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Por
dentro, com a língua, e por fora com os dedos da mão direita, assegurou-se que
o dente munido com o chip se mantinha firme. A medo, e ainda tonto pela tensão psicológica
daquela estranha “viagem”, aventurou-se a sair da acanhada máquina.
Ainda
sem ter qualquer noção de espaço ou tempo que lhe permitissem perceber onde
estava, e em que ano, passado ou futuro, movimentou os braços e as pernas para
desentorpecer o corpo. Apeteceu-lhe gritar, gritar bem alto a alegria, de para
já, ainda estar vivo. Viam-se azuis por entre as nuvens, e a chuva, apesar de
forte, dava sinais de querer abrandar. Estava totalmente encharcado, mas queria
acreditar que no “pacote” da viagem no tempo também se incluía imunidade
gripal. Não teria graça alguma que apanhasse um resfriado e precisasse de
cuidados médicos, principalmente se estivesse, algures no passado…
Era
hora de tentar perceber onde estava, de se situar. O sol, bem escondido atrás
das nuvens, ainda estava fraco, mas indicava estar a aumentar de intensidade
pelo que deveria ter acabado de amanhecer. Estava no campo, num sítio alto,
suficientemente alto para que, lá em baixo à sua direita, circulasse um forte
nevoeiro que pouco mais o deixava ver além dos montes por onde circulava.
O
campo estava cheio de oliveiras, e enquanto tentava situar-se melhor, Júlio
usava-as para se proteger dos últimos pingos de chuva que teimavam em cair. Não
muito longe dali avistou uma casa, não parecia mais do que um abrigo com as
suas paredes em pedra empilhada e telhado de canas e giestas, mas representava
uma oportunidade de se secar. Conforme se aproximou, viu que próximo estava uma
habitação, também ela singela e humilde e simples, mas que a chaminé a fumegar
sugeria ser habitada.
Impunham-se
cautelas, continuava a não ter qualquer ideia de onde estava nem em que século,
e aquela gente poderia não ser amigável. Aproximou-se do abrigo e viu que
estava ocupado por animais, duas vacas e algumas cabras. Lentamente, para não
gerar alarido entrou, e depois de os animais se acalmarem, encostou-se num
canto a desfrutar do calor existente. Por uma fresta, de entre as pedras
sobrepostas da parede, conseguia ver a casa e tinha esperança de, mais tarde ou
mais cedo, conseguir ver os habitantes e dessa forma conseguir ter a noção de
onde se encontrava.
Não
demorou muito. Da casa saiu um casal de adultos acompanhados por duas crianças
que não deveriam ter ainda dez anos de idade vestidos com roupa que associou a
tempos passados, e a forma como saíram, quase em simultâneo, indiciava que iriam
a algum lado. Não conseguia escutar o que diziam mas a conversa era parca.
Apesar
de desapontado por não ter conseguido perceber, através da linguagem, em que
país se encontrava, Júlio ficou aliviado por ter mais tempo de secagem para
depois, mais confortável, fazer o reconhecimento da situação.
Pendurado
junto da entrada do abrigo estava um capote de palha, aos socalcos, que vestiu
de molde a que até as 501´s ficavam quase escondidas. Agora sim, o sol fazia-se
notar e teve pena de não ter consigo a sua Nikon que sempre o acompanhava nas
viagens, a luz estava magnífica!
Aproximou-se
da zona onde vira o nevoeiro a seus pés e que começava a dar lugar a um vale
cavado com um rio a correr, bem lá em baixo. As nuvens iam cedendo, mas ainda
não permitiam vislumbrar pontos de referência se bem que a paisagem não era
totalmente desconhecida a Júlio. Sem nada que fazer e disposto a tirar a limpo
aquela sensação de “dejá vu”, sentou-se num muro de pedra e por ali se quedou a
ver o espetáculo da abertura do nevoeiro, e de repente deu um salto e ficou
boquiaberto de surpresa. Já sabia onde estava, o rio era cada vez mais visível,
e da outra margem o casario fazia-se notar com o esplendor do Mosteiro dos
Jerónimos e a sua guarda avançada, a Torre de Belém, a marcar a diferença.
Estava algures na margem sul do Tejo, entre onde haveria de estar a ponte 25 de
Abril e a Trafaria!
E
por ali ficou, deslumbrado. O rio, também era azul nos intervalos de tantas
cores que as velas dos inúmeros barcos em movimento, e de tantos outros,
fundeados. Se no seu tempo o congestionamento era na marginal, agora era-o
dentro de água. O Tejo fervilhava de movimento e Júlio Verde deliciou-se em
comparações, entre o que via e aquilo que conhecia. As horas passaram e o
amanhecer já passara, talvez fossem umas nove ou dez horas, e o dia
adivinhava-se prazenteiro. Em minha honra,
pensou ele.
Foi
sol de pouca dura, vindo do nada, das entranhas da terra, um ronco ensurdecedor
acompanhou o tremor que o fez cair do muro abaixo. Levantou-se de pronto, e
assistiu, quase de bancada, ao cair das cartas que compunham os castelos, do
outro lado. De tantos momentos e lugares, aterrara quase em Lisboa (felizmente
na margem sul) e pelo que antevia, deveria correr o dia 1 de Novembro de 1755.
Os
estremecimentos da terra continuavam e já se viam colunas de fumo por toda a
cidade, mas o mais impressionante foi ver o Tejo quase desaparecer para parte
incerta, para não demorar a reaparecer, furioso e bestial. O cenário era de tal
forma dantesco, a cena decorria a um ritmo tal que Júlio nem se lembrou de ter
medo, de fugir ou mexer, que fosse. Os acontecimentos corriam a seus pés, do
rio que minutos antes era um espelho pontilhado de cor, agora era uma corrente
cinzenta alterada e violenta, onde as cores se vislumbravam a afundar.
Por
ali, perto de si, uma fenda se abriu aquando um dos tremores, e de repente
Júlio acordou: E se a máquina caiu,
desapareceu nalgum buraco? Como saio daqui? Sabia que caminhara pouco, e
que o fizera sempre com o rio do lado direito, por isso empreendeu o regresso,
confiando no dente, mas nunca deixando de ver como a sua cidade ardia, do outro
lado. Luis, não o enganara, lá estava o zingarelho com a porta aberta que se
esquecera de fechar, tenho de ter mais
cuidado na próxima vez…
Joaquim
Henriques
Um conto bem à moda antiga, por tanto!
ResponderEliminar:)
Deambulando, no meu silêncio.
Beijos e um excelente fim de semana!
Estou a gostar, parabéns! :) Bom fim de semana.
ResponderEliminar--
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Excelente começo!
ResponderEliminarr: É verdade, é o meu número favorito, o que acabou por dar origem à semana temática das 7 coisas :)
Obrigada e igualmente*
Uma narrativa cheia de interesse que me prendeu do princípio ao fim. Está a começar muito bem… Fico à espera da continuação.
ResponderEliminarUm bom fim de semana.
Beijo.
Ora aqui vamos nós para acompanhar mais uma história e esta pelo começo, promete.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
O tempo passa inexorável
ResponderEliminarno relógio de pêndulo
Tão bom! Adorei.
ResponderEliminarHoje é só para dizer que já estou de volta.
ResponderEliminarAmanhã já haverá comentários.
Agradam-me por demais os textos de autores portugueses.
ResponderEliminarAbraço
Hola me ha encantado tu blog
ResponderEliminarBuen finde.
Besos
Está muito bem! Ja fico curiosa com os próximos capítulos! Parabéns, Joaquim!
ResponderEliminarUm capítulo interessante que nos recorda um momento trágico, mas de alguma aprendizagem, da história de Portugal.
ResponderEliminarBem desenvolvida a ansiedade da “primeira chegada”, que o levou ao melhor local para assistir, num fugaz momento, à colossal tragédia.
ResponderEliminarParabéns, Joaquim Henriques