20/04/18

Voar Sem Asas - Capítulo X

Foto © Paula Madeira Alexandre


Todos desapareceram: homens, mulheres, crianças. Tinham sido levados. Restavam eles. Orionte ajoelhou-se ao lado de uma Laíssa desfeita em lágrimas. Ele mesmo tentando controlar as que teimavam em rolar pelo seu rosto. Se por um lado, a sua experiência lhe havia dado a sabedoria suficiente para saber que aquele dia chegaria, por outro lado a sua visão enquanto avô quase lhe garantira que nunca isso aconteceria. Nunca com a sua neta. Ficaram ali os dois ajoelhados, como que parados no tempo, a olharem para as águas do rio sem perceberem que tipo de água na realidade viam, se a do rio se a dos seus olhos.
- O que se passou? Para onde foram todos? O que vai ser de nós? Estamos sozinhos – perguntava Laíssa num misto de tentar entender o que se passara e a espera de uma resposta. - Nós escapamo-nos porque nos escondemos - respondeu Orionte.
- Regressemos a casa rapidamente. Não podemos ser vistos - avisou Orionte.
Em passo acelerado, regressaram à casa de Laíssa. Fecharam todas as portas e janelas. Não poderiam dar a entender que alguém teria ficado para trás. Especialmente uma mulher. Sentados no sofá e mais calmos, Laíssa tentava perceber o que se passara buscando nos olhos e na boca de Orionte as justificações para o que se passara. Num gesto repentino, Orionte levantou-se e dirigiu-se para a lareira em frente. Virando-se para o sofá onde Laíssa se encontrava, começou a sua explicação.
- Sabes Laíssa, o mundo antigo viu no controle da água, bem essencial e primordial, uma fonte de poder sobre o resto do Mundo. Como toda a ganância de poder absoluto exige, teria de haver controle também em outras áreas fulcrais. A mulher foi a escolhida. Elas sempre assustaram, com o seu poder de influência sobre as outras mulheres, que era preciso silenciar num mundo que se quer controlado por homens e as quer utilizar como objecto doméstico e sexual. A procriação também é controlada por este Governo de ditadores. É essencial nascerem mais meninos do que meninas para que este controle não se perca. Eu próprio estive durante anos encerrado num local, uma espécie de harém, e tive várias mulheres. O meu filho Iosef nasceu de uma delas.
Laíssa sabia onde ele havia estado. Iosef tinha-lho contado. Ficou algo estupefacta, ainda que de certo modo já disso soubesse, com o controle exercido sobre as mulheres. O livro que leu sobre Mary Barra veio-lhe à mente. As mulheres realmente tinham-se tornado poderosas influenciadoras, daí todo este controle sobre elas. Por isso é que, até hoje, as poucas mulheres foram pensando que eram as únicas sobreviventes. Para que não se juntassem e se revoltassem.
- Eu consegui sair em liberdade – continua Orionte perante uma Laíssa atenta mas perplexa com tudo o que ouve – porque fiquei velho e já não servia para procriar. Trouxe comigo o meu filho. Os homens de físico mais forte são libertados para serem enviados para trabalhar nos campos. Os mais débeis também saem – aqui Laíssa recorda-se de Iohan. - Os restantes ficam para procriarem, seja pelos meios naturais ou para fornecerem um banco de esperma que será posteriormente manipulado conforme os objectivos para os nascimentos: quantas meninas e quantos meninos. As mulheres férteis têm os filhos. As outras servem para alimentar a libido das elites governantes.
Laíssa está completamente abismada com tudo o que ouve. A tentar digerir toda a informação.
- É insano! É cruel! É terrivel! - Grita Laíssa. É para esses haréns que levam todos os que estão em condições de procriarem? A viagem de Rafael? O desaparecimento de Thays e Myrio? E a Thyara? É uma menina… - diz Laíssa a olhar para um Orionte de olhos cravados no chão.
Laíssa levanta-se de um pulo decidido e dirige-se a Orionte que ainda olha o chão. Num gesto brusco e de força, adquirida nos conhecimentos de Sambo, coloca aquele gigante direito. Fá-lo olhar para ela, olhos nos olhos, afirmando – vamos resolver toda esta situação! Orionte percebe a força da atitude de Laíssa e tenta esboçar um sorriso. O cordão que traz ao pescoço chama a atenção de Laíssa. Tem a imagem de Gyra, a mulher por quem se apaixonou e que lhe deu um filho, e da sua neta Thyara. Laíssa repara nele pela primeira vez. Vira as fotos para ele e convictamente afirma:
– Vamos fazer isto por elas! E por todas as outras! Por onde começamos?


                                                                 Paula Madeira Alexandre

38 comentários:

  1. O conto proporciona belo momentos de leitura!!!
    bj

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  2. Gostei de ler. Parece que o conto vai dar uma virada.
    Abraço e bom fim-de-semana

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    1. Muito obrigada. Tem mesmo de dar uma virada. Beijinho e resto de boa semana.

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    1. Muito obrigada. Deixei um grande desafio mas tenho a certeza que a Sónia conseguirá resolve-lo. Abraço

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  4. "Coisas" da cultura Árabe! O conto tem de "virar", ou não fosse ele, conto. Há que fazer render o "peixe".

    Bom fim de semana.

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    1. Infelizmente assim é. Muito obrigada. Bom resto de semana. Abraço

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  5. O conto é envolvente, creio que a virada será bem movimentada.
    Gostei e quero mais!
    Abraço e bom findi!

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    1. Muito obrigada. Tentei fazer o melhor que pude. Abraço e bom resto de semana.

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  6. Interessante texto, onde parece que o Olimpo quer voltar na forma de filhos.
    Grande abraço, Paula.
    Jorge

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    1. Muito obrigada. A situação tem de ser resolvida. Grande abraço também.

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  7. Bom dia
    Texto interessante. Obrigada pela visita ao meu blog, abraços.

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    1. Muito obrigada. Ainda bem que gostou. Abraço e bom resto de semana.

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  9. bom dia amiga, o texto chama a atenção,
    tanto de verdadeiro transmite, não fossem os acontecimentos tão reais que se sobrepõem aos contos, está muito bem redigido :)
    espero não me esquecer de acompanhar :)
    bom fim de semana
    Angela

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    1. Infelizmente o Mundo é assim. Pelo menos neste conto que se escreve, está nas mãos de cada um reverter a situação. Muito obrigada. Continue a acompanhar. Beijinho e bom resto de semana.

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  10. Estou a gostar muito de acompanhar esta história! :)
    --
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    1. Fico feliz por saber disso. Continue a acompanhar-nos e muito obrigada. Abraço.

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  11. Sempre empolgante.
    Parabéns a todos.

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    1. Muito obrigada. Este conto conta com excelentes escritores que tiveram a amabilidade de me receber. Continue a acompanhar-nos. Abraço.

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  12. Exelente reviravolta. Gostei muito. Parabéns

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    1. Muito obrigada. Já estava a fazer falta um bocadinho de acção concertada para o desfecho da historia.

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  13. A magia que tu dás contando Contos,
    Tem raízes que te vão fortalecendo.
    Cada Post é tão ligado pelos pontos
    Como teia frente aos olhos não se vendo.


    Beijo
    SOL

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  14. Muito boa a estrutura da narrativa. Excelente o conteúdo.
    Beijo

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  15. Hoje fizeram-me recordar o filme O Planeta dos Macacos.
    Muito bom.
    Boa semana

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    1. Filme que não vi mas que irei fazê-lo. Muito obrigada. Resto de boa semana.

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  16. Grande Laissa, força e determinação, não lhe falta
    A porta está aberta para acabar tal tirania
    Muito bom Paula
    Parabéns

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    1. Ela é uma mulher de grande força. A tirania tem mesmo de terminar. Muito obrigada. Beijinho.

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  17. Parabéns à autora, a narrativa é excelente.
    Continuação de boa semana, caros amigos.
    Um abraço.

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  18. Muito obrigada. Obrigada e igualmente. Abraço.

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