“Quem com ferro
mata, com ferro morre”!
Há muito que
esperava que os batimentos na porta fossem consequentes. O pós revolução dos
cravos, aqueles malvados anos imediatamente a seguir aquilo que para ele tinha
constituído a maior traição à pátria que jurara defender, foram de intenso
sofrimento silencioso. Sim, apesar de ser o mais velho numa terra onde todos se
conhecem, conseguira manter-se quase como um ilustre desconhecido.
Obrigação
daqueles tempos, bênção para muitos que não tinham que comer, a tropa surgiu na
sua vida na altura que estava programado, era assim que as coisas se faziam e
Sebastião de Meneses deu graças por isso. De feitio aventureiro e carente de
conhecer coisas novas, o exército trazia a possibilidade remunerada de
aumentar os seus horizontes para além da simpática, mas pequena, Vale da Serra.
Irreverente, mas de ideias bem arrumadas, interiorizou muito bem os ideais
castrenses, completamente alinhados pela doutrina emanada de um todo-poderoso,
São Bento.
Tornou-se militar convicto, cumpridor
das regras e temente a Deus, nas horas vagas. Era feliz, estava no ultramar, no
“seu” Moçambique de cores e cheiros intensos, de mariscadas na costa do sol e
mulheres carinhosas, e só podia dar graças por a Pátria lhe proporcionar, Deus
também, todos aqueles benefícios. Fazia parte dos privilegiados e a sua obrigação
era defender a terra que os seus antepassados portugueses tinham conquistado,
onde quer que ela estivesse, de tudo e todos que colocassem em perigo os seus
alicerces.
Foram anos muito
rápidos, vividos colorida e intensamente, onde as memórias e as âncoras do
passado só ganham peso e nos retém nos momentos menos bons. No dia da
emboscada, quando era evacuado, dividia o pensamento entre pedir desculpa a
Deus pelas suas últimas faltas de comparência, e jurar que agora sim, que iria
regressar para os braços da sua “amada” e que as pretinhas tinham acabado… Na
maca, a escutar o barulho da hélice, acalmou a consciência com a promessa de
que iria a pé, desde Vale da Serra até Fátima, até completar os setenta anos,
desde que a Santa o ajudasse a superar mais esta provação.
Em momento algum
se sentiu injustiçado pelo acontecido, era militar, aquela terra também era
dele e estava ali para a defender. Penitenciava-se por não ter conseguido
antecipar melhor o sucedido e dessa forma salvar mais companheiros, mas vangloriava-se
das baixas que fizera e que os vingara bem.
Foi este
Sebastião Venceslau de Meneses, ainda no período de convalescença no hospital, que
foi abordado para integrar nas fileiras da única força que verdadeiramente
tomava conta e assegurava as bases da moral e bons costumes da Pátria, a
Policia Internacional e Defesa do Estado. Foi esta oportunidade, este
reconhecimento do seu empenho, que a Pátria, através dos seus superiores
hierárquicos, teve para com ele, que terminou o moldar da sua personalidade e
que condicionou toda a sua vida futura.
Foi por
recomendação da PIDE que foi colocado naquela área administrativa, e foi a sua
capacidade de ouvir sem ser visto que agradou ao General. A sua “requisição”
tornou-o no principal informador de como andava a moral e do que se comentava
no terreno. Na sombra, sem nunca querer dar nas vistas, saboreou em silêncio o facto
de ser temido. No emaranhado das bases da estrutura, o
Sargento Menezes, tornou-se mestre na arte de tudo influenciar e condicionar. À
boca fechada ninguém duvidava que ele, pelas vias informais, “mandava” tanto
quanto o General e a novidade de que o seu pedido de regressar ao continente
tinha sido deferido, não surpreendeu ninguém. Com a colaboração da
“organização” foi-lhe concedida a passagem à reserva por causa dos ferimentos e
um emprego na sua terra, nos Correios da sede do seu concelho. Moeda de troca,
estar atento e denunciar os “desvios” dos seus concidadãos, ser informador da
agora nova, DGS.
Ele era um
sobrevivente, a idade atestava isso mesmo, mas acima de tudo tinha sido a sua
capacidade em se fazer passar despercebido que o mantivera a salvo. Nunca se
esquecera do dia em que regressado do ultramar a viu a dançar com o seu
amigo/rival. Foi a única denúncia, completamente inventada que fez. Estava
completamente fora de questão que Maria da Conceição ficasse com ele para
sempre, e não demorou meio ano até que o pobre Zé Ramiro, que só sabia da
lavoura, fosse preso por atividades subversivas, acusado de ser comunista, e de
tanto não conseguir responder o que não sabia, morreu a “tentar fugir”…
De nada valeu a
Sebastião de Menezes se ter disponibilizado para ajudar a mulher que era sua,
por direito, e a criança que o devia chamar de pai. Maria da Conceição,
enterrou o marido e foi fazer o luto para lisboa, para casa de uma tia.
Naquela marcha,
ladeado pelos agentes que o acompanhavam, ia de consciência tranquila em
relação ao que o acusavam, e nem sequer o arrastar dos pés era motivado por
arrependimentos tardios. Andava a cismar quem, nesta ordem atual, lhe tinha
aplicado do seu próprio veneno, e acima de tudo, como lhe devolver em dobro.
Aqueles amadores
julgavam que conseguiriam alguma coisa dele? Coitados, a acusação tinha pés de
barro e com a idade dele, nada mais conseguiriam do que prejudicar-lhe,
temporariamente a imagem, mas quem lhe tinha feito aquilo…
Joaquim
Henriques
Sem comentários:
Enviar um comentário
Esperamos que tenha apreciado a nossa escrita e que volte a visitar-nos. Deixe-nos a sua opinião. Obrigado!