08/06/16

Razão de Existir - Capítulo XIII


Fotografia de Paulo Emanuel 


“A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”.

Epicuro

Inês abriu o enorme portão de acesso à alameda ladeada de velhos cedros que conduzia ao solar. Era sempre um prazer para ela chegar a casa ao final de um dia trabalho e encontrar aquele sólido portão de ferro forjado que ao fechar-se a separava fisicamente do mundo exterior e das suas preocupações profissionais.
Tinha comprado aquele solar quase em ruínas. Um solar sólido, de forma quadrada, do início do séc. XIX que ela tinha restaurado e devolvido à sua antiga glória de Solar beirão. Pintado de branco com o granito a bordejar portas e janelas, com a varanda frontal corrida e a sua escada de dupla entrada. A sua casa. Tinha-a escolhido pelo refúgio que lhe proporcionava e pela proximidade que lhe dava do homem que era o causador da morte de seu pai.
Inês à muito que descobrira quem tinha sido o autor da denúncia que tinha condenado o seu pai a uma morte horrífica às mãos da PIDE. A Policia Internacional e de Defesa do Estado que não eram mais que algozes impiedosos para com aqueles que se atreviam a contestar o regime. Inês viu-se privada do pai muito cedo, o seu pai muito amado que ela lembrava com muito carinho e amor e de quem sua mãe lhe contava histórias. Maria da Conceição nunca tinha conseguido aceitar a morte do marido e o desgosto tinha-lhe provocado a morte prematura.
Inês estudara Direito cheia de ideais de justiça e com um sonho: ser juíza. Tinha terminado o curso à custa de grande sacrifício pessoal, trabalhando de dia e estudando à noite. Conseguira singrar na carreira de magistrada com mérito próprio e à custa de muito trabalho e de quase abdicar de vida pessoal.
O seu hobbie de sempre tinha sido vasculhar todos os arquivos antigos da PIDE e ler tudo o que se relacionasse com a instituição. Chegou inclusivamente a entrevistar alguns denunciadores, e mesmo alguns agentes que à custa de muita teimosia e persuasão da sua parte lhe contaram em primeira mão os métodos que eram utilizados nas “investigações”: Tortura, medo, denúncias e chantagens eram as bases principais. O objectivo de Inês com esta demanda era a de tentar descobrir quem tinha denunciado o seu pai. No dia em que encontrou a ficha da PIDE de Ramiro, após alguns anos de pesquisas, foi quando ficou a conhecer o nome do delator: Sebastião Venceslau de Menezes, funcionário dos correios na sede do concelho da aldeia onde Inês nascera.
Facilmente descobriu o homem que provocara a tortura morte de seu pai e tentou por todas as formas aproximar-se fisicamente com o objectivo de um dia ter oportunidade de vingar o pai.  Primeiro conseguiu a transferência para o tribunal da comarca, posto pouco cobiçado pelos seus colegas de profissão, e em seguida realizou outro sonho, comprar e restaurar o velho solar.
A primeira vez que viu Sebastião, deparou-se com um nonagenário débil e fragilizado pela idade mas ainda com a arrogância de quem tinha, em tempos, detido um pequeno poder sobre os outros. Poder esse que utilizou a seu bel prazer e sem escrúpulos. Assim o viu Inês e, jurou que antes que a morte o levasse ela se encarregaria de o fazer pagar pela morte de Ramiro.
No dia em que lhe caiu aquele processo com a acusação de pedofilia em cima da secretária, Inês nem acreditava nos seus olhos. Poderia o destino ser tão generoso com ela que colocasse aquele homem à sua mercê? Sebastião Venceslau de Menezes era seu! Finalmente conseguiria vingar o seu pai!
Inês, dedicou-se de corpo e alma à leitura daquele processo, colocando de parte todos os outros. Nesse dia leu e releu o processo. Saiu do seu gabinete no tribunal pensativa e embrenhada nos pormenores do que tinha acabado de ler. Levou o processo consigo para o reler mais uma vez e examinar noutro local que talvez lhe desse uma luz diferente.
Entrou em casa, e decidiu “esquecer” o processo por algumas horas. Tomou um longo duche, mudou para uma roupa confortável, calça de ganga, t-shirt branca larga e o seu casaco de malha grosso. Acendeu a lareira, preparou um jantar leve de sopa, queijo e no final foi-se instalar na sala com um copo de vinho tinto e finalmente resolveu-se a pegar novamente no processo. Era um processo com poucas páginas e no final da sua terceira leitura, Inês Ramiro chegou à mesma conclusão a que tinha chegado no final da primeira leitura: Sebastião Venceslau de Menezes estava inocente do crime de pedofilia de que era acusado. Inês, nunca se tinha sentido tão dividida em toda a sua vida. Que fazer? Aplicar Justiça ou executar a sua vingança?


                                                                                                          Fátima Ferreira 

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