Adriano
Não encontrando sítio para pernoitar,
pensava albergar-me num pequeno canto que me servisse de refúgio... o tempo
está óptimo, morno, agradável, portanto... ou dormirei sob as estrelas do céu.
Mas tentarei ainda mais uma vez encontrar algo mais protector. Seria, sem
dúvida, um outro conforto.
Caminharei então um pouco mais, pois
apercebi-me vagamente, quando me despedi do simpático casal, que poderia haver
casas por perto. O sol já se escondia, rápido, mas pareceu-me ver alguns
pequenos telhados vermelho alaranjados, (ou seria efeito do sol a pôr-se?) para
além da minha caminhada... virados para norte. Cheguei! Havia, sim, duas
pequenas casas rurais. Para lá me dirigi. Por sorte numa delas estava uma
robusta mulher fazendo algumas arrumações de lavoura. Fui ter com ela
explicando ao que vinha. De imediato me cedeu um pequeno espaço limpo para
pernoitar. A Sra. Maria, de seu nome,
deixou-me um pequeno jarro de água, à porta, para as lavagens do dia.
Despediu-se dizendo que nada tinha a pagar, e sem mais conversas foi entrando
na sua própria área de residência. Já devia estar habituada a estas situações.
Acordei bem, excepto a sensação, ainda que leve, de um cansaço, sentido nas
pernas... terei de as ginasticar um pouco para conseguir algum equilíbrio de
movimentos. Há já algum tempo que não as exercito como recomendou o médico
quando caí nas escadas, em casa. Em casa!!!
O espaço em que passei a minha noite, exíguo,
mas suficiente para uma noite bem dormida - contíguo a uma pequena área de
cozinha onde, simpaticamente a dona da casa me deixou algo preparado. Assim
depois de me levantar só teria de colocar a chaleira ao lume para fazer meu chá
de melissa (de que eu mostrei gostar, o que levou a senhora a buscar um pequeno
ramo ao campo próximo) e um pedaço de pão alentejano, penso que acabado de
fazer.... Simpatias que agradam a qualquer um. Ao sair do alojamento ainda a
procurei, mas percebi que já havia saído para a sua labuta diária, aproveitando
o fresco do início da manhã. Conferi os pertences na mochila, colocando a
garrafa d´água numa das bolsas exteriores e a bussola, no bolso dos
calções. Conferi, também se a caixa
entregue com tanta confiança, pelo Afonso "Adamastor" continuava no
lugar em que a havia colocado. Um mistério esta caixa... já por duas vezes
estive tentado a abri-la, mas não! Não seria justo, pois a promessa reservava-a
para o final da viagem E de preferência com a companhia da Estrela.
Com tudo ordenado, reiniciei a caminhada
neste novo dia que já ia com algum calor.
Agora mais frequentemente pensava na
"minha Estrela" e nos seus sedosos cabelos negros. E os olhos?....
Nunca esqueci a sua figura harmoniosa... curioso por revê-la, mas também
receoso de pensar sequer, que uma pequena chama não reacenda quando do nosso
encontro… como estaria ela, Estrela, neste momento? Que coragem deve ter
assumido, para se "meter" nesta pequena aventura... Estará talvez em
algum pequeno café, tomando o pequeno almoço, deliciando-se com um doce
conventual - caso seja ainda gulosa dessas especialidades...
Como haveria de retomar uma outra estrada,
resolvi que antes disso iria a São Teotónio tentar mastigar algo consistente.
Tenho por lá passado de automóvel, mas a pé será uma estreia. Eram sete da
manhã, um pequeno almoço frugal levar-me-á a algo mais elaborado. Depois vou
até Alcácer do Sal, o que equivale a percorrer uns bons Kms a pé. Nem andando
bem veloz resolveria as várias horas de percurso até chegar lá! Uma etapa
difícil, que obviamente não concluirei num só dia.
Queria, nesta caminhada, observar com o meu
pequeno binóculo trazido para o efeito, numa área ainda sossegada, as aves
migratórias existentes nesta zona, nesta época, no Vale do Sado. Que sei serem
de várias espécies. E fazer na minha
agenda, trazida para o efeito, o registo das mesmas, em seu habitat
privilegiado. Complementando os registos com algumas fotografias tiradas com o
telemóvel. Gosto que iniciei com a Paula, que logo depois de casarmos me
convenceu a enveredar por esta bonita actividade lúdica, que me toma algum
tempo e de que fiquei viciado.
Talvez Estrela já se tenha feito de novo, à
estrada... Tenho de ir andando, também. Não me posso distrair, não vá a noite
surpreender-me. Para estes lados há várias tasquinhas que servem para almoço a
deliciosa e típica caldeirada desta zona. Prato único substancial, que sacia
qualquer fome... tentarei dirigir-me a uma - a primeira que encontre.
Tenho-me surpreendido bastante, neste meu trajecto,
com os pequenos rios, ribeiros e outros pequenos caudais de água que encontro.
Sempre circundados de forte vegetação. O descanso que me permito ter nesta
viagem faço-o sempre sentado à beira destes frescos lugares, de frescas águas,
aproveitando para refrescar os pés e descansar as pernas... A idade começa a
fazer-se sentir!
Já fiz algumas fotos de pássaros enquanto
refresco os pés e também os registos em caderno que acho importantes. Consegui
identificar dois tipos de andorinhas das chaminés e dos beirais. Encontrei
gaios, gaivotas e também uma gaivota parda. Galinhas d'água, papa amoras, um
chasco cinza e dois papa moscas pretos (talvez um casal). Enfim uma infinidade
de belezas, que a natureza nos concede... e por vezes nem reparamos bem tão
distraídos andamos.
Quanto mais caminho mais reflito no nosso
almejado encontro. Imagino Estrela uma mulher bonita. Ela era uma adolescente
bonita. Dificilmente o seu rosto sairá desse registo. Penso eu... Mas o que
mais nela me fascinou, foi a empatia que torna qualquer contacto pessoal com um
indivíduo, muito mais fácil. Bem, quanto mais o tempo corre, mais situações
vividas há já tanto tempo entre nós, me ocorrem. Parece que o destino se propõe
ajudar-me. E eu agradeço, pois começo a sentir-me um pouco ansioso.
Vou calçar de novo as botas, guardar os
apetrechos de ornitologia, e pôr-me a caminho. Estou num troço da caminhada um
pouco íngreme. Uma ladeira que terá, talvez, cerca de quinhentos metros....
Então vamos lá! Quando a vencer encontrarei sítio para comer, tenho essa
sensação.
Depois, já saciado, e em descanso,
tentarei por as ideias em ordem. Quero que o encontro com Estrela se torne
inesquecível para mim, desejando que também ela, Estrela, sinta alguma alegria
em rever-me. Só então irei perceber se valeu a pena termos ambos acreditado
nesta aventura, tão desejada e tão bem planeada por nós dois...
Fernanda Simões
Adriano era o meu avô paterno
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