30/03/18

Voar Sem Asas - Capítulo VII

Foto © Fátima Ferreira 

Thays quebrou o silêncio emocionado que se tinha instalado para dizer a Iosef que descansasse e se recompusesse da pancada desferida por Laíssa, que mais tarde falariam. Isto enquanto, ajudada por Laíssa, o desatava e o ajudava a pôr-se de pé.
Encaminharam-se para a casa de Laíssa, onde Iossef se deitou e quase de imediato adormeceu de cansaço e emoção pelo que tinha passado.
Thays fez sinal a Laíssa para saírem.
- Laíssa, confias em Iosef? Que pensas de tudo isto?
- Minha querida Thays, se Iosef me quisesse mal já o poderia ter feito há muito tempo, mas guardou o meu segredo e calando-se ajudou meu pai a proteger-me. Tenho a certeza que podemos confiar nele.
- Sendo assim, amanhã vais ajudá-lo a escolher uma das casas para que se possa tratar da mudança o quanto antes. Agora vou preparar algo para jantar e tu vigia Iosef. Assegura-te que ele não ficou com sequelas da pancada.
Com estas palavras, Thays dirigiu-se com Míryo para casa e Laíssa apressou-se a voltar para a sua. Foi direita ao quarto e quedou-se a observar Iosef, que dormia placidamente. Era moreno, com a barba de alguns dias, algumas rugas. Todo o seu semblante transmitia confiança e tranquilidade.
Laíssa sentiu que o seu coração se enchia de ternura por aquele gigante e que o seu corpo se sentia irresistivelmente atraído por ele. Uma sensação estranha subia-lhe pelo corpo, uma espécie de arrepios de calor e frio, e teve pensamentos que a fizeram corar. Respirou fundo para se recompor e tocou-lhe na testa para ver se tinha febre, estava fria, não resistiu e fez-lhe um carinho na face. Ele mexeu-se no sono e Laíssa saiu imediatamente do quarto com receio que ele acordasse e a visse tão vermelha.
Laíssa decidiu ocupar o resto da tarde a fazer os exercícios da arte marcial de defesa em que o pai a tinha iniciado desde pequena. Era algo que adorava fazer, fazia-a sentir-se focada, concentrada e, acima de tudo, que seria capaz de se defender em caso de ataque. Aliás, hoje tinha tido a prova disso com Iosef, que tinha quase o dobro do seu tamanho e que ela tinha conseguido dominar.
Ao por do sol, Thays veio chama-la para o jantar. As duas acordaram Iosef, que estava completamente recomposto e esfomeado, e os três degustaram uma refeição simples de peixe grelhado com ervas aromáticas, pão chato e legumes cozidos.
Thays informou Iosef de que ele e a sua filha seriam muito bem-vindos ali. E quanto mais rápido melhor, era necessário colocar Thyara a salvo num meio onde se pudesse desenvolver livremente. Laíssa também lhe assegurou que era bem-vindo e que a chegada de dois novos habitantes seria uma lufada de ar fresco para elas. Descreveram-lhe o local em pormenor, ficando a promessa de que no dia seguinte Laíssa o acompanharia numa visita guiada.
Com esta ideia no pensamento, Iosef retirou-se para a casa de Laissa, tendo esta ficado a dormir em casa de Thays.
Cada um se deitou com pensamentos muito diferentes na cabeça. Laíssa com um sentimento de felicidade, Iosef com um enorme alívio por saber que Thyara estaria segura ali e Thays com receio do que a presença daquele estranho faria no equilíbrio da diminuta comunidade.
Laíssa acordou na manhã seguinte e imediatamente se dirigiu à sua casa, onde encontrou Iosef já acordado e de volta do seu jardim. Que homem magnifico! Pensou…
- Bom dia Iosef, dormiste bem? Vamos ver a tua futura casa?
Iosef, com um sorriso no rosto, imediatamente largou tudo, enfiou a camisola e saudou Laíssa com alegria.
Começaram a caminhar lado a lado e Laíssa disse:
- Iosef, sempre estive convencida que me tinhas visto naquele dia, e foi por essa razão que meu pai me trouxe para aqui.
Iosef anuiu.
– Sim, e já te tinha visto noutras alturas. Sempre tive um sentimento protetor em relação a ti, Laíssa. Fui pai muito cedo e a mãe de Thyara morreu durante parto… a minha doce e frágil Myella. Foram horas negras para mim, mas por amor à minha filha fui forte e mantive-me são.
- Onde conheceste a tua mulher Iosef? Sempre acreditei que era a única e tenho vindo a descobrir que existem mais.
- Laíssa, talvez Sabras tenha preferido manter-te na ignorância para teu bem, e não me cabe a mim contar-te.
- Iosef, por favor, diz-me!
Iosef quedou-se pensativo durante alguns momentos e depois concordou.
- Contar-te-ei tudo o que sei, depois de ver a minha futura casa. Pode ser, minha doce Laíssa?
Laíssa ao ouvir as palavras de Iossef sentiu um arrepio de antecipação percorrer-lhe o corpo. Primeiro por ir saber mais sobre o mistério que a atormentava e em segundo lugar por ele a ter tratado por “doce Laíssa”.
Guiou-o à casa abandonada. Esta estava um pouco decrépita, mas com um pouco de trabalho Iosef estava certo de que ficaria em boas condições. Era a casa com maior número de quartos, uma casa de família. Iosef estava feliz e já se imaginava ali com a filha e quem sabe… com mais alguém ao seu lado.
- Laíssa, aquilo que te vou contar é algo chocante, mas talvez seja altura de o saberes: existem mais mulheres, sim! São conservadas em cativeiro pelas elites para seu uso e conveniência. São haréns fechados e muito vigiados. Eu nasci num desses locais, filho de um ancião e de Grya, a sua mulher principal. Cedo reneguei aquela existência, ninguém deve ser escravo de ninguém. Myella também era filha de um ancião. Moeda de troca que eu consegui salvar a tempo de evitar um casamento forçado e a quem muito amei.
Fugimos para Malpertuis e fomos felizes algum tempo, até que o universo entendeu levar Myella e deixar-me só com Thyara. Durante muito tempo vivi só dedicado à minha filha e sem grande esperança no futuro, mas, agora aqui, vejo renascer a esperança e quem sabe o amor, minha doce Laíssa…


                                                                                                          Joaquim Henriques 

21 comentários:


  1. a curiosidade trouxe-me aqui, atrás dos contos de fadas!!!
    conto com mais um amigo :)
    deixo votos de Páscoa feliz !
    bom fim de semana
    Angela

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    1. Na verdade conta com mais vários amigos, neste blog somos alguns :)
      Seja bem vinda! Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.

      Boa Páscoa!
      Saudações literárias

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  2. Continuo a acompanhar com interesse este "Voar sem asas" de que estou a gostar.
    Uma Santa e Boa Páscoa.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  3. Bom texto! E interessante a maneira de compor com mais que um escritor seguindo a mesma trilha. Voar com asas é fácil, mas voar sem asas, somente prodígios!... Parabéns! E boa Páscoa! Abraços. Laerte.

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  4. Hum... parece que o Iosef já andava de olho na Laíssa, será que ela vai corresponder? Ou terá outros planos para a sua vida?
    Capítulo que deixa vários caminhos em aberto para o próximo escritor.
    Parabéns, Joaquim!

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  5. Vim no voo , e fez -me voar enquanto lia o seu conto . Gostei mesmo muito !
    Feliz Páscoa !

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    1. Obrigado, Manuela!
      Seja bem vinda! Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.

      Boa Páscoa!
      Saudações literárias

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  6. Votos de uma Santa e feliz Páscoa!

    Com o meu abraço.

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  7. Olá!
    São tantas situações existentes no mundo espalhadas que mal sabemos de algumas...
    Aqui, o conto nos mostra umas, mas, na certa, o que isntiga à leitura, além de ser muito bem escrita, é que tem um clima de suspense no ar que todos gostamos muito no que se refere a contos ou romances de um modo em geral.
    Vamos aos próximos! O escritor saberá dar um desfecho favoável, na certa.
    Seja muito feliz e abençoado nesta Páscoa junto aos seus amados!
    Abraços fraternos de paz e bem

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  8. Atendendo o convite, cá estou, bem interessante e instigante o conto, deve ser bem prazeroso escrever um conto coletivo, onde cada um tem uma ideia . Parabéns pelo voo.
    Abraço e Feliz Páscoa!

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  9. Voar, sem asas, em sonho,
    É prazer que satisfaz.
    Por muitas vezes disponho
    Desse gozo que me apraz.

    O teu Conto promete.
    Santa e Feliz Páscoa

    Beijo
    SOL

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  10. Aceitei o convite e gostei do que aqui encontrei! Aproveito pra desejar linda Páscoa! bjs, chica

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  11. Narrativa muito interessante. Vim e li com muito prazer.

    Aguardo a continuação.

    Bj

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  12. Agradeço a visita e comentário no meu blog. Gostei do texto; admiro a maneira de como escrevem. Soa muito bem. Feliz Páscoa.
    Abraço, Jorge

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  13. Boa tarde a todos.
    Obrigado a todos pelas simpáticas palavras, mas o mérito é de quem me antecedeu, e certamente de quem vai continuar a história. É um prazer fazer parte deste grupo.
    Abraço.
    Joaquim

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  14. Gostei muito da narrativa, mas fico triste, porque sei, que infelizmente existem casos desses. Continue que tem alma para a escrita. Um abraço com carinho

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  15. Vencerá o amor (a paixão?) as preocupações sociais? Sabê-lo-emos em breve pela pena de quem a seguir vier. Parabéns, Joaquim

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  16. Cada vez mais intrigante, o conto.
    Abraço

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  17. Continuo a achar fascinante esta continuidade, com uma narrativa apelativa e brilhante, ainda que necessariamente diferente em cada autor.
    Continuação de boa semana, caros amigos.
    Um abraço.

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  18. Olá, Joaquim Henriques

    Imprimiu uma boa dinâmica ao conto.

    Agora:
    O que lhes reservará o futuro? Iosef e Laíssa juntos?
    Aguardemos...

    Abraço

    Olinda

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