Estrela
As cores do sol dissolviam-se sobre o
mar deixando as ondas alaranjadas. Caminhei por mais de 2 horas até conseguir
sentir as areias da praia de Figueira da Foz coçarem a pele dos meus pés.
Contemplo o horizonte marítimo enquanto o vento fresco atravessa meu corpo,
carregando com ele uma estranha sensação de nostalgia, que já esperava fosse me
atingir. Por um instante, sentia que não era a Estrela de agora, mas a de há anos
atrás. Fecho os olhos e deixo a aragem percorrer minha pele e bagunçar meus
cabelos negros. Quantos anos faz afinal? Em algum lugar do passado estive aqui
com Marcelino, em uma época em que a felicidade parecia ao alcance de nossas
mãos. Eu era apenas uma jovem que não entendia quase nada da vida. Diferente de
agora, que sou uma mulher adulta e pareço entender dela ainda menos. Como disse
antes, há muitos jeitos de amar e de uma certa maneira, eu e Marcelino nos
amamos intensamente. Porém, às vezes a estrada fica difícil e o caminho
estreito e no final nem sabemos quem está deixando quem ir embora.
Agora aqui de novo, olho para tudo
isso. A areia debaixo dos dedos, as ondas do oceano lambendo a praia, os
pássaros marinhos mergulhando atrás dos peixes, o vento cortando o rosto, o sol
clareando tudo. Tudo parece tão igual. Tão simetricamente igual. Porém, tudo me
soa tão estranho agora, como se eu não pertencesse a nada disso. Será que
Marcelino sentiria a mesma sensação?
Caminho pela areia rememorando quando
estivemos aqui a primeira vez. Lembro de quando já entardecia, Marcelino estava
no mar, então começou a chover. Gotas grossas caiam sobre as ondas. Marcelino
veio correndo até a areia onde eu estava em pé. Eu ia dizer para irmos embora
por causa da chuva, quando ele me surpreendeu com um beijo. Foi um beijo forte,
espontâneo, e pude sentir a areia de seus lábios salgando minha boca enquanto a
chuva encharcava nossos corpos. Fomos correndo de mãos dadas até a casa em que
estávamos. Tomamos banho e quando anoiteceu fizemos amor na varanda, ouvindo Patti
Smith e o assoalho de madeira ranger debaixo de nós.
Sorrio lembrando disso tudo. Porém,
preciso voltar para o presente, único lugar que me pertence. Respiro fundo e me
recordo que estou indo ver Adriano. Então uma ponta de insegurança machuca meu
peito e sinto borboletas no estômago. Não sou mais aquela jovem. Será que ele
vai gostar do que o tempo me tornou? E será que minha alma cansada ainda pode
sentir a paixão ardendo por dentro?
Então, como por um sinal divino, olho
para o lado e um rapaz moreno de ombros largos e camisa florida me encara
fixamente. Meu olhar esbarra nele por um instante e ele deixa escapar um leve
sorriso malicioso para mim. Não sei quantos anos ele tem, mas deve ser metade dos
meus. Devolvo a gentileza do sorriso com outro. Me viro e vou caminhando
lentamente para longe da praia. Preciso seguir meu caminho e ele leva a Adriano
e tudo que pode acontecer depois de todos esses anos.
A essa altura, antes de continuar,
cabe agora indagar a pergunta que me trouxe aqui. Estou mesmo livre do passado
e dos sentimentos que um dia tive por Marcelino, a ponto de seguir em frente?
Minha resposta diante disso só pode ser: com certeza!
Meu coração estranhamente palpita e
meu corpo parece entrar em ebulição interna. Percebo que minhas memórias daqui
são recortes bonitos de um tempo bom. Porém, meu desejo e meus anseios não
estão no passado e sim no porvir. Não iniciei essa longa jornada e cheguei até
aqui para me reencontrar com o passado e sim para me encontrar com o futuro e
de braços abertos lhe abraçar e acolher.
Com isso em mente, continuo rumo a
meu encontro com Adriano, pois a nós dois pertence esse futuro. Futuro incerto,
é verdade, mas quem tem certeza de alguma coisa nessa vida?
Grégor
Carlos Marcondes
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