Fotografia: Bartolomeu Frederico |
Estrela
Acabo de chegar a
Esposende, são 19 horas. Saí de Viana às 7, ainda o ar da manhã estava fresco, fazendo-me
sentir que poderia caminhar com maior facilidade durante os primeiros 15 km e
parar em seguida para descansar e almoçar. Assim foi, embora com o avançar do
dia a temperatura subisse um pouco.
Parei em Castelo
do Neiva.
Souberam-me
imensamente bem os 60 minutos que demorei sentada na relva, com os pés
mergulhados na água fresca do rio.
Durante este
descanso, múltiplos pensamentos atravessaram a minha mente. Um deles, que me
deu uma força imensa durante o tempo em que a minha vontade se dividia entre
aceitar ou declinar o desafio de Adriano, chegou-me por mensagem enviada pelo
meu filho Pedro. Depois de o ter informado acerca da carta e do seu conteúdo, respondeu-me:
“Mãe, quando deixamos de fazer aquilo que o destino coloca no nosso caminho,
perdemos tempo de vida. A vida é para ser vivida e não para ser lamentada”.
Aquela frase enterneceu-me e deu-me alento para pensar positivo relativamente
àquela proposta de encontro, que já tardava.
Depois, o meu
pensamento vagueou e foi parar num poema que o Adriano me enviou na primeira
carta que me escreveu, depois de nos conhecermos em Mafra. Rezava assim:
Vens de um lugar muito distante
Transportas paisagens no olhar
Cheiro a mar, no cabelo ondulante
Vens de um lugar perto do mar
A leveza breve do andar
A suavidade do gesto, o respirar
Fizeram-me por momentos sonhar
Que te via caminhar junto ao mar
Encantou-me a luz do sol, no teu sorriso
Quando me perguntaste onde ia dar
Aquele mar verde, brando e liso
E eu respondi,
que ao teu olhar
Encantou-me a delicadeza do teu rosto
Quando te sentaste ao meu lado
E, olhando nos meus olhos num momento
Acariciaste o meu rosto envergonhado
Dissemos coisas belas um ao outro
Segredaste-me desejos de viajar
Revelaste-me que és guiada por um astro
E que te reges pela força desse mar
E eu senti poder voar
Segurando a tua mão junto a mim
Senti-me ir contigo a esse lugar
Percorrendo o mar que não tem fim
A seguir ao almoço
retemperador, os 15 km seguintes que me trouxeram até ao final da minha
primeira etapa, revelaram-se um pouco mais duros; o calor, o peso da mochila e
a minha impreparação física, começaram a pesar. Agora, aqui chegada, sentada no
areal, recebo no rosto esta brisa marinha que me retempera a mente e o corpo.
Olho o mar imenso e o sol laranja-forte que começa a declinar no horizonte,
sinto o cansaço físico, as pernas e os pés macerados. Mas sinto-me imensamente
feliz e grata – posso dizer - por ter tomado a decisão de aceitar o desafio
maluco que o Adriano me propôs, naquela carta inesperada que há dias me
endereçou. Quando li a carta pela primeira vez, ri-me da ideia louca e até da
sua ousadia. Ri-me ainda ao lembrar-me que pouco tempo antes estava convicta
que ninguém “pegaria” uma mulher com 53 anos de idade e de como estava enganada
a esse respeito. Senti de novo a alma de criança, que possuía no dia em que
conheci o Adriano e a lembrança do seu riso e do seu olhar ficaram tão nítidos
e presentes, como naquele dia no Convento de Mafra. Sinto de novo o meu
pensamento viajar e recordo o poema do Adriano, na segunda carta que me enviou.
Não foram muitas essas cartas, mas cada uma delas revelava uma faceta da sua
personalidade, umas vezes romântica outras, sonhador. É verdade. Todos os
românticos são sonhadores e todos os sonhadores são românticos. O poema nesta
segunda carta dizia assim:
Ah, se eu conhecesse a magia
Para conquistar-te o coração
Se eu soubesse uma fantasia
Que te roubasse a razão…
Se eu possuísse guardada
A varinha de condão
Que ao tocar-te minha amada
Fizesse nascer-te a paixão...
Ah, se eu soubesse das estrelas
Retirar todo o seu brilho
Para preencher estas telas
Que pinto seguindo o teu trilho...
Aguarelas de sonhos encantados
Com tons fortes e plangentes
De beijos longos, alucinados
Em noites encantadas e quentes...
Ah, se eu descobrisse o feitiço
Que te conquistasse a alma...
E esse teu corpo mestiço
Ou então... me matasse este amor que não se acalma
Depois, reli
inúmeras vezes aquela carta e de cada uma delas, sentia que aquele desafio até
fazia, algum sentido e depois, muito sentido. Ao ler a carta pela primeira vez,
decidi imediatamente que não iria aceder a tal loucura. Mas depois de a reler a
minha atenção começou a fixar-se cada vez mais na frase e na reflexão que
Adriano referia como sendo a responsável pela ideia que me propunha: “…li, numa
revista, um artigo que me ficou cá a matutar na cabeça: o relato de alguém que,
numa altura de crise na sua vida, resolveu peregrinar até Santiago de
Compostela. O que mais me impressionou foi a mudança que a peregrinação operou
nessa pessoa.” Acho que foram também o sentido desta frase e a necessidade que
já há muito sentia de dar uma volta radical na minha vida, o “gatilho” que fez
acordar o meu espírito de aventureira e ditar a minha decisão definitiva de
aceitar tamanha aventura. Estes pensamentos levaram-me a recordar um pequeno
poema da autoria de um grande poeta português, largas vezes vencedor de prémios
nacionais e internacionais de poesia. Bartolomeu D’Asp:
Hoje, vou onde o vento me levar
Vou deixar que ele me pegue
E que me leve... leve... leve
Que me leve, muito leve, pelo ar
E se o vento me quiser perder
Numa qualquer curva de monte
Que me perca, se quiser
Ou então que me deixe junto à fonte
Essa fonte cristalina que é teu olhar
Onde vou cada dia refrescar
Os meus lábios, os sentidos
Onde vou cada dia
escutar os meus gemidos
E se tu te quiseres deixar levar
Peço ao vento para te juntar a mim
E leves, leves, pelo ar
Partiremos abraçados a sonhar
Rio-me, quase de
forma infantil, por pensar que o poeta poderá ter escrito estes versos,
pensando em nós. Nós, dois ínfimos grãos de areia, afastados num areal imenso e
que tentam reencontrar-se, vencer barreiras pessoais, encontrar caminhos novos,
na esperança de uma vida mais feliz, mas, sobretudo, curiosos de se verem, de
verem o que o tempo fez a cada um e de se reconciliarem com esse tempo e
consigo próprios. E de imediato salta-me à memória um outro poema da autoria do
mesmo poeta, o qual, sem falsa modéstia, acredito que terá sido escrito
expressamente para nós, inspirado em nós, na nossa história que começou na adolescência,
mas, que pelos anos fora não deixou de estar latente nos nossos corações. Num
rasgo maior de imaginação e fantasia, imagino-te a recitares este poema para
mim, no dia feliz em que voltarmos a encontrar-nos e que, ao me teres nos teus
braços, sinta finalmente a segurança e o desejo de viver intensamente ao teu
lado.
Soltam-se estrelas de teus cabelos
Quando tu passas por mim
E dos teus olhos tão belos
Soltam-se brilhos sem fim
Soltam-se aromas silvestres
Desses teus ombros sedosos
Adoçam-se os ventos agrestes
Que empinam teus seios airosos
Pousam teus olhos nos meus
Meigos, como o firmamento
Brilhantes como infinitos céus
Exaltadores de um momento
E tudo em ti é volúpia
Todo o teu ser é paixão
Minha mente rodopia
Cresce-me no ventre o tesão
Abraço teu corpo quente
Sem segurar a urgência
Fervilha na minha mente
Um desejo, uma demência
Ofereces-me, lânguida, audaz
Essa tua língua frutada
Entregas-te, quase mordaz
Sabendo-te tão desejada
Cúmplices de um desejo
De uma profunda vontade
Inebriados por um beijo
Conquistámos a verdade!
Bartolomeu
Frederico
Prosa e poesia em harmonia.
ResponderEliminarChapelada!
Boa semana