13/04/16

Razão de Existir - Capítulo VI

“Quem com ferro mata, com ferro morre”!

Há muito que esperava que os batimentos na porta fossem consequentes. O pós revolução dos cravos, aqueles malvados anos imediatamente a seguir aquilo que para ele tinha constituído a maior traição à pátria que jurara defender, foram de intenso sofrimento silencioso. Sim, apesar de ser o mais velho numa terra onde todos se conhecem, conseguira manter-se quase como um ilustre desconhecido.

Obrigação daqueles tempos, bênção para muitos que não tinham que comer, a tropa surgiu na sua vida na altura que estava programado, era assim que as coisas se faziam e Sebastião de Meneses deu graças por isso. De feitio aventureiro e carente de conhecer coisas novas, o exército trazia a possibilidade remunerada de aumentar os seus horizontes para além da simpática, mas pequena, Vale da Serra. Irreverente, mas de ideias bem arrumadas, interiorizou muito bem os ideais castrenses, completamente alinhados pela doutrina emanada de um todo-poderoso, São Bento.
           Tornou-se militar convicto, cumpridor das regras e temente a Deus, nas horas vagas. Era feliz, estava no ultramar, no “seu” Moçambique de cores e cheiros intensos, de mariscadas na costa do sol e mulheres carinhosas, e só podia dar graças por a Pátria lhe proporcionar, Deus também, todos aqueles benefícios. Fazia parte dos privilegiados e a sua obrigação era defender a terra que os seus antepassados portugueses tinham conquistado, onde quer que ela estivesse, de tudo e todos que colocassem em perigo os seus alicerces.
Foram anos muito rápidos, vividos colorida e intensamente, onde as memórias e as âncoras do passado só ganham peso e nos retém nos momentos menos bons. No dia da emboscada, quando era evacuado, dividia o pensamento entre pedir desculpa a Deus pelas suas últimas faltas de comparência, e jurar que agora sim, que iria regressar para os braços da sua “amada” e que as pretinhas tinham acabado… Na maca, a escutar o barulho da hélice, acalmou a consciência com a promessa de que iria a pé, desde Vale da Serra até Fátima, até completar os setenta anos, desde que a Santa o ajudasse a superar mais esta provação.
Em momento algum se sentiu injustiçado pelo acontecido, era militar, aquela terra também era dele e estava ali para a defender. Penitenciava-se por não ter conseguido antecipar melhor o sucedido e dessa forma salvar mais companheiros, mas vangloriava-se das baixas que fizera e que os vingara bem.
Foi este Sebastião Venceslau de Meneses, ainda no período de convalescença no hospital, que foi abordado para integrar nas fileiras da única força que verdadeiramente tomava conta e assegurava as bases da moral e bons costumes da Pátria, a Policia Internacional e Defesa do Estado. Foi esta oportunidade, este reconhecimento do seu empenho, que a Pátria, através dos seus superiores hierárquicos, teve para com ele, que terminou o moldar da sua personalidade e que condicionou toda a sua vida futura.
Foi por recomendação da PIDE que foi colocado naquela área administrativa, e foi a sua capacidade de ouvir sem ser visto que agradou ao General. A sua “requisição” tornou-o no principal informador de como andava a moral e do que se comentava no terreno. Na sombra, sem nunca querer dar nas vistas, saboreou em silêncio o facto de ser temido. No emaranhado das bases da estrutura, o Sargento Menezes, tornou-se mestre na arte de tudo influenciar e condicionar. À boca fechada ninguém duvidava que ele, pelas vias informais, “mandava” tanto quanto o General e a novidade de que o seu pedido de regressar ao continente tinha sido deferido, não surpreendeu ninguém. Com a colaboração da “organização” foi-lhe concedida a passagem à reserva por causa dos ferimentos e um emprego na sua terra, nos Correios da sede do seu concelho. Moeda de troca, estar atento e denunciar os “desvios” dos seus concidadãos, ser informador da agora nova, DGS.

Ele era um sobrevivente, a idade atestava isso mesmo, mas acima de tudo tinha sido a sua capacidade em se fazer passar despercebido que o mantivera a salvo. Nunca se esquecera do dia em que regressado do ultramar a viu a dançar com o seu amigo/rival. Foi a única denúncia, completamente inventada que fez. Estava completamente fora de questão que Maria da Conceição ficasse com ele para sempre, e não demorou meio ano até que o pobre Zé Ramiro, que só sabia da lavoura, fosse preso por atividades subversivas, acusado de ser comunista, e de tanto não conseguir responder o que não sabia, morreu a “tentar fugir”…
De nada valeu a Sebastião de Menezes se ter disponibilizado para ajudar a mulher que era sua, por direito, e a criança que o devia chamar de pai. Maria da Conceição, enterrou o marido e foi fazer o luto para lisboa, para casa de uma tia.

Naquela marcha, ladeado pelos agentes que o acompanhavam, ia de consciência tranquila em relação ao que o acusavam, e nem sequer o arrastar dos pés era motivado por arrependimentos tardios. Andava a cismar quem, nesta ordem atual, lhe tinha aplicado do seu próprio veneno, e acima de tudo, como lhe devolver em dobro.
Aqueles amadores julgavam que conseguiriam alguma coisa dele? Coitados, a acusação tinha pés de barro e com a idade dele, nada mais conseguiriam do que prejudicar-lhe, temporariamente a imagem, mas quem lhe tinha feito aquilo…



Joaquim Henriques 

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