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Ainda
abraçado a Whisky, Júlio deu por si numa pequena clareira. Sentiu imediatamente
o calor e os cheiros intensos e desconhecidos ainda antes de se conseguir focar
no local onde “aterrara” desta vez. Olhando em volta só viu mato cerrado e umas
árvores com troncos largos, enormes, com os ramos no alto, estranhas e
invulgares, quase lhe pareceram alienígenas. Por momentos sentiu medo de que a
máquina além de o ter transportado no tempo o tivesse transportado para um
outro planeta. Mas, de repente, fez-se luz:
-
Júlio, estás em Africa! São embondeiros.
–
Whisky, meu amigo, estamos em África. - Quase gritou.
Firmando-se
melhor nas pernas pensou que talvez fosse melhor agir com cautela e manter-se
silencioso, não sabia em que época estava, mas fosse qual fosse, perigos não
deviam faltar.
-
Whisky vamos avançar com cuidado e caladinhos.
Homem
e cão começaram a andar, avançando a custo no mato, ao fim de algum tempo,
Júlio avistou o que lhe pareceu uma vereda, resolveu avançar e seguir aquele
caminho, mas sempre vigilante. O calor era abrasador e sufocante. Em que zona
de África estaria? Em que época? Talvez que explorando mais um pouco chegasse a
alguma conclusão.
A
Vereda era longa e começou a ver pegadas humanas, pelo menos ficou com a
certeza de que o lugar era habitado e que mais cedo ou mais tarde encontraria
uma aldeia ou vila. Caminhou silenciosamente durante o que lhe pareceu uma
hora. De repente ouviu um barulho muito familiar, mas que lhe pareceu
completamente deslocado naquele local, olhando para cima viu um caça e logo a
seguir outro, começou a ouvir estrondos. Um atrás do outro. Estavam a
bombardear algo, Júlio correu na direcção do som das explosões. Estas pararam e
Júlio começou a avistar fumo e quase de imediato avistou uma pequena aldeia.
Decidiu
desviar-se da vereda e esconder-se no mato e fez sinal a Whisky para se manter
calado e quieto. Viu as pequenas casas de barro e telhados de colmo, em que
algumas já ardiam e ouvia os gritos de aflição. Logo em seguida começou a ouvir
o barulho de helicópteros, vi-os chegar, cinco, todos com a Cruz de Cristo,
carregados de militares portugueses armados de G3 que saltavam dos helicópteros
e seguiam em formação de ataque para a aldeia, sabia agora que tinha caído em
plena guerra Colonial.
Viu
os soldados irem de palhota em palhota e retirarem homens, mulheres, crianças e
velhos para as reunirem no centro da aldeia. Ouviu o comandante português
perguntar pelos turras: “Ou dizem onde estão os turras ou morrem todos aqui
hoje! Um ancião, certamente o chefe da aldeia, disse:
-
Não há turras aqui patrão, só nós.
O
militar português insistiu:
-
Há turras aqui e ou dizem quem são ou morrem todos aqui!
Júlio,
apesar do calor, gelou. Abarcou aquele cenário: Mulheres choravam baixinho, as
crianças choravam alto com o medo, os homens sem acreditarem que os fossem
matar. Via os militares nervosos, com o dedo no gatilho da G3, os rostos
tensos, as bocas cerradas, a raiva surda na cara de alguns.
O
comandante falou mais uma vez, enquanto tirava a arma do coldre:
-
É a última vez que pergunto: onde estão os turras? Vou contar até 3. 1… 2… - fez
um silêncio por segundos que pareceram uma eternidade -… 3!
E
disparou matando o ancião e gritou para os seus homens:
-
Fogo à vontade. Matem todos!
Júlio
queria fechar os olhos, mas não conseguia, viu tudo. Viu as crianças a morrer
no colo das mães, viu as mães a caírem, ouviu os gritos de agonia e desespero,
viu até alguns adolescentes a fugir, uns a caírem parados por balas e um ou
dois que lhe pareceu que tinham conseguido fugir. Viu aquele massacre, seriam o
quê? Talvez 100 pessoas, talvez mais. Viu o sangue vermelho a manchar o chão
cor de pó. Ouviu os gemidos altos dos moribundos.
Viu,
ouviu e sentiu todo aquele massacre de pessoas inocentes, estava paralisado de
horror sem conseguir raciocinar.
Ouviu
as ordens do comandante, viu os corpos a serem amontoados, a serem regados com
gasolina, pegaram fogo a tudo, a pessoas e às palhotas.
Quando
o cheiro a carne queimada chegou a Júlio, ele não aguentou mais, sem largar
Whisky, pensou que queria sair dali e imediatamente se encontram os dois na
máquina. Ainda horrorizado com as imagens que vira, carregou no botão.
Fátima
Ferreira
Parabéns Fátima Ferreira, por abordar este perído negro da nossa história. Infelizmente existiram imensas situações assim. Acho que os próprios militares agiam coagidos pelo medo do que os esperava.
ResponderEliminarMuito obrigada Natália. É, na verdade, um período negro na nossa história. Como em todas as guerras foram cometidas atrocidades por ambos os lados. Infelizmente, ainda é um assunto sobre o qual muitas pessoas se sentem incomodadas em debater.
EliminarUma fase menos feliz da nossa história...
ResponderEliminarSem dúvida. Mas é importante não a esquecer. A História tende a repetir-se.
EliminarOi querida tudo lindo bjs
ResponderEliminarObrigada Lúcia
EliminarUm capítulo triste, mas bom de se ler como os outros! :)
ResponderEliminar--
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Obrigada Inês.
EliminarMinha querida Fátimamiga
ResponderEliminarEu vivi, infelizmente, a guerra colonial em Angola e já escrevi bastante sobre ela e até publiquei um livro intitulado Morte na Picada. Por isso compreendo bem o que escreves - e bem, ou melhor, e muito bem.
As situações dramáticas que todos os que por lá andaram foram inultrapassáveis e inolvidáveis. Basta que te diga que depois de uma emboscada me morreu um soldado nos braços esvaindo-se pois perdera uma perna com a explosão duma mina. Para um alferes miliciano que ainda por cima era da oposição - mas já tínhamos a Raquel e eu dois filhos - a dificuldade e o nojo ainda conseguiam ser maiores.
Por isso dou-te sinceramente os meus parabéns. Fizeste-me viver, de novo, agruras que tanto me custaram mas que felizmente não me deixaram traumas.
Qjs = queijinhos = beijinhos do teu novo amigo
Henrique, o Leãozão
AVISO
Já se encontra na Nossa Travessa o episódio n.º 12 da saga É DIFÍCIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE cujo título é Entre dois dias: um louco amor e um suicídio. Tenho de avisar que ele contem cenas eventualmente chocantes por serem eróticas que podem ferir pessoas púdicas ou mesmo falsas púdicas.
Obrigada pelas tuas palavras Henrique. Na minha opinião a melhor forma de homenagear quem morreu e sofreu traumas físicos e psicológicos naquela guerra, é relembrar o que aconteceu. Assim possámos aprender algo com a história. Beijinhos com amizade
ResponderEliminarTriste fato, muito desesperador.
ResponderEliminarDesejo uma excelente semana, e um mês de setembro cheio de coisas boas.
Um abraço!
Escrevinhados da Vida
Obrigada, igualmente para si.
EliminarMinha querida amiga,
ResponderEliminarParabéns pelo teu capítulo, tão forte e sofrido! Estas coisas não se podem esquecer... foi mesmo uma linda homenagem. Há fatos na história que preferiríamos apagar, mas - é bom que se diga - nunca da mente. Para que possamos construir um futuro mais humano.
Muitos Beijinhos, deseja-me sorte. Fizeste a tua parte com jeito a nos deixar lágrimas nos olhos.
Obrigada minha querida amiga pelas tuas generosas palavras. Boa inspiração para ti. Beijinhos
EliminarE tudo isto e muito mais aconteceu porque somos um povo de brandos costumes... Gostei muito da tua escrita que consegue transportar nos no tempo e no espaço. Beijinhos doces minha querida amiga...
ResponderEliminarObrigada. Não existem povos de brandos costumes. Todos nós, humanos, temos dentro de nós o potencial para a violência e para a barbárie. Uns mais do que outros. Bjs
EliminarQuem dera pudéssemos todos carregar no botão para escapar desses horrores.
ResponderEliminarSeria muito bom Pedro.
EliminarOi! Gostei muito do blog, obrigado por seu comentário! Já estou seguindo :)
ResponderEliminarO Planeta Alternativo
Isso ai,
ResponderEliminaro importante é sempre seguir
com a escrita.
Grata por dividir conosco
seus leitores.
Bjins
CatiahoAlc.
Quantas atrocidades se fazem nas guerras ....
ResponderEliminarParabéns pela forma intensa e sentida com que escreve.
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Um horror estas atrocidades da guerra colonial. Muito bem narrado, mas muito inquietante…
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.