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28/09/18

Janelas de Tempo - Capítulo 12

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Júlio descansara um pouco. Dormira? Sonhara? Nem recordava se acontecera durante a viagem no Tempo ou ainda com a nave em repouso, mas rapidamente descobriu, pois acabara de pousar num qualquer lugar e a máquina, ou a ausência dela, emitira um silvo desusado!... Ainda um pouco tonto devido talvez, ao encontro com Laura no torpor do sonho, em que a olhara, linda, sorridente tal como quando viviam a sua felicidade conjunta, e esta lhe dissera num sussurro, que lhe havia preparado uma surpresa... o silvo da cápsula providenciara o afastamento da imagem da sua amada companheira.
Abriu a porta ou esta abriu-se. Por um forte odor a ervas lavadas e o alagamento do terreno avermelhado em que se encontrava, percebera que acabara de acontecer uma forte chuvada. Folhagem variada, árvores desconhecidas embelezavam o quadro agora descoberto. Esta vegetação rica em variadíssimos tons de verde era densamente cerrada. Ouviam-se águas correntes por todo aquele denso e exuberante mato. Piares, chilreios, de aves que, por vezes sobrevoavam este paraíso, livres e coloridas. Aqui e além, frutos polposos e intensamente perfumados, que no seu mundo habitual desconhecia. Acabou parado numa clareira, onde a luz do sol penetrava agora intensamente. Uma cachoeira ouvia-se com alguma intensidade, talvez pelo acréscimo de fluxo acabado de receber... Afastando alguma vegetação rasteira que lhe tolhia a passagem, com braços e mãos, Júlio avistou por fim um casario a curta distância de si. Para lá se dirigiu, curioso. À sua frente, agora, um mercado pejado de vida, ostentava um variado colorido de frutas/legumes. Também pequenos lugares de comes e bebes, de oferta vária. Sentou-se a descansar do calor intenso que se começava a sentir, numa zona central do mercado, onde além de alguma população local, se encontravam, também, militares oriundos de países europeus colonizadores, que se evidenciavam pelas fardas. Os produtos em exposição para venda, eram todos da agricultura local e peças elaboradas, de arte cerâmica, também.
Após beber um chá fresco e perfumado aceitara com agrado um repasto oferecido por um ancião local, pelos vistos dono do local, que percebera nele um forasteiro simpático, algo diferente dos demais, e a quem Júlio agradecera a benesse. O menu era composto de legumes que libertavam odores inebriantes, convidativos, cozinhados com especiarias e arroz. Pela conversa desenrolada pelos militares ali presentes, Júlio percebeu estar em Bali, na Indonésia. O calendário manuscrito, pendurado ao balcão da entrada, marcava o ano de 1898. Júlio olhou para baixo onde sentira um roçar e percebera a companhia de Whisky, que acabara de se aninhar, vindo sabe-se lá de onde, deixando-o mais sossegado. Terminada a pequena e satisfatória refeição, Júlio ergueu-se despedindo-se do seu anfitrião com o simpático agradecimento da terra (que fora ouvindo repetidamente por ali) - "terapia kasih". Toda aquela gente raiava em cores alegres, fortes, vestindo saris (mulheres) e saias lisas por cima de tangas (homens), cruzando-se numa azáfama geral de compra e vende...
Júlio percebera finalmente o "recado" da sua doce Laura, no sonho que ainda há pouco tivera. Era um segredo de ambos, a paixão que Laura nutria por danças exóticas, especificamente as desta zona do globo. Exibia-as, em privado, para encantar e seduzir aquele que se admirava com a leveza dos seus movimentos ondulantes. Ah, fora este o recado de Laura!... Ainda tinha guardado no seu quarto um sari oferecido a Laura e que dera origem ao seu dançar após a curiosidade desta em ver filmes e documentários sobre o assunto… fora deste modo que se interessara pela vida de Matta Hari, famosa bailarina de origem holandesa, que habitara nestas paragens e se tornou uma apaixonada deste exotismo, desempenhando com arte, elegância e sucesso esta forma de bailado.
Talvez esse protagonismo tenha ferido susceptibilidades nuns e gerado inveja noutros, elites europeias, de mente estática, que só sossegaram quando a souberam sentenciada e morta como espia, na 2ª guerra mundial. Quanto a Laura poderia não ser a melhor dançarina, mas que era linda, bailando, era! Com este esvoaçar de recordações, Júlio deu por ele a sorrir feliz e agradecido...
Volteou mais uma vez pelo mercado, ainda inundado de gentes várias. O sol aquecera fortemente o ambiente que fervilhava. Logo depois seguiu uma multidão que se dirigia para o centro cultural Ubud, em Bali, onde no teatro a céu aberto se iriam executar as famosas danças tradicionais. Jovens malaias javanesas com sorrisos enigmáticos e colocadas em posições estudadas davam início ao bailado, acompanhadas por homens que, sentados em círculo, emitiam sons com as bocas. Música e rodopiares cresciam acompanhados pelos sons de pulseiras que buliam com os movimentos dos braços, também mãos, pernas, olhos... enfim todo o corpo ondulava nas dançarinas, numa enorme leveza e harmonia! O baile terminaria com todas as executantes de costas para o público e uma delas, em posição central deixava escorregar o seu sari, exibindo um corpo perfeito. Céus! Seria ela a própria Matta Hari? Pensava Júlio muito feliz mas já com uma névoa de saudade...ah Laura, Laura!
Ordeiramente, acompanhado de Whisky que o aguardava pacientemente á entrada, Júlio afastou-se do recinto, rumando em direcção ao vale densamente arborizado, onde o chão já secara, aquecera. Olhou o céu visivelmente pintado de vermelho alaranjado, acompanhando a enorme bola de fogo que, rápidamente se deslocava para o horizonte. Pensou mais uma vez em Laura que o deixara de coração amaciado. Olhou o seu companheiro de andanças a seu lado. Moveu a língua á volta do dente. Logo Whisky erguera a pata accionando o botão. Rápidamente, quase tanto quanto o sol se escondia no horizonte, a cápsula emitiu um silvo, e emaranhou-se no espaço, rumo, talvez, a um outro século, a uma outra odisseia!


                                                                                       Fernanda Simões


12 comentários:

  1. O meu blogue não publica publicidade gratuitamente.
    A menos que esta seja precedida de um comentário ao que escrevo (é isto o preço...).
    Espero que compreendam.
    Um abraço.

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  2. A Fernanda leva a sério
    o ofício da escrita. Gostei
    do ritmo como conta o conto.

    Um abraço e parabéns.



    .

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  3. Acho muito inadequado irem publicitar o vosso blogue e não terem sequer a delicadeza de comentar o que publicado nos espaços que invadem!!

    Informo-vos que no meu serão sempre excluídos a partir de agora.

    Fiquem bem

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    Respostas
    1. Cara São,
      este é um projecto colectivo e como tal não faria sentido emitir opiniões pessoais seja sobre que assunto for em nome de Acrescenta Um Ponto Ao Conto. Cada um de nós é uno e com certeza, temos opiniões diversas.
      Todos podemos comentar individualmente, se assim o entendermos.

      Com todo o respeito pelo seu trabalho e pelo seu reparo, esperamos que entenda.

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  4. Gosto destes temas bem ficcionais também! Grande abraço!

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  5. Porque a Fernanda Simões está com dificuldade em aceder ao blogue, pediu para, em seu nome, deixar aqui um agradecimento a todos que comentarem o seu texto.

    Bem hajam!

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  6. Desta vez entrámos na outra dimensão, no domínio da ficção científica.

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  7. Uma narrativa irrepreensível e apelativa.
    Parabéns à Fernanda.
    Bom feriado e bom fim de semana.

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  8. https://poemasdaminhalma.blogspot.com/
    Excelente texto, gostei imensamente.
    Tenha uma boa noite de domingo.
    Luisa

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