01/06/16

Razão de Existir - Capítulo XII

 
Fotografia de Paulo Emanuel 
Sebastião, imobilizado na cama de hospital, aguardava impacientemente pela resposta do doutor Brandão. A palidez no rosto enrugado atenuou-se e o batimento cardíaco acelerou.
O médico aproximou-se do leito de Sebastião e, carinhosamente, apoiou a sua mão no ombro frágil do idoso, antes de anunciar a sentença médica.
- Sr. Sebastião, desta vez, o AVC imobilizou-lhe as pernas, vai ter que fazer várias seções de fisioterapia…vai ter que se adaptar a esta nova fase da sua vida e, para se deslocar, precisa de uma cadeira de rodas que o hospital lhe vai disponibilizar…
Sebastião observava o médico calado, pensativo e no coração explodia um terramoto de emoções que abalava a alma e corpo. Na mente, passavam curtas-metragens do seu percurso de vida: relembrou o tempo no Ultramar e a vida de boémia no Alabamar Bar, sempre rodeado de gente e sempre um homem solitário…
 Dos olhos encovados de Sebastião deslizavam umas lágrimas teimosas em fio, tropeçando nas rugas da face marcadas pelo desgaste do tempo.
- Então Sr. Sebastião de Menezes?! Vá… não fique assim… vamos lutar para recuperar os passos… tem que ter paciência… - Falou, calmamente, o doutor Brandão que olhava aquele homem com uma certa piedade.
- Óh Doutor! Na minha idade a paciência serve para esperar que chegue a hora de embarcar para o Além…
Sebastião recebeu alta do hospital e as indicações da enfermeira que teria que seguir à risca para melhorar fisicamente.
-Olá Sebastião! – A voz de Júlia entoou, dando um novo ânimo ao doente.
- Tu por aqui?! – Questionou Sebastião muito admirado.
- Meu velho Sebastião, nesse estado, precisas de alguém que cuide de ti… e eu estou aqui para te ajudar, em memória dos velhos tempos que passámos juntos…
-Pois…alguma alma caridosa que tenha pena de mim, pena de um velho incapacitado e pena de um velho que, com esta idade, é acusado de pedófilo. Tenho todos os ingredientes para que me chamem de “coitadinho” … - Desabafou tão revoltado que atirou com o casaco para o chão, como se fosse uma criança birrenta que não obedece às ordens da mãe.
-Calma Sebastião…mantém-te calmo, esse teu coração já não tem vinte anos… tu vais voltar a andar, teimoso como és, não tardará muito…
A mulher e amante de outrora reaparecia novamente, desta vez no papel de servir e de ajudar um homem doente, imobilizado e com um coração cansado de uma vida intensa, de sentimentos confusos, de frustrações e de arrependimentos por actos cometidos no passado. Enfim…um coração trespassado pela melancolia que a vida lhe ofereceu.
Sebastião manteve o silêncio até casa da Júlia. Após a chegada aos novos aposentos, Júlia preparou-lhe um chá de camomila.
-Estás confortável assim? – Perguntou Júlia preocupada com o bem - estar do novo inquilino.
- Para mim tanto faz… sou um inútil, um estorvo… - Zombou Sebastião com pena de si próprio.
- Vá homem, deixa-te de lamúrias, esta é a tua nova realidade, não podes fugir dela…
- Uma realidade insuportável para ser vivida, um Deus que se esqueceu de mim, que raio de vida é esta? Sou um estorvo para a humanidade …- Sebastião soletrou estas palavras com raiva de tudo e de todos.
Com o decorrer dos dias, Sebastião aprendeu a aceitar a sua nova condição física. Retomou a leitura e a escrita para ajudar a passar as extensas horas do dia. O sentimento de vingança pelo Ricardo estava apagado, porém a nova juíza Inês Ramiro não lhe saía da cabeça. Como seria o dia do julgamento ao encarar aquela mulher, aquela filha que nunca acarinhou? Parece o destino a pregar-lhe uma partida, ou quiçá a lei do retorno, por erros cometidos no passado…
Júlia cuidava de Sebastião como se fosse seu marido. A paixão entre ambos, adormecida durante anos, foi substituída por um amor maduro, um amor que cuida e que protege o outro, sem intenção de receber algo em troca, simplesmente um amor de doação.
- Júlia! Senta aqui…tenho uma história do passado para te contar…
- Que história é essa para estares a ressuscitar o que já passou?!
Sebastião relatou a paixão por Maria da Conceição e a suspeita de Inês Ramiro ser sua filha biológica. Também descreveu toda a situação que conduziu à morte de Zé Ramiro, na qual tinha uma grande parte de culpa.  
- Meu Deus!!! – Júlia ficou estupefacta com tudo o que acabava de ouvir.
- Estou mais preocupado como encarar a juíza do que com a acusação que me fizeram…uma filha a julgar um pai e, desta vez, inocente…
Amanheceu, o sol luminoso e o chilrear dos pássaros serviram de despertador matinal para Sebastião acordar, cheio de limitações, para enfrentar o esperado e temível dia do julgamento.


Sónia Ferreira

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