Margarida - 1º Dtº
Ainda mal tinha acabado de chegar da
Alemanha, já a Direção me chamava de novo. Em parte, isso demonstrava a
importância que tinha dentro de toda a organização, graças a duro trabalho, mas
também ao meu caráter de investigadora e à extraordinária capacidade para
aprender inúmeras línguas.
Pensando bem, não me passou pela
cabeça que o caso fosse no meu país, se calhar aquele onde menos tempo passava.
E aqui estou eu num 1º andar que
nunca pensei habitar. Na verdade, raramente tenho residência fixa, devido ao
trabalho. Também por isso abdiquei da vida familiar. Não tenho família próxima,
pois já todos faleceram. Por sinal, às vezes indago-me como é que correndo os
riscos que corro, ainda por cá ando, enquanto quem seguiu vidas mais monótonas
acabou por bater as botas bem rápido.
Confesso que de início fiquei um
pouco aborrecida com o andar que me atribuíram. Gosto de alturas. Sinto-me mais
livre, embora sempre naquela dicotomia entre o medo e a vontade de lançar o
voo. Mas logicamente que percebi que era o ideal e eu não estava ali para
romancear, mas sim com fins definidos. Faz todo o sentido ocupar um andar mais
perto da rua no caso de qualquer fuga ou perseguição.
Sei que me acham vaidosa, as mulheres
não o escondem. Eu não uso o discurso sensual da Fernanda ou da Benevides. Até poderia,
mas não é o ideal. Prefiro soltar os meus cabelos ruivos e vestir jovialmente
em tons alegres que me fazem mais nova do que sou. Assim sendo, passo por eles
no Bar da Moreia, rodopiando os vestidos leves com um sorriso misterioso nos
meus lábios vermelhos. E oiço quando elas murmuram entre si "lá vai a
vaidosa".
Não me importo com a alcunha. Dá
jeito passar por tal, por despreocupada, meio cabeça oca, enquanto uso a inteligência
para me ir apercebendo de todos os pormenores.
Curioso é o facto de eu, quando não
estou a trabalhar, preferir ser um bocado solitária. Aí aproveito para meditar
e me agarrar a bons livros, ou danço ao longo do apartamento quase vazio.
Quase vazio é o termo certo. Sendo
temporário, tenho o essencial e como tudo foi pintado de branco, são os meus
puffs e banquetas indianos, os meus panos coloridos, que quebram a esterilidade
do espaço. Para isso a minha estadia na Índia foi profícua.
Entretanto o matraquear dos sapatos da Tina,
está a causar-me uma bela dor de cabeça, até porque hoje parece-me que há outro
tipo de passos mais sincopado e forte a acompanhar os habituais. Este prédio é
um enxame de curiosidades. Resta saber se são somente isso.
Os esquemas do 3113, ou uma parte deles, já eu
entendi e até agora parecem ser aquilo que se vê, mas não descarto algo mais. A
parte do Mercedes já é mais complicada. E a pensar nisso reparo que no bar da
praia, mesmo no canto da esplanada se juntou um grupo com alguns dos meus
vizinhos. Como não me apetece conversar, tenho de arranjar um modo de os ouvir.
Pego na grande cadeira de lona que aqui tenho
e resolvo ir até lá.
Quando chego coloco um enorme chapéu
na cabeça e monto a cadeira mesmo junto à esplanada. O David Raul repara em mim.
- Vizinha não quer vir para aqui? - respondo que não obrigada porque
estou a apanhar sol.
- Verdade mesmo? - diz a Tixa com aquele
sotaque bonito e açucarado.
- Obrigada, mas preciso mesmo desta vitamina
D. Tenho passado muito tempo em casa.
- Pois, já reparei- argumenta a Sónia. Será do
seu trabalho?
Sei que a Sónia é jornalista, pelo que me
limito a sorrir e a acenar a cabeça.
Desapontados, os meus vizinhos ficam
na dúvida entre falar de mim ou de outros. Finjo que ponho música e que ligo os
auscultadores. Na verdade, ligo antes um amplificador e tento perceber o que
dizem. Infelizmente anda muito à volta da Benevides, do Euclides e da Fernanda,
dos ex-maridos (muitos dos habitantes do prédio são divorciados) e nada de
muito especial até que a Sónia diz algo que a deixa embaraçada e corada.
Apercebo-me que ela diz que viu o Mercedes e apontou a matrícula. E zás,
apalermada com o olhar que o Pedro lhe deitou, vomita-o rapidamente, apercebendo-se
ao mesmo tempo da fuga de informação.
Respiro fundo e vou um pouco junto ao mar.
Confirma-se o que pensava: aquela matrícula não era a mesma que eu tinha
apontado. Portanto ou havia mais do que um carro, ou as matrículas eram falsas.
Volto à cadeira e vejo que todos se foram
embora, como se tivesse passado ali um vendaval. Melhor voltar para casa e pôr em dia todas as
ideias e ao mesmo tempo verificar se da sede há alguma mensagem. Começa a ser
hora de dar mais passos no assunto. Ao entrar no prédio choco com uma
lambisgoia que conheço dos ecrãs de televisão. Pedimos ambas desculpa, mas
reparo que vai completamente furiosa, olhos a chispar e vontade de matar
alguém. Bem, se calhar até exagero, mas a expressão era essa.
Queria convidar alguns vizinhos
porque os conheço mal, para uma espécie de serão literário, mas o problema é
que não me apetece juntar o pessoal todo e assistir aos espetáculos de sedução
entre alguns. De modo que vou tentar sondar alguns porque me faltam muitas
peças do puzzle. Vou começar pelo vizinho que não se dá muito a conhecer,
embora me pareça boa pessoa. Mas isso é muito curto para traçar um perfil.
Subo ao 7º Esq e toco à campainha do João.
Oiço passos em casa, mais ou menos apressados e depois mais nada. Fico sem saber
se devo desistir ou tocar de novo. Arrisco e toco. Lá dentro ouve-se um
restolhar e uns silvos estranhos, mas nem uma palavra. Perplexa com o assunto
vou-me embora e desço a escada para não entrar naquele elevador, que quando nos
encerra nele mais parece que nos vai despejar num bordel do sec. XIX.
Ainda não passaram cinco minutos
quando me tocam à porta. Abro e deparo-me com o João com um ar absolutamente
relaxado, tão contrário ao que se tinha passado.
- Margarida, não é? Posso tratá-la
por Guida?
- Mas porquê? Margarida é muito comprido?
- assim que digo isto arrependo-me imediatamente porque fui brusca e mal
educada.
- Peço desculpa, não quis ofendê-la.
- Olhe eu é que peço, mas sabe viajo muito e
em muitas partes do mundo abreviam ou tratam-me por outro nome, pelo que às
vezes já não me lembro que sou Margarida. Mas pode tratar por Guida com certeza
e desculpe a minha parvoíce.
- Foi tocar-me à porta... GUIDA? - e acentuou
fortemente o nome.
- Na verdade fui, mas não me abriu a porta.
- Pois.... hã... nãoooo.
De seguida a esta fala arrastada que
em nada me parecia o vizinho que esporadicamente via, o João desapareceu para
as entranhas do elevador não sem antes deixar um:
- Eu volto... G-U-I-D-A!
Fecho a porta perplexa com a situação, logo eu
a quem já pouco espanta. Nisto um toque e uma mensagem surgem no meu telemóvel
" URGENTE, inspetora ligue o seu computador"
Procedo a todos os passos necessários
para desencriptar a mensagem e o respetivo anexo e o que vejo muda por completo
toda a situação. A operação está em pleno desenvolvimento e a Interpol pede-nos
para avançarmos rapidamente, antes que algo muito grave aconteça.
Chegou a hora e ainda não desvendei todos os
factos.
Margarida Piloto Garcia
Sabia que tínhamos mais a desvendar nesta história. Nada como ter uma investigadora por perto. Excelente, G-u-i-d-a!!!
ResponderEliminarAs Margarida são um perigo.
ResponderEliminarEntão quando são morenas e têm olhos verdes...
Isso já não sei. Já o do conto é ruiva e a que escreveu é loura. 😎🙂
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