Foto © Fátima Ferreira |
O
barulho da chuva eternizava a trovoada. O chão lá fora parecia rachar, ao
passar de cada segundo, debaixo de uma intempérie que se descrevia a si própria
com um silêncio difícil de decifrar. Theo refletia sobre o futuro da vida. O
futuro do planeta. O que estaria para vir para si, e para os que gostava. Sabia
que o Mal estava nos pequenos pormenores de todas as decisões que o homem
alguma vez tomou, e das quais se arrependeu. Ou não.
Dar
um passo que fazia de si próprio um Deus, tornava a vida de Theo uma alienação.
Um pensamento que não poderia caber na cabeça de todos os seres humanos deste
planeta, porque cada um deles nunca terá o poder investido em Theo. A certeza
de que poderá abrir o chão, para fazer a Terra cuspir fogo e recentrar o foco
da criação noutro ponto desta Galáxia, ou no mesmo local onde sempre esteve.
Revolver os oceanos, a ponto de destruir tudo, como um sopro de Armagedão.
Amanheceu,
com a perspectiva de Theo de que, afinal, era um ser humano. Com um condão de
escrever a vida de uma forma mais intensa que o habitual. Por isso, sentou-se à
mesa, no único sítio naquele local que permitia fazê-lo, e repensou toda a
história de criação de morte da qual tinha sido o projetista.
No
livro Terra defendeu a certeza de que os homens são os únicos donos do seu
próprio destino, e deu-lhes o dom da ubiquidade. Cada canto teria um respirar
humano. Um dote de amor no toque. Nas expetativas. Seria a lua a comandar o
girar da Terra, e nunca o contrário. As estrelas desordenadas numa sopa
primordial alumiariam as decisões de cada pessoa, para que o Mal fosse
gradualmente substituído pela necessidade de lógica na evolução.
Nos
eclipses, conhecidos numa nota de rodapé do livro da Terra como assassinos do
Sol, as pessoas iriam encontrar um refúgio dos sonhos maus. Os tais que mais
não eram do que o Mal que andava à solta nas páginas do livro da Terra, a
querer desenhar um rosto no âmago das pessoas que respiravam para estar vivas,
e estavam vivas tentando fazer muito mais do que respirar.
Theo
sentia que não podia falhar no que debitava com o ritmado compasso da caneta
que, hirta, tomava conta da sua mão, deixando-a sozinha a lutar contra o poder
desgastante do tempo. E o livro da Terra teria também de ser uma prova do seu
poder. Sentia-se o escolhido para, com palavras poderosas e magnéticas, capazes
de revirar o sentimento das pessoas transformando a maldade em bondade, alterar
o destino de todos os seres humanos.
E
por isso criou uma ideia de reconciliação entre todas as pessoas. Apesar de
saber que aquele era um espaço que só existia na sua mente, também sabia que se
sentia ligado a milhares, milhões de seres semelhantes. E por isso desenhou uma
casa comum para todas as pessoas. Teria janelas grandes, amplas, que deixassem
abraçar toda a luz solar. E recantos desenhados com a mestria possível, para
acolher as vicissitudes de cada uma das pessoas.
Teria
de haver espaço para os ambiciosos, os conformados, os desesperados, os
fazedores de esperança, e até as pessoas más. Os assassinos, os que se regiam
pelo desprezo pela beleza e conceito de vida humana.
Quando
chegou ao fim da reconsideração que devotou aquela obra, sentia-se uma pessoa
cansada. Capaz de abdicar da criação, do desejo de perpetuar o belo, apenas
para se sentar, fechar os olhos, e pensar que o bom da vida era a possibilidade
de a maquilhar. Como o rosto da mais linda mulher do universo.
Miguel
Curado
Agarrou bem a mão de Theo. :)
ResponderEliminarGostei bastante do que li um belo conto.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Adoro seu jeito de escrever pois proporciona bons momentos de leitura!bj
ResponderEliminarUm admirável mundo novo e ainda com o rosto da mais bonita mulher do cosmos, maquilhado ou não. Gostei da forma como foi conduzindo a ação.
ResponderEliminarAs minhas mãos não têm pernas para andar - rs, enfim, vão fazendo o que podem.
Saudações.
Boa continuação do capítulo anterior. Gostei bastante.
ResponderEliminarObrigado a todos
ResponderEliminar:)
.
ResponderEliminarEstou acompanhando o desenrolar
da hstória, mas o que mais me
chama a tenção é a fidelidade
que cada escritor tem para com
o trabalho que com ele dividem.
Um belo conto.
Bom domingo a todos.
.
Pena que já se esteja a aproximar do fim! Boa semana.
ResponderEliminar--
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Imaginação sem limites.
ResponderEliminarMaravilha!
Aquele abraço, boa semana
Excleente! Adorei este capítulo.
ResponderEliminarPor onde andas Theo?
ResponderEliminarMuito bonito, gostei mais uma vez.
Boa semana
Que partilha maravilhosa, pena estar a terminar!
ResponderEliminarBeijinho
Joana
Gostei desta continuação.
ResponderEliminarA narrativa é excelente, parabéns caro Miguel.
Um abraço.
"[...]abdicar da criação, do desejo de perpetuar o belo, apenas para se sentar, fechar os olhos, e pensar que o bom da vida era (...) o rosto da mais linda mulher do universo."
ResponderEliminarExcelente fecho num clímax de encantamento.
Parabéns
Abraço
SOL
Gracias en el blog hay un traductor por si te puede servir para seguir leiendo. Gracias por tu paso significa mucho ya que un personage que me hace la vida imposible diciendo que le copio poemas y muchos seguidores se han ido
ResponderEliminarBesos