Foto © Edward Honaker |
Sabras
deixava o olhar perder-se na melancólica planície. As árvores estavam prontas
para a colheita e os frutos maduros pendiam languidamente, carnudos e
sumarentos. Um sem número de insectos zumbia à sua volta numa azáfama que o
ensurdecia. Dormente pelo torpor do calor e dos zumbidos, dava voltas ao
pensamento em eternas questões para as quais não sabia a resposta. Naldan e
Laygar juntaram-se a ele e os três
ficaram num profundo silêncio. O vento soprava os aromas dos pomares e um
levíssimo e fresco odor do oceano perto. E os homens pensavam e pensavam. Há
muito que o faziam quando as tarefas do dia, mais fisicamente exigentes, não
lhes chegavam para cansar o corpo e impedir os pensamentos.
Nenhum
deles sabia como acontecera. Cientistas de todo o mundo tinham ao longo de
muitas décadas, elaborado inúmeras teorias, sem contudo descobrirem a solução.
E aí estavam eles, membros da última geração, com muitos anos, mas plenos de
saúde e vigor. A tecnologia evoluíra até um certo ponto que permitira uma boa
vida no planeta. A longevidade tinha aumentado e as plantações ocupavam áreas
vastas, quebrando de vez os ciclos de fome. Contrariamente ao que se previra, a
ruralidade aumentara e a humanidade criara uma maior apetência pela calma e
harmonia.
-
Continuas a pensar no mesmo, Sabras?
O
homem olhou para o amigo e abanou afirmativamente a cabeça.
-
Como não pensar Naldan? E porque não existem muitos como nós a fazê-lo?
-
Talvez o problema seja mesmo esse-disse Laygar.
De
novo se remeteram ao silêncio enquanto as papoilas dançavam nos campos
levemente abanadas pela brisa suave.
Em
breve chegaria a noite. De leste vinha o perfume da lavanda que o sol aquecera
todo o dia. Daqui a pouco os últimos raios laranja cairiam sobre os tons de
alfazema e nesses derradeiros instantes tudo pareceria perfeito. E não seria
isso a perfeição?
Afinal
não fora nenhuma guerra a destruir a humanidade, nenhuma bomba lançada, nenhum
ataque químico. Parecia que todos os vírus potencialmente mortais tinham sido
dizimados. Nenhum asteroide ou cometa atingira a Terra e os cientistas tinham há
muito, criado sistemas capazes de defender o planeta. Degelo, terramotos,
furacões, eram coisas do passado. A fome deixara de grassar. Todos eram mais
solidários, mais harmónicos. De certo modo, parecia que se tinha encontrado o
caminho para o verdadeiro paraíso. Por isso...ninguém percebera como
acontecera. Pior ainda, o torpor beatífico que assolara a humanidade, só
permitira que alguns se apercebessem da verdadeira catástrofe.
Durante
séculos a população crescente conhecera uma estagnação. Ninguém então se
preocupara com tal num planeta superpovoado. Décadas depois os homens já
superavam em 75% o número de mulheres. Apesar do alarme lançado todas as
pesquisas tinham sido infrutíferas. Nada fora encontrado contra o qual se
pudesse lutar para impedir que tudo acabasse.
Os
três amigos iam vendo os homens que regressavam dos campos. Alguma coisa lhes
faltava nos olhos e sobrecarregava os ombros. Faltavam asas quando os sonhos
morriam e a aceitação tácita impedia de voar. Tantos animais à sua volta sempre
com novas crias a cada primavera.
Mas
eles eram a última geração de humanos na terra. As suas mães e as de muitos
pelo mundo, tinham sido as últimas mulheres. Mais nenhuma nascera em todo o
planeta e parecia que toda a comunidade científica se cansara de pensar. Todos
os óvulos que tinham sido conservados se deterioraram irremediavelmente e
nenhuma alternativa se tornou viável.
Sem
mulheres não haveria vida. Com a última morrera a esperança.
Muito bom, sem dúvida. Mas também um grande desafio.
ResponderEliminarInesperado. Pela primeira vez nas nossas histórias entramos no campo da Ficção Científica. E logo assim, a matar...me. Parabéns, Margarida :)
ResponderEliminarSem dúvida, um desafio e tanto. Estou muito expectante em relação ao desenrolar desta história. Parabéns, Margarida!
ResponderEliminarE eu que gosto de histórias de ficção, temos aqui um bom começo
ResponderEliminarParabéns Margarida :)
Muito, muito bom. E desafiante. Vou querer seguir-vos.
ResponderEliminarSurpreendente. Parabéns Margarida. Promete.
ResponderEliminarInício deveras aliciante! Parabéns.
ResponderEliminarmesmo com todo o torpor beatífico, o medo porém, de que a humanidade por fim acabasse, seria o maior sentimento de todos; parabéns à Margarida; agradeço pela visita , bom final de semana, abraços!
ResponderEliminarGostei muito deste inicio do conto, está muito interessante. Acho que ia ser complicado um Mundo só com Homens além de que acabava a humanidade. Parabéns :-)
ResponderEliminarParabéns Margarida, excelente início.
ResponderEliminarVou ver como é que os outros se aguentam...
Continuação de boa semana
Abraço.
Parece me um bom inicio de ficcao
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