Maria
Ilustração para a capa da Revista Superinteressante, da Editora Abril. |
Dias passados do acidente em que Raimundo
partiu para uma outra vida, Maria, ao contrário do que lhe era habitual, andava
curiosa de saber do jovem lindo, inexperiente, doce. Seu último objecto de
sedução... Maria do Rosário ou muito simplesmente Maria, logo decidiu visitar o
jovem "padre", como Raimundo gostava de parecer, até por questão de
defesa relativamente às mulheres que tanto o intimidavam. Foi uma e outra vez à
Igreja onde sabia poder encontrá-lo e nem vislumbre de Raimundo. Repetiu a
visita na semana seguinte e a ausência do jovem era notória. Cada vez mais se
empolgava na sua procura, já num misto de ansiedade e suspeição...
Uma noite, após a sua actuação no
restaurante tradicional, indo ao encontro de Joaquim que sempre a esperava na
mesma mesa, ouviu alguém ao lado, perguntar ao doutor o que acontecera ao jovem
que dias antes fora atropelado à saída do Bar do outro lado da rua. Joaquim
ficara a saber que falava com o individuo que chamara o socorro e logo depois
desaparecera no meio da multidão de curiosos que ali se juntara e lembrando-se
do caso recente, informou-o que o jovem chegara ao hospital já sem vida. E
segundo constava afirmado por um enfermeiro que o conhecia desde os bancos de
escola, era alguém que estava hesitante entre a vida mundana e o recato do
sacerdócio... Maria quase saltou do colo de Joaquim em que se enlaçara. A sua
cara cheia de espanto ficou lívida, o que deixou Joaquim preocupado. Rapidamente,
Maria trémula, sussurrou-lhe que tal jovem fora o que ela havia seduzido dias
atrás, no chão da Igreja que invadira. Tendo reparado nele numa das ruas
paralelas ao seu local de trabalho, e achando-o homem interessante, começou a
segui-lo e logo engendrou um plano para o usar a seu bel-prazer, aproveitando-se
da ingenuidade e bonomia do jovem, para engrossar a lista já extensa de suas
conquistas demoníacas. Também para gáudio de Joaquim a quem, estes contos e
enredos de sedução e mistério, proporcionados pela sua companheira, o deixavam
em ponto de rebuçado para os encontros de alcova com ela. Diziam ambos que o
prazer lhes resultava em dobro. Excitação total Mas nunca nenhum outro - peça
de caça - poder-se-á assim entender, a havia tocado ao ponto de querer revê-lo.
Não sabia porquê, para quê, nem como seria recebida, mas arriscaria!
Oh... agora não, já não iria. Não
poderia inverter o sentido dos nefastos acontecimentos - Intuíra, de imediato,
que o triste caso estava ligado ao seu acto, de excentricidade malévola. Um sentimento
de desespero, de dor, a preencheu de imediato. Caiu desfalecida nos braços de
Joaquim. Maria do Rosário fora uma menina desafortunada pelo destino. Seus pais
ainda jovens pereceram num grave acidente de automóvel, que apanhou todos de
surpresa (como sempre acontece). Maria foi surpreendida numa fase ainda muito
precoce dos seus afectos. Filha única de pais algo abastados era muito mimada
em casa. Tê-los perdido foi como lhe "tirarem o tapete debaixo dos
pés". Acolheu-a uma irmã da mãe, que casada e sem possibilidade de gerar,
prontamente a acolheu e amou como sendo sua. Os mimos vieram em dose redobrada
e o ego de Maria ia aumentando com o seu crescimento: Os tios não lhe poupavam
elogios, que ela se habituou a aceitar e guardar como verdades absolutas. A sua
autoestima tornou-a muito vaidosa. E sendo a vaidade o caminho mais curto para
o paraíso da satisfação, procurou aplauso… foi crescendo, fez-se mulher de
poucas virtudes e muita arrogância e convencimentos. Achou-se no direito de
jogar com os sentimentos alheios e aos homens que para ela olhassem com alguma
insistência, ou não olhassem de todo, decidia de imediato que os haveria de ter
todos ali, a seus pés. Com jogos e submissões aparentes, agindo com todo o seu glamour; assumiu-se uma pessoa fria, sem
alma: destrutiva! Facto aproveitado pelo seu companheiro, a quem
verdadeiramente amava, que premiava os seus actos diabólicos com momentos de
enorme prazer, que ambos desfrutavam até ao êxtase. De certo modo, este
comportamento era apoiado e incentivado por Joaquim que estranhamente não
mostrava sentir ciúmes. Pelo contrário, promovia em Maria uma tendência, embora
veladamente, de melhorar cada ocasião de conquista fútil. A nossa mente é algo
misteriosa relativamente ao que nos respeita, mas muito em actos ligados ao
amor, já que este sentimento é o impulsor de nossas breves Vidas! Tanto nos
poderá tornar no delicioso par Romeu/Julieta como nos monstros que foram
Bonnie/Clyde...
Joaquim preocupava-se com o estado
psíquico de Maria, que não recuperava do choque causado pela notícia abrupta do
acidente mortal de Raimundo... como médico, dera-lhe alguma assistência, mas
logo depois recorreu a um colega do foro psiquiátrico para que a ajudasse.
Maria que vivia em casa de Joaquim, lá continuou, após pequena estadia no
Hospital local. Agora sob alguma vigilância de uma enfermeira da área de
psiquiatria, recomendada pelo colega de Joaquim: a jovem Lili, mulher doce e
profissional competente, zelava pela boa recuperação da enferma. Tratava-a do
corpo mas também lhe tentava amaciar a alma. Grande parte do dia, Maria
mostrava-se alternadamente ora apática ora agreste... para com Lili, para com o
psiquiatra mas sobretudo para com Joaquim, que silenciava lentamente o ardor da
paixão que sentira pela amada, talvez por saber-se em grande parte culpado e
por perceber em Maria o apagar lento da chama. Perdera todo o seu encanto,
evidenciando agora um desinteresse por muito do que a havia motivado. Antes
queria sim, encerrar a página deste seu percurso de vida atribulada. A pouca
credibilidade que formara relativamente à Igreja parecia agora transformar-se
aos poucos no seu suporte para tentar reaver a sua sanidade mental.
Um dia de sol bem luminoso Maria
regressa a sua casa. Há muito que não a habitava - Desde o início do seu
romance com Joaquim. Era necessário arejar salas, quartos, arrumar roupas e
ideias também, colorir o enorme jardim, agora com aspecto algo abandonado, e
que havia proporcionado alguma alegria à sua ainda curta Vida. Começava a
sentir-se em paz. Sozinha e possuída de uma calma inusitada, estava agora centrado
no seu principal objectivo. A sua casa, casa que fora dos seus pais e onde
chegara a viver com sua tia, pouco antes desta partir. Joaquim começara a ser
uma neblina no seu percurso. Perdera já o fulgor que por ele sentira anos
atrás, quando o conhecera na casa de fados. Era agora algo que tinha de ser
acomodado bem no fundo do seu coração para que a paz de espírito, que adquiria,
fosse mantida. O tempo passava e Maria percebia-se em transformação pessoal.
Perdia vaidade, porque esta não convivia bem com os actos de solidariedade a
que se entregara piamente. Quem sabe, talvez Raimundo procurasse, do lugar em
que agora se encontrava, trazê-la ao bom caminho, tornando-a mulher virtuosa...
Fernanda Simões
Continuo a acompanhar esta historia
ResponderEliminarGostei de ler
Bjs
Kique
Hoje em Caminhos Percorridos - Carinhosa e Meiguinha...
Mari teu lindo nome, serve para tudo hoje em dia.
ResponderEliminarAté uma criança com fome, come bolacha...Maria :)))
Voluptuosamente envolvente.
ResponderEliminarParabéns!
Estou a gostar e continuo a acompanhar, aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.
ResponderEliminarAndarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Suavizar el alma...A verces nos hace mucha falta.
ResponderEliminarUn abrazo.
olá, boa noite! passadinha para desejar uma noite de domingo maravilhosa seguida de uma semana abençoada! beijo enorme!
ResponderEliminarUm projeto que acompanho sempre do lado de cá. Força! Continuem!!!
ResponderEliminarA pedido da Fernanda Simões: "bem haja, por todos os comentários"!
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