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04/03/22

Na Fragilidade do Barro - Capítulo 9

 


Ainda sem saber o que fazer, Manuela começou a retroceder em direcção ao taxi, mas quando virou-se para entrar, tropeçou e com o susto, agarrou-se à porta, deixando cair ao chão sua mala.

O senhor do taxi saiu e deu a volta ao carro, a perguntar se se havia magoado. Isto passou-se em segundos, mas o tempo suficiente para Alexandre e Alice virarem o pescoço e notarem sua presença.

Manuela ainda tentou disfarçar e esconder-se no carro, mas percebeu que não conseguiria.

Alice, já levantada e recomposta, chamava por ela.

- Manuela, magoaste-te?

(Se me magoei!? Como não magoar-me, ao ver o meu ex-marido e a minha outrora melhor amiga juntos, a comprovar que as minhas desconfianças não foram injustas?)

- Não, Alice, tropecei, mas foi só. Não imaginava vê-los por cá. Vim a Lisboa trazer D. Adelaide para ver a filha, deixei-a na casa de D. Lurdes e vim dar um passeio para rever o mar. Não se incomodem, já estou a voltar.

- Não, Manuela, há muito queria falar contigo, desde que comecei a entender-me com o Alexandre. Pela amizade que tivemos, sinto-me na obrigação de te dizer algumas coisas.

- Alice, não tem nada que me dizer... já estou separada de Alexandre há muito tempo.

- Sim, tenho, Manuela. Não quero que penses que te roubei o marido de caso pensado. Por favor, senta-te aqui, precisamos falar.

Alexandre, que até então estava sem palavras, adiantou-se.

- Manuela, por favor. Senta-te conosco naquele café. Precisamos esclarecer algumas coisas. Não esperava que fosse assim, mas desde que recebeste aquela carta com a notícia da herança da casa da tua tia e partiste, nunca mais pudemos falar-nos.

Manuela então resolveu sentar-se e ouvir.

Disseram que não tiveram nada no passado, e que Alexandre, desconsolado com sua partida, passou a conversar mais com Alice, por ser de Manuela a melhor amiga. Queria entender por que Manuela tinha partido sem uma conversa, uma explicação. Reconheceu que antes de sua partida estava mais distante, mais frio, mas eram preocupações com o trabalho, e que descuidou-se da relação dos dois. Que sabia como Manuela sentia-se desconfortável em relação ao modo duro e frio de sua mãe. Que deveria ter tido, na altura, mais cuidado com os sentimentos de Manuela, mas’ que não sabia como resolver a situação. Depois disse também que, com a proximidade, afeiçoou-se a Alice, e tinham acabado por entender-se. Não queriam que pairasse sobre eles a culpa da traição.

Manuela não sabia se acreditava ou não, mas acabou de ouvi-los com a classe que fazia parte de sua personalidade, disse que não tinham explicações a dar, já que tanto tempo já se havia passado, suas vidas tinham mudado, e o passado não havia de voltar. O que estava feito, feito estava.

Alice ainda tentou pedir a Manuela que voltassem a ser amigas como dantes, Manuela disse que nada havia mudado, mas em seu coração, aquela história não estava bem contada.

Definitivamente, eram páginas viradas. Nada voltaria no tempo, nem a fé e confiança, nem a velha amizade.

Despediram-se, Alice com lágrimas nos olhos, Manuela com a cabeça às voltas, Alexandre sem saber onde metia as mãos, todos sem saber a que servira aquele encontro não programado.

Manuela entrou no carro e voltou à casa de D. Lurdes. Pelo caminho, a refletir, decidiu concentrar-se na sua vida presente e deixar o passado no seu lugar de direito. O que importava agora era cuidar da Clarinha. Respirou fundo, recompôs-se e passou a fotografar com os olhos a paisagem que tanto gostava, mas que, de agora em diante, preferia não voltar a ver. Despediu-se de Cascais.

Encontrou em casa de D. Lurdes uma Clarinha sorridente, corada e feliz por ter ao seu lado a amada mãe e a nova mãe postiça que tão bem a tratava. O sorriso de Clarinha apagou de seu coração qualquer resquício de sofrimento. Era ela a luz que iluminava sua vida agora, na missão de fazer por esta pequena o que teria feito por um filho que tivesse tido a alegria de ter.

 

***

 

Antonio, por sua vez, na distante Aljustrel, pensava em sua Clarinha, que tinha sido obrigado a reconhecer, e nas tantas mães que agora assolavam-no com cobranças de reconhecimento de paternidade, mas mais que isso, o que o preocupava e tirava o sono todas as noites, a ponto de deixá-lo ainda mais desleixado e com o aspecto doentio, era conversa que tinha tido com o sr. Tenente. O tenente o reconhecera! Ele não poderia imaginar que depois de tantos anos o encontraria no posto de tenente. Seu velho amigo de escola, seu companheiro de malandragem nas cabulações às aulas, nas fugidas para ver as meninas a vestirem-se pelas janelas das casas mais afastadas, o seu amigo Francisco tinha-se tornado tenente! Francisco conhecia-o, sabia de suas fraquezas, e, apesar de se terem passado muitos anos, ainda podia se lembrar dos seus pontos fracos.

E a conversa que tinham tido naquele malfadado dia não lhe saía da cabeça. Apesar de se dizer ainda seu amigo, de afirmar que a amizade dos dois era a mesma, António pode perceber que o Sr. Tenente Francisco não estava para brincadeiras, e não se havia convencido da história mal contada da busca por um alicate esquecido na base.

António tinha agora que acautelar-se, e muito..


                                                                                            Tixa Falchetto                   

2 comentários:

  1. Cuidado António que o Tenente não está para folguedos

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  2. Parabéns, mana Tixa Falchetto.
    Gostei dessa imagem do “triângulo comprometido”.

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