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19/12/22

Estendais - Capítulo 5

 


Tixa - 3º esquerdo

 

Oi, prima querida, então, tá tudo bem aí por Cascais? Espero que sim. Tô morrendo de saudades!

 

Enfim, me mudei para o prédio novo/antigo! Ainda tô me acostumando, mas é normal. Afinal, acabamos de chegar, eu e vários vizinhos. Homens sozinhos, mulheres sozinhas ou com filhos. Foi uma sorte termos conseguido este aluguel tão baixo, já está impossível encontrar aluguel baixo em Portugal!

Agora que estou instalada, já tô começando a planejar meu Natal. Quando for às compras, em vez de pensar em mim, tenho que comprar 3 blusas pra vizinha de baixo, a Sara. Estraguei 3 blusas dela com água sanitária, (lixívia, né?), a tentar limpar a caca dos pombos no beiral da janela. Eu como tiro sempre o meu varal da janela, me distraí e não percebi que a moça tinha roupas penduradas...

Como tem pombo neste prédio! Fede a casa inteira!! Deve ter algum morto em algum canto. Preciso reclamar com o síndico, falar pra ele dar um jeito nos pombos e fazer uma vistoria no telhado. Que cara mole, parece que nem é com ele! Também, nem é mesmo, fiquei sabendo que ele mora numa mansão na beira da praia. Com a grana que ganha administrando todos os prédios deste lado da cidade, não quer nem saber do que a gente precisa!

Haha, cê não vai acreditar!! Preciso também dizer à vizinha que o rapaz enrolado na toalha que ela viu pingando água depois do banho era o meu sobrinho de Lisboa, que tava de passagem pela cidade... (sobrinho não é, mas é como se fosse, estudou com o meu filho mais velho e me chama de tia, às vezes até de mãe) Não vá ela pensar que eu, uma velhinha de 61 anos, esteja de encontros escusos com um rapaz de trinta e tal... O Renato é um querido, tu o conheceste quando eu tive aí. Ele aliás me ajudou a trocar o cano da pia da cozinha antes que rebentasse de vez. Desde criança sempre foi muito apegado a mim. O meu Julian por acaso parece mais com ele do que com os irmãos (não venha daí nenhum pensamento errado, eu não conheci o pai dele!).

Com a mãe tão longe, e as saudades que tem dela desde que veio do Brasil, é natural que queira ter o aconchego da “tia” que está mais perto.

Vou oferecer à vizinha as blusas de presente de Natal, e tentar ficar amiga dela antes que saia por aí a fazer fofoca e acabe com a minha paz há tantos anos sonhada.

Você sabe que não gosto muito de me meter na vida alheia sem convite, mas neste caso, preciso, pelas duas razões! E pra tentar fazer mais uma amiga aqui, já que acabei de chegar e não conheço quase ninguém. Cê sabe que o que eu gosto mesmo é de receber amigos!

Me parece que ela foi de férias pro Algarve, neste frio é bom mesmo. Tomara que aproveite bem! Vou ter que deixar a conversa pra depois que ela voltar.

Tô bolando um almoço aqui com os novos vizinhos, porque eu adoro cozinhar e juntar a galera. Como por aqui ainda não tenho muitos, preciso buscá-los. Não vou poder chamar a Sara, já que está de férias e não sei quando volta, mas vou na mesma deixar um convite pra ela na caixa do correio. (Por baixo da porta não posso botar porque já teve a casa inundada há duas semanas!) Quem sabe ela não chegue a tempo de se juntar a nós?

Pelo que sei, somos todos novos aqui no prédio e na cidade, e eu, como sempre tive casa cheia, sinto falta da galera ao redor da mesa farta.

Resolvi fazer esse almoço com a ajuda da minha vizinha de porta, a Luisa, e já tenho alguns vizinhos que confirmaram presença. Vamos as duas fazer um cozido à portuguesa, já que é tradição e mais fácil de fazer, mas também vou fazer uma feijoada brasileira para surpreendê-los. Chamei também o Renato, mas desta vez vem com a namorada, e as vizinhas não vão poder engraçar-se com ele, tão gato que ele é! Quem sabe quando o Julian vier do Brasil pra me ver, não tenha alguma portuguesinha disponível, ele ainda tá solteiro.

Bem, com esse almoço, espero que possamos todos nos conhecer e tornar assim a nossa convivência mais leve. Tenho um vizinho, o Euclides, que está sempre a se oferecer pra almoçar ou jantar, parece que é muito só e sem jeito pra cozinha. Depois do dia do almoço, vou convidá-lo mais vezes, pois não gosto de cozinhar pouca comida.

Precisamos todos nos unir para reclamar ao síndico sobre os pombos, os canos, os elevadores... O prédio é bonito, arquitetura antiga, por isso os problemas... cê sabe que não me posso arriscar a ficar sem elevador depois que 5 médicos me proibiram de subir escadas... já me bastaram os dois anos e meio que morei nos forrinhos daquele prédio em Braga. A minha sorte foi conseguir trabalhar de casa, já não precisava mais subir os 4 andares todos os dias pra ir pro serviço.

Mesmo assim, a vida sedentária acabou comigo. Por isso estou procurando um lugar para dançar, já que não posso nadar todos os dias como na minha Praia da Costa. O mar sempre foi o meu refúgio, mas aqui, só no verão... Mesmo assim, os melhores momentos que tenho, passo olhando o mar.

Como as duas atividades que mais gosto são nadar e dançar, vou procurar de um curso de dança. E vou convidar todos os vizinhos! Aproveito o almoço para botar uma musiquinha e sambar a tarde inteira. Assim, já descubro quem são os pés de valsa do prédio.

Ai, Jesus, estou aqui há tanto tempo escrevendo que quase esqueci o bacalhau no forno! Vou correr antes que queime.

 

***

 

Menina, você não vai acreditar! Tem um filho duma que ronca e fuça aqui no prédio, o tal do Euclides, o cara quase botou o prédio abaixo agorinha! Fui apagar o meu forno, achando que o cheiro de fumaça era do meu bacalhau, não era nada! O filho da mãe bota as cuecas pra secar no microondas. Esqueceu, o trem pegou fogo la dentro. Saí pra ver no corredor, tava todo mundo subindo a escada, porque o Pedro, vizinho do 4º direito, saiu pra levar a cadela pra passear e viu a fumaça saindo da janela dele. Aí eu fui também, e o homem mora no 8º andar, quase que eu não chego! Ficamos lá batendo na porta, a ponto de arrombar, até que ele respondeu. Ainda queria botar a roupa, outro vizinho mandou abrir logo que era urgente, ele abriu a porta pelado. Não tem nem cérebro nem outros atributos... tudo no diminutivo.

Desligou o forno e ainda ficou se oferecendo pra menina dos forrinhos, que não tem onde colocar um varal. Disse que quando instalar o dele, ela pode ir lá pendurar a roupa dela. Daí a pouco, aparece a mulher dele, pelada do jeito que veio ao mundo, com um cigarro na mão, e botou todo mundo pra correr.

Esse prédio tá parecendo uma zona! Sei não, se eu vou fazer o tal almoço! Vou conversar com a Luisa pra ver o que ela acha. Que droga, viu? Eu aqui toda empolgada com a festinha, querendo conhecer o povo todo, mas do jeito que ficou a coisa, sei não... fiquei invocada. E já mudei de idéia, chamar o tal do Euclides pra almoçar aqui, mas é nunca! Chamo a Luisa e a Sara, é mais seguro. Eu, hein?!

 

Beijinhos, Goretinha, até a próxima, que essa carta tá ficando muito comprida, daqui a pouco chega o Natal e nem os votos de Feliz Natal te mandei!

 

P.S.: Olha, o apartamento já tá arrumadinho, quando você quiser vir, tenho um quartinho fofo para você e muita alegria de te ver outra vez! Traz o Tonecas!

P.S. 2: Já pensou se no dia do almoço (que não sei nem se vai ter), eu queimasse a feijoada? Hahaha! Isto é que ia ser uma piada!

 

Beijinhos muitos!

 

       Tixa Falchetto

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