Foto © Zé Medeiros |
Movia-se com a leveza da brisa que
soprava morna, fazendo-se ocultar pelas giestas, loureiros e moitas de alecrim que
se estendiam até junto das casas e, à medida que Iosef avançava, procurava
ir-se aproximando dele, sempre com o cuidado de evitar que a montada desse de
novo pela sua presença.
De repente, ao avistar Thays, que se
encaminhava para o pequeno telheiro onde arrecadavam a lenha, Iosef desviou-se
lesto, puxando a montada pela rédea com um gesto enérgico, ocultando-se por
detrás da ruína de um dos muros de pedra que limitavam a área de cultivo.
Laissa entrou em novo sobressalto, ao
vê-lo atar o cavalo a uma velha cepa de carvalho e seguir sorrateiramente por
uma estreita vereda, de modo a conseguir aproximar-se sem ser visto. Ressurgiu-lhe
a inquietação sobre as reais intenções do robusto jardineiro. Desviou-se por
entre os feijoeiros que ficavam no extremo da horta e a abrigavam dos ventos de
leste, desceu os toscos degraus que levavam ao tanque e foi já junto da casa em
ruína que se assestou na ombreira de onde houvera uma porta e se deteve espreitando,
para ver Iosef agachar-se e ficar a observar os movimentos de Thays.
Pensou que, se por ali houvesse más
intenções, teria de criar uma estratégia imediata para conseguir evitar
qualquer desgraça… pensou que o tronco e os conhecimentos que ela e a amiga
tinham de Sambo, a antiga arte de defesa pessoal em que os pais de ambas eram
mestres e parceiros e que tão bem lhes tinham transmitido para situações como a
que se adivinhava, podiam ser uma mais valia… pensou que se estivesse a
subestimar a robustez e destreza do adversário… Não teve tempo para mais
pensar, porque ao ver Thays regressar a casa com uma braçada de achas, Iosef
encetou uma surda corrida rasteira na direcção da amiga, de todo alheia ao
perigo iminente. Mas teve tempo para, com a leveza e agilidade felina que a sua
figura esguia e esbelta fazia adivinhar, se lançar, qual pantera em momento de
caça, alcançando rapidamente o agora adversário que, ao sentir-lhe a presença,
apenas conseguiu esboçar uma pequena torção de tronco, para logo cair abatido
por violento golpe do outro tronco, o que lhe acertou em pleno, enquanto Laissa
gritava - AJUDA AQUI, THAYS!
Atordoado e à beira de perder
consciência, Iosef tentou erguer-se e levantou o braço esquerdo em jeito de
desorientado pedido de trégua, para de pronto o ver agarrado e dobrado para
trás das costas pela atacante, levando-o a tombar para o lado, enquanto Thays
já o alcançava e lhes rodeava o pescoço com uma braçada firme, dominando-o por
completo. O aperto intenso e controlado que se seguiu, foi de todo eficaz para
conseguir o resultado pretendido… o de o deixar inconsciente por alguns
momentos… os suficientes para Laissa correr ao curral e voltar com um arreio com
que em segundos atou firmemente os pulsos do inebriado atacante, dando volta
adicional por sobre o ombro, rodeando o pescoço e voltando ao início, para
depois de nova laçada, descer até atar também os pés, de jeito a que não lhe
restasse qualquer possibilidade de reacção. Desapossado da bainha com o temível
punhal e agarrado pelos pés, lá deslizou, puxado pelas destras amigas, até
debaixo do alpendre que cobria parte do pátio em frente da casa. Com um
movimento conjugado, foi erguido num repente para cima do longo banco de
madeira que tão bons momentos de repouso e conversa costumava propiciar em
alturas de convívio.
Recuperando da surpresa, Thays foi
perguntando como se tinha a amiga apercebido do intruso e como tinha ele chegado
até ali.
Falou-lhe que viera a cavalo e que,
agora se lembrando, era preciso ir buscá-lo onde ele o tinha amarrado; que se
tinha apoquentado ao ver que ele tentava alcançar Thays furtivamente e que isso
a tinha feito pensar que deveria ter má intenção; que era preciso decidir
rapidamente o que iam fazer com ele; se seria melhor que uma delas tratasse de
conseguir ajuda; que poderiam fazer para…
- Laissa?! És mesmo tu, não és? A filha
de Sabras? - Ouviram espantadas, voltando-se para ver Iosef a tentar sentar-se
sem grande sucesso, por causa da rédea que o manietava.
- Oh!!! Tu conheces?! Tu conhece-lo? – Disparou
Thays.
- Sim, claro que conheço… era jardineiro
de meu pai em Malpertuis. E foi por me parecer que sabia da minha existência
que decidimos sair de lá. Por parecer que me via através da janela. Afinal
parece que via mesmo… Como é que conseguias ver-me, com aqueles vidros? Que
fazes aqui, Iosef? Como soubeste deste lugar? Que ias fazer a Thays?
- Calma, calma! Ajuda-me a sentar que eu
explico. Não têm nada a recear de mim, juro. Antes pelo contrário. Por favor…
O choro de Míryo, despertado pela
algazarra gerada pela situação, levou Thays a correr ao quarto para o trazer, traçado
sobre a anca esquerda, para junto deles.
O jardineiro abriu um largo sorriso de
encanto ao ver o filhotinho da amiga de Laissa, perguntando se estaria mais
gente em casa.
- Tu… tu é que tens de explicar bem o
que fazes aqui. Estamos à espera, vá! - Disse ela, enquanto a amiga acabava de
sossegar o filho tirando uma das sementes de pinha que trazia no bolso da blusa
e lançando-a a espiralar, do alto do braço estendido até ao chão.
- Tens razão, sim. Vou tentar ser breve,
para que se deixem ambas de receios. Bem… fiquei a saber da tua existência
porque numa dada tarde escutei uma conversa entre o teu pai e Laygar, falando despreocupadamente,
sem imaginarem que eu ainda estava agachado por trás da sede do tanque, a
cuidar do corta-relva. E fiz tudo para que não dessem por mim até se afastarem,
porque era assunto que muito me interessava.
Depois, mais curioso e atento, em dado
dia, ao baixar-me para transplantar umas prímulas para a floreira que fica por
baixo da janela, acabei por descobrir que havia uma pequena falha no isolamento
do vidro, por onde, para lá de confirmar a tua existência, de quando em vez, ficava
a admirar-te… até àquele dia em que deste por isso.
Ora bem… tudo isto porque também eu
tenho uma criança, uma menina que é a verdadeira alma da minha vida, a Thyara,
que já vai nos seus dez anitos e vive numa desesperante clausura que vocês bem
devem conhecer. Tenho conseguido protegê-la, mas como herdou de mim a
curiosidade e é muito aventureira, não me dá nem um momento que seja de
tranquilidade sempre que tenho de deixá-la ao cuidado do meu pai, com quem vivo.
Então, quando cheguei a Malpertuis e
percebi que tinham partido, não descansei até encontrar teu pai. No dia em que
finalmente consegui, contei-lhe a minha situação, levei-o junto de Thyara e
deixei-o tão comovido quanto preocupado. Tanto que logo pediu ajuda a Naldan.
Foram então eles que, em concordância, me deram todas as indicações para vir
ter convosco, rodeado das maiores cautelas para não ser seguido e propor-vos
mudar para cá com filha e pai, onde poderia recuperar a casa abandonada para
mim e para os meus, assumir os cuidados da terra e ser o guardião do lugar.
Enfim, como não conhecia Thays
pessoalmente, estava a aproximar-me para ver se te via, Laissa, para me
assegurar que estava no sítio certo, quando afinal foste tu a encontrar-me… e
de que maneira… nossa!!!
Laissa e Thays, trocando olhares
comovidos, ficaram mudas durante alguns instantes.
Zé Medeiros
Gostei de conhecer o blog e já me encontro nos seguidores, esperando merecer a mesma retribuição para que as visitas se efetivem com maior facilidade.
ResponderEliminarAbraço
Olhar d'Ouro - bLoG
Olhar d'Ouro - fAcEbOOk
Com certeza que mereceu essa retribuição. Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
EliminarSaudações literárias!
Bem-vindos ao meu mar
ResponderEliminarAbraço
Retribuímos as boas vindas e esperamos que a nossa escrita agrade :)
EliminarSaudações literárias!
Dizem que Deus dá asa, só
ResponderEliminarA quem não sabe voar.
É um ditado popular
Que escuto e fico com dó
Em ser sem asas, um pó
Que ao pó se vai retornar
Voando sem asas ao ar
Conforme afunda uma mó.
Mas seja com asa ou sem
Vamos voar ao além
Com o tempo inexorável.
E sentir pena de quem
Se todos irão também
Dessa vida miserável?
Belo espaço! Parabéns! Abraço. Laerte.
Que honra, merecer uma critica em forma de poesia :)
EliminarObrigado pela visita. Esperamos que a nossa escrita continue a agradar.
Saudações literárias!
Acabo de fazer um belo momento de leitura!bj
ResponderEliminarFicamos muito contentes.
EliminarEsperamos continuar a proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
Saudações literárias!
Mais uma valiosa pedra para a construção deste castelo. Parabéns, Zé Medeiros
ResponderEliminarJoão, obrigado pelo comentário ;)
EliminarSaudações literárias!
Cada vez mais interessante.
ResponderEliminarFicamos felizes com o interesse.
EliminarEsperamos continuar a agradar.
Saudações literárias!
Gostei de ler.
ResponderEliminarFicamos muito contentes! Esperamos que continue a gostar.
EliminarSaudações literárias!
Mais alguns pormenores acrescentados à história e o interesse a continuar.
ResponderEliminarParabéns, Zé Medeiros!
Obrigado pelo comentário.
EliminarSaudações literárias!
História muito bem contada e a fazer fio de continuidade.
ResponderEliminarParabéns.
Beijo
SOL
Obrigado pelos parabéns. Esperamos continuar a proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
EliminarSaudações literárias!
Gostei bastante do que li e continuo a acompanhar.
ResponderEliminarUm abraço e Boa Páscoa.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Ficamos felizes por agradar e esperamos assim continuar.
EliminarSaudações literárias!
grato por dar a conhecer este espaço
ResponderEliminarabraço
Nós é que ficamos gratos pela visita.
EliminarEsperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
Saudações literárias!
Visitando, lendo, gostando e elogiando este bonito blogue. Voltarei.
ResponderEliminar.
* Mulher de Pedra, dormindo entre a Verdura. (Poetizando e Encantando). *
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Deixo um abraço
Muitro grato a todos os comentadores
ResponderEliminarPonto a ponto se vai construindo um conto que nos prende e nos agarra.
ResponderEliminarBoa semana
ResponderEliminarSerá mesmo verdade o que Iosef contou, Zé Medeiros?
Laissa e Thays acreditaram logo e ficaram emocionadas.
Mas eu não sei não, sou mais desconfiada que elas...
Estou a gostar muito do Conto e cada autor imprime-lhe
o seu cunho. Fico a aguardar a continuação.
Abraço
Olinda
Comovidas ficaram. Acreditar... não sei bem se já tiveram tempo para acreditar. Nem sei se o que Iosef contou é mesmo verdade.Ainda há muito conto para contar, Olinda.
EliminarAbraço
Zé Medeiros
Conhecer este espaço foi um prazer muito agradável para descobrir
ResponderEliminarabraço
Obrigada pela apreciação. Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
EliminarSaudações literárias!
Votos de feliz Páscoa
Uma história bem contada e que continua com uma excelente narrativa.
ResponderEliminarParabéns.
Continuação de boa semana e uma Páscoa Feliz para todos.
Um abraço.
Vou continuar nos próximos apeadeiros
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