09/01/19

Ecos de Mentes - Capítulo 4

©Joaquim Henriques


E pronto, a noite já caiu e eu já descansei das palavras da Beatriz. Tive que fazer uma pausa depois daquelas revelações. Aquilo mexeu comigo, o que é que hei-de fazer?
Remexo nos cadernos e escolho outro. O do David, pode ser. Ah, olha temos poeta.


David

Caí, sim. Essa é a melhor definição!

Aterrei nesta casa, sem saber como…
Alguém fez as apresentações
E eu lá vim, à procura de uma refeição
           É tudo muito estranho, um virote
A maioria pavoneia-se
Estão aqui para ver, e serem vistos
Tal como os quartos, a mesa é enorme
E todos, elas e eles, se mostram
Estranho, ou talvez não
Eu, que não os conheço de lado algum,
Desfruto do repasto
À laia de ressaca, boa!
Da excelente noite que tive
Dos tetos madeirados que mirei
E dos ruídos dos bichos
Que por lá se alimentavam
Ralado para os “pozes” que caíam
Ilustrativos da decadência do sítio
Claro, não há casa antiga, ilustre e brasonada
Que não tenha uma farta colónia de caruncho
Respira-se história por aqui
As madeiras abundam
E os linhos dizem presente
Mas, para mim, recrutado meio alcoólico
E muito mais que esfomeado
Isto é o paraíso
Todos se apresentaram
Mas eu nada fixei
Nomes, apelidos e famílias
Que se lixem todos eles
Para mim é simples, convidaram-me!
Entendo, foi depois de uma noite bem bebida
Depois de muitas conversas
Em que eu devo ter dito enormidades
Daquelas que ninguém diz
Porque têm medo, presos pelas convenções
Mas vá-se lá saber porquê
Aqui estou eu, no meio de todos eles
Ressacado, a ouvir vozes
Sem conseguir nem tão pouco a tentar
Escutar as conversas
No topo da mesa, esbelta e linda
Ela, Helena, sorri
A única a quem fixei o nome
Não liga a ninguém
Parece mais só que eu
Repleta de mesuras e cumprimentos
Mas sem o brilho nos olhos
Aquele, o tal
Que nos dá vida e nos alimenta
Eu posso estar esquelético
De muitos dias passados sem comer
E nenhum sem beber
Mas foda-se, no meu olhar
Sempre que me vejo ao espelho
Reflete-se uma cara, rugosa
Envelhecida pelos excessos
Mas sempre com o olhar a brilhar
Sabe-se lá de onde ele vem
Talvez toda a energia que consumi
Para ele tivesse sido encaminhada
Pois, se os motivos há
Eles devem estar mortiços
Baços como o nevoeiro
Aquele que talvez um dia
De vez, anuncie D. Sebastião
Gargalha-se e as mesuras abundam
O primeiro repasto do dia é farto
E eu desfruto, reponho energias
Pelo meio vejo os olhares dela
Separa-nos a mesa, enorme e farta
Sinto, sei que ela me vê
Que estranha o meu silêncio
Contrastante com o que já foi
Afinal, com o motivo de estar presente
Mas os nossos olhos brincam
Quem é o gato, ou o rato
Ninguém se importa
Sabemos, depois de tanta pompa
Palavreado e circunstância
O silêncio será nosso
Só nosso!


Joaquim Henriques

7 comentários:

  1. Li e reli gostei
    Abraço


    Kique

    Hoje em Caminhos Percorridos - Já só existem duas vagas!!...

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  2. Uma boa maneira de continuar o conto, fintando a prosa com versos!
    Gostei!

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  3. Em qualquer grupo de bons portugueses, há sempre um poeta :) ou não fossemos nós o nobre povo deste jardim à beira mar plantado. Original forma de dar continuidade ao conto.

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  4. Que maneira original de continuar! gostei muito!

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  5. Surpreendente, de facto, esta entrada de poesia nos nossos contos.
    A originalidade também está na forma. Muito bem.

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