Fotografia: Sónia Ferreira |
Adelaide e Clarinha
despediram-se, em lágrimas, com a esperança de um novo reencontro acontecer com
brevidade. Adelaide sentia uma antítese de sentimentos: tristeza por não ter a
filha por perto; alegria por ter tido a sorte da Dra. Manuela ter-se cruzado no
seu difícil percurso de vida…
Esta Doutora foi um “Anjo
na Terra” que surgiu na vida de Adelaide. A sua atitude empática em relação a
esta nova etapa de Clarinha e a preocupação com a sua mãe, demonstrava o quanto
tinha um coração nobre, repleto de amor ao próximo. Que ser humano
extraordinário ( pensou Adelaide)!
De regresso a Aljustrel,
Manuela e Adelaide permaneceram longos minutos em silêncio, cada uma refletia
sobre os momentos vivenciados na curta
visita à capital.
António, durante a noite,
continuava a distribuir aqueles jornais proibidos pelo Regime Fascista que
Portugal atravessava. Este homem agia inspirado pelas mesmas ideologias do seu amigo Américo. No seu coração reinava
a amizade leal por aquele amigo que nada sabia o que lhe teria acontecido…apenas
a sua intuição remetia-o para a crença de que um dia haveriam de se encontrar
em nome da Liberdade tão, sigilosamente, proclamada por ambos.
O Sr. Tenente Francisco
vestido com aquela farda oficial, quando passava pelos seus súbditos todos lhe faziam
uma espécie vénia, baixando a cabeça. Era um homem muito respeitado quer pela
sociedade civil, quer pelas Entidades policiais, militares e governamentais.
Francisco, António,
Américo e o falecido Xavier, eram o quarteto mais respeitado na escola. A valentia
destes quatro amigos intimidavam tanto os colegas mais novos como os colegas
mais velhos da escola e da aldeia. Aos olhos das meninas eram vistos como os
heróis invencíveis e, simultaneamente, rapazes belos com uns corpos esculturais
bem definidos!
Certa noite, Xavier foi
até à taberna de Manuel e de Judite,
pais de António, como fazia quase todos os dias. Aqui encontrou-se com
os dois amigos de longa data: Américo e
António.
A conversa animada com os
amigos, Xavier ficou empolgado com o ambiente de diversão e bebeu repetidamente
uns copitos de um famoso licor feito pela Judite que, para além do sabor
adocicado, tinha uns bons graus de álcool. Já embriagado começou a pronunciar
frases contra o Regime a favor da Liberdade.
Entretanto, entre os clientes
estava um sujeito “infiltrado”
defensor acérrimo daquele Regime doentio que, então, se vivia. A proibida
liberdade de expressão de Xavier foi fatal e levou-o a uma morte rápida,
através de um tiro de pistola em que a bala ficou alojada no cérebro. O sangue
ficou evidenciado na parede da taberna e jorrava em fio pelo corpo abatido e
pelo chão daquele espaço. António, segurou a cabeça imóvel do amigo e chorava
compulsivamente. As lágrimas gordas que saíam desesperadamente dos olhos eram
sinónimo de raiva e de vingança que soletrava nos ouvidos do amigo:”vou matar
aquele sacana…prometo-te que vou fazer justiça com as minhas próprias mãos…” e
ali ficou abraçado àquele corpo estendido no chão, como se isto fosse um
pesadelo e que não passaria, apenas, de um pensamento ruim…
Francisco, o “Chico”,
como era conhecido, estava há longos anos no Porto. O contacto entre os quatro amigos terminou
quando o Chico concluiu a 4ª classe e foi morar para a casa de um irmão do seu
pai, na Cidade Invicta. Aqui estudou num
colégio militar e enveredou por esta vida até chegar ao cargo de
tenente.Passados uns anos, detinha uma boa posição profissional que lhe deu a
possibilidade de pedir transferência para Beja, próximo da sua terra Natal.
Após o longo interrogatório do Sr. Tenente Francisco com o
António, este nada adiantou de concreto sobre o percurso que fazia com a sua
bicicleta, durante a noite. Apesar de terem sido grandes amigos na infância,
António apenas confiava no Américo, mesmo sem saber do seu paradeiro.
Entretanto, o Sr. Tenente
neste interrogatório mudou de estratégia em relação às questões. Iniciou uma
conversa informal com António sobre a infância:
- António, lembras-te quando nós os dois
mais o Américo e o Xavier fazíamos aqueles disparates e éramos reconhecidos
como heróis na escola e pelos jovens mais velhos da aldeia?
- Lembro-me muito bem…também me recordo que
o Sr. Tenente, naquela altura, alinhava livremente nos nossos planos, sem medo
de sermos apanhados por um polícia…- Afirmou António olhando fixamente para o
atual Sr. Tenente Francisco, enquanto passava a mão na barba esbranquiçada, que
há muito não era cortada.
- O
Sr. Tenente sabia que o nosso amigo Xavier foi assassinado por um polícia à
paisana, pelo simples facto de estar meio embriagado e ter falado a favor da
Liberdade e contra a este maldito Regime? - António inquiriu com um tom de voz
carregada de raiva, com as mão trémulas
e com os olhos rasos de água…
- Pronto,
Sr. Tenente, pode mandar-me prender se entender, acabei de proferir a expressão
“maldito Regime” ...
- António, lamento a morte de Xavier, não
sabia… tinha muito apreço por ele…- Francisco afirmou desolado por esta
notícia.
Ambos permaneceram em
silêncio por breves minutos. António permanecia imóvel, cabisbaixo a reviver
todos os momentos da morte fatídica do seu amigo.
Francisco foi até à
janela e olhava para o horizonte como se esperasse uma resposta do Além. Num
curto período de segundos passaram várias experiências de vida, desde a
infância até à atualidade…Pensou se esta escolha profissional teria sido a
melhor…
Sónia Ferreira
Os corajosos que ousam enfrentar os ditadores.
ResponderEliminarSão muito poucos.
Parabéns, Sónia Ferreira.
ResponderEliminarGostei do capítulo; e gostei especialmente do diálogo “viscoso”.