou a Carlinda, presumo que vinha falar comigo.

 

- Vinha sim.

 

- Acompanhe-me até à praia e falamos lá, pode ser?

 

Caminharam um pouco, e sentadas sobre as rochas, começaram a falar:

 

- Soube hoje mesmo que tu existias, bem como a tua mãe, a tua avó e a tua filha! Sou tua tia-avó e tenho um filho pouco mais velho do que a tua Aurora, pois nasceu tarde. Tem sete anos e chama-se Liberto.

 

- Eu sei, o Libânio falou-me dele, bem como de ti, embora ache, ao ver-te aqui, agora, que não te fez jus. Descreveu-te como sendo desengraçada, desapaixonada, dependente e até um pouco tola, mas a mulher que vejo a minha frente parece-me forte, inteligente, determinada e muito bonita. Tenho pena de dizer que o que me traz cá implica o colapso da tua família, pois pretendo conferir alguma solidez à minha própria família. A Aurora tem dois anos e acha que um pai não vive normalmente com a mãe, aparece e dá dinheiro, ficando só um ou dois dias de cada vez, e não é essa a concepção de família que quero que retenha. Por outro lado para ti ele não tem sido um marido leal, e sendo assim, creio que seria melhor para ambas se ele assumisse a nossa família, apesar do mal que isso possa provocar-vos. Compreendes o meu ponto de vista?

 

- Ontem dir-te-ia que não, hoje digo-te que não sei. Estou a viver um dia surreal, sei apenas que quero mais do que tive até hoje, e tenho pena que para o ter deixe de contar com um dos pilares da minha vida…

 

- O Libânio?

 

- Não querida, o teu avô Arturo, que faleceu…

 

- Faleceu? Queria tanto vê-lo, falar-lhe… Contar sobre a minha mãe, mas sobretudo sobre a minha avó, que nunca o esqueceu…

 

- Talvez o possas fazer, na nossa família existem muitas surpresas, presenças que surgem quando mais precisamos… Hoje vi a tia Bianca, talvez tu possas ver o avô Arturo, o futuro o dirá….

E assim regressaram a casa, onde Libânio se despedia já da D. Cidália. Ao vê-las juntas em ameno diálogo, Libânio ficou lívido, mas Carlinda rapidamente o sossegou:

 

- Não te aflijas e morras tu também, basta um funeral por cada motivo!

 

- O quê, tu sabes?

 

- Sei da tua outra família sim, e sei que foi por ler essa carta que o meu pai morreu, com grande pesar meu. Preferia tê-lo sabido antes e tê-lo poupado a essa preocupação, vai fazer-me tanta falta! Quanto a nós, interiormente já sabia que algo se passava e se queres saber acho que já há muito deveríamos ter seguido caminhos diferentes. Curiosamente se mo perguntasses ontem não o teria sabido dizer… como pode um dia mudar tanta coisa?! Falaste com o mercado para entregarem as flores? A igreja está pronta para o meu pai?

 

- Querida Carlinda, já o enterramos, não te lembras? Foi no ano passado, uma homenagem linda, cheia de gente…

 


E para a enfermeira:

 

- Coitadinha, foi um choque muito grande para ela, eram muito apegados… Ainda bem que está aqui convosco, para a cuidar e animar, bem como aos restantes pacientes.

O Rafael tem sido tão importante para ela, dão-se mesmo bem…! Como tem estado ele? Tem tido episódios esquizofrénicos?

Bem, está na hora, tenho que ir, a Lucinda e os miúdos esperam-me, terminei hoje a rota comercial de Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e Douro Litoral mas quis passar aqui antes de ir para casa, para ver como estava. Até para a semana!

 

- Fica bem querida, para a semana trago cá o Liberto para te ver, está bem?

Elisabete Gonçalves

1 comentário:

  1. Ufa! Que grande maratona de leitura que fiz agora. Acho que estão todos de parabéns! Gostei bastante.

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