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18/05/18

Voar Sem Asas - Capítulo XIV

Imagem tirada da net, sem referência ao autor 

É poeira a última vez em que Theo entrou na Biblioteca, mas recorda-se nitidamente de todas, tem memória ilimitada, por isso sabe de cor os títulos dos livros e o conteúdo inteiro de todas as obras, nem um só segundo da universal criação se eclipsou do seu conhecimento. Na Biblioteca guarda toda a História do Cosmos, uma quase infinita coleção de livros, desde o instante em que escreveu a primeira palavra, a milagrosa palavra com que inaugurou a primeira obra, à qual deu o nome de BIG-BANG, e à segunda obra, FIAT LUX.
Entrar na Biblioteca é a ação que mais custa a Theo e que muito o entristece, não pela dificuldade de encontrar qualquer livro, apesar de nela estarem depositadas todas as narrativas do Universo. A Biblioteca é um espaço inconcebível fora da mente de Theo, inacessível a qualquer entidade pensante, pois é na sua mente que a Biblioteca existe, e facilmente ele entra nela, facilmente abre o livro que o chama com urgência, facilmente o manuseia e facilmente encontra o episódio que lhe interessa, mas é sempre no presente da narrativa que age sobre o texto.
Interromper e alterar o curso de uma obra é o ato que mais lhe custa; não por falta de criatividade, pois, sendo autor de tudo o que existe no Cosmos, o grande livro que contém todos os livros, cujo exemplo mais parecido é a Bíblia, é incontestável a sua omnisciência de todos os processos narrativos. O que lhe entristece e magoa, se um motivo infinitamente forte o obriga a entrar na Biblioteca, a fim de abrir um livro e nele escrever, é o facto de as personagens dessa narrativa, por causa do livre-arbítrio que lhes concedeu, protagonizarem ações que põem em perigo a continuidade de um mundo cujo propósito é o Bem, princípio e fim absolutos que presidem a toda a sua criação.
Às vezes arrepende-se de ter criado o livro Terra, o único de todas as obras que o tem obrigado a corrigir o desenvolvimento da ação. Muitas vezes se interroga em que momento preciso e por que motivo se distraiu na conceção das personagens, a única explicação para o facto de o Mal se ter revelado uma personagem invisível desde Caim, para o caso de grande parte das personagens deste livro se aproveitarem do livre-arbítrio para fugirem ao domínio do seu criador e revelarem fascínio pelo Mal, obedecendo a este cegamente, como se o Mal fosse o deus do Paraíso.
A primeira vez que Theo mexeu no livro Terra foi logo nos primeiros capítulos, quando se lhe tornou evidente que o Mal se instalara na obra como personagem invisível, e então teve de exercer a sua omnipotência autoral, não quis que o fim do livro fosse o caos, o retorno ao Nada, resultado da extinção de todos os seres vivos. Por isso, com o Dilúvio e com a Arca de Noé, acabou o primeiro Tomo e iniciou o segundo do mesmo romance, para que as personagens, aprendendo a lição, percebessem que o livre-arbítrio é a dádiva mais valiosa da vida, que não deve ser utilizado para servir o Mal. Infelizmente, em outras ocasiões teve de agir, e novos tomos foram engrossando o volumoso livro da saga Terra.
Agora, decorrido um século desde a sua última intervenção, pondera se entra na Biblioteca, ou se, desta vez, desiste da obra — se a melhor solução é abandonar os humanos ao seu livre-arbítrio e permitir-lhes que percorram o caminho da autodestruição até ao fim, até à última palavra do último Tomo do livro Terra, definitivamente uma narrativa fechada e arquivada para sempre na Biblioteca.
Valerá a pena ajudar Laíssa, Orionte, Thays, Myrio, Thyara e todas as personagens que combatem o Mal?
Valerá a pena encerrar este Tomo do livro Terra e iniciar a escrita de um novo?
Ainda é possível acontecer uma obra perfeita, sabendo que o Mal é a semente que germina em todos os seres vivos da Terra?
Este é o dilema angustioso de Theo.


                                                                      António Breda Carvalho

13 comentários:

  1. Muito bem, como cada autor consegue deixar neste conto a sua marca! :)
    --
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  2. theo, deus, se existiu, arrependeu-se de criar a terra e o próprio homem. então, mas ele não sabia disso, antecipadamente? ele tudo sabe, ouve e vê, dizem.

    vale a pena combater o mal, sempre, mas será o universo a fazê-lo e não theo.

    saudações.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. já somos dois, pelo menos, a pensar da mesma forma, Sílvio Afonso. somos muitos mais, felizmente, só k nem todos se revelam.

      qto a caçar-me um beijo, cuidado k eu chamo os policiais -rrsrs.

      inteiramente de acordo. o mal é o início e o fim.

      bom fim de semana, António Breda Carvalho.

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    3. Voltei para dizer que a
      temporada de caça está
      aberta, portanto...

      bjs.

      .

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  3. O Antonio, muito bom o seu trabalho, e concordo sua interrogação, uma ves que o Mal está dominando o mundo. Parabéns pelo fechamento com chave de ouro!
    Abraço!

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  4. Um registo diferente, mas não menos interessante.
    Bom fim-de-semana

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  5. Bem, que vale a pena combater o mal, disso não tenho dúvidas. Agora se é Deus (Theo) que o vai fazer, não sei...
    Gostei muito deste capítulo. Parabéns, António Breda!

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  6. Muito bom, Amigo. O mal existe, mas o "Bem" também. Interrogar-mo-nos, é missão de cada um.
    Gostei.


    Abraço
    SOL

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  7. Obrigado a todos.
    O objetivo principal do meu texto é levantar questões, não dar respostas. Estas podem vir nos capítulos seguintes, se os seus autores assim o entenderem.

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  8. Este conto é um must.
    Com contributos tão diferentes fica impossível não seguir com atenção.
    Boa semana

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  9. A excelência da palavra continua viva neste capítulo.
    Parabéns ao autor.
    Bom fim de semana, abraço.

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