Fernanda - 6ºesqº
Finalmente alojei
os móveis por tanto tempo guardados numa arrecadação em casa da prima Helena,
no espaço agora escolhido para viver. De alguns nem me lembrava já, tanto durou
o meu afastamento. Móveis sóbrios de alguma qualidade, alguns herdados dos pais
de Eurico, que também andaram emigrados pelas Índias. Acolhi-me neste vasto
apartamento, bem dividido com boas vistas para o mar e com um espaço lindo,
luminoso para poder realizar as pinturas de que tanto gosto - para mim uma
actividade calmante e recreativa, em simultâneo - no meu dia a dia. Eurico, meu marido foi,
desde que terminou medicina (1970) um trabalhador empenhado na Organização
Humanitária dos "médicos sem fronteiras". Curiosamente o ano em que
esta recebeu o Prémio Nobel da Paz! Foi para ele um bom augúrio....
Acompanhei-o sempre que possível juntamente com o nosso filho Luís, que passou
a frequentar as escolas dos sítios que escolhíamos para morar.
Aconteceu em
África, quase sempre no Uganda - território tão instável, e tão massacrado
pelas guerras constantes de cariz religioso sobretudo. Implantámo-nos na
capital, Kampala, num bairro simples e aconchegante, relativamente perto da
Associação, para que Eurico pudesse mais facilmente estar connosco nas suas folgas.
Foi uma época linda, de muitos momentos felizes, em que nos foi dado a conhecer
pessoas várias, com gostos e costumes diversos, possuidores de uma enorme
riqueza humana. Entretanto terminou: Eurico faleceu sem qualquer previsão,
(Quando se prevê tal?) num acidente de JEEP, quando se deslocava em trabalho.
Foi uma consternação para todos que o conheceram e com ele trabalharam, e para
nós família, um grande desgosto. Só acalmado um pouco pelo bem que sabíamos
Eurico ter espalhado pela comunidade local e vizinhança, também. Estava Luís a
terminar, nessa altura, a especialidade de medicina pediátrica e depressa tomou
o lugar do pai (como costumo dizer). Optou por estabelecer residência fixa
naquele rincão africano com sua companheira Enfermeira Pediátrica, Emma,
Ugandesa.
Foi nesta altura
que decidi regressar a casa, mas fazendo viagens esporádicas para visitar a
família agora aumentada com os gémeos Paul e Patrick. Por cá visitei vários
apartamentos nesta zona linda, e curiosamente encantei-me com este que agora
habito no 6ºesqº. Parcela de um edifício antigo e lindo, de uma traça original,
ainda com raízes na Arte Nova... O que mais me atraiu e convenceu foram as
divisões amplas, para o habitualmente visto e a incidência dos raios solares
durante grande parte do dia. Ah, não falando das bonitas vistas de que disfruto
da sala maior. Mesmo por cima da minha habitação, tenho um vizinho, João, do 7º
esqº, amante de música, que por vezes passa discos que ouço tão bem através da
janela que mantenho sempre aberta (hábito adquirido das vivências tropicais) e
que me trazem á memória, imagens da felicidade vivida com Eurico. São para mim
um bálsamo. Cruzo-me, regularmente com Cristina e sua pequena filha Sara,
quando, sem elevador temos de usar as escadas... Porém, para mim entendo esta
falha do elevador positivamente, como um exercício físico, que só me acrescenta
saúde...trocamos sorrisos e breves conversas e vemo-nos algumas vezes no Café
da praia. A Tixa, mulher afável e sociável, que já ofereceu, a quem quis aparecer
na altura do Fim de Ano, delicioso manjar da sua terra natal. Sónia e Estela,
esta minha vizinha do mesmo andar 6º dto, que gostam, pelo que me foi dado
perceber, da atractiva vida da noite. É saudável, e são ainda jovens e cheias
de entusiasmo. Bom que aproveitem. A Vida é um instante! Vale a pena! Percebo
que somos gente diversificada o que é bom, para não nos entediarmos... Assim,
as novidades de cada um de nós nunca coincidem, quando se proporciona estarmos
juntos....
Estou a recordar
os vizinhos que tenho e não me lembrei ainda de oferecer os meus pitéus
angolanos, e dos países circundantes também, numa reunião, que poderá decorrer
na cave, como já nos proporcionou a Tixa. Aos que gostarem e aceitarem. Obviamente!
Gosto muito de cozinhar. Especialmente pratos um pouco complicados, que saindo
perfeitos me dão imensa alegria. Curiosamente só me dediquei verdadeiramente à
cozinha quando partimos, em família, para África. Tornou-se um hábito gostoso, contrariamente
ao que acontecia na minha vida anterior. Também pela oportunidade de utilização
de alimentos vários, que até aí desconhecia, embora tenha nascido e crescido
num outro país africano. Ao misantropo do 8ºDto dei, logo após uma conversa
tida no elevador, uma das receitas que mais gosto de confeccionar. A
determinada altura o Bessa, de seu nome, mostrou um sólido interesse, pela criatividade
culinária, parecendo-me que a ela dedicava algum do seu tempo livre...
ofereci-lhe então num pequeno escrito, que, entretanto, coloquei na sua caixa
de correio, uma das minhas receitas tropicais favoritas. Convidá-lo-ei, talvez
uma tarde destas, enquanto o sol nos bafeja, para tomarmos um café no barzinho
da praia, e saber como resultou a receita de muamba que lhe cedi. Soube pela
Estela, de uma cadela, Tróia, pertencente a um cavalheiro também do prédio que
misteriosamente havia desaparecido. Não cheguei a conhecê-la. Tive pena, mesmo
assim. Mas soube há pouco, que já apareceu, sim, tal qual como havia
desaparecido. Misteriosamente! Fico contente, pelos dois: dono e Tróia. Também
penso adoptar um cão. Talvez resgatado. Que normalmente sãs animais que
sofreram maus tratos ou abandono... Assim terei hipótese de lhe proporcionar
uma vida com alguma felicidade. O último que tive, no Uganda, havia sido
oferecido ao Luís, meu filho. Despedi-me do "Bonzo", com pena minha,
mas não era meu e além do mais as crianças, meus netos nutrem um grande afecto
por ele. É sempre bom trazer animais para casa. Proporcionar, principalmente
aos mais pequenos um relacionamento saudável com outras espécies viventes, será
benéfico para eles e para nós, porque este mundo é de todos nós!!
Fernanda
Simões
Out of Africa??
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