15/11/23

Caminhos e Encruzilhadas - Capítulo 8



Estrela

Confesso que depois de Aveiro, muito me passou pela cabeça. O que sentia não era bem cansaço, nem assomo de desistência, mas de repente deu-me para pensar demasiado naquilo que estava a fazer. Não sei se os belos doces tinham semeado em mim dúvidas ou uma certa lassidão. A lembrança da carta de Adriano ainda me fazia bater o coração e estimular os sentidos. Contudo, senti que tinha levado uma vida a pensar nos outros e pouco em mim, ao ponto de ter desistido de avançar e ser eu mesma. As palavras do meu “primo”, trouxeram-me a coragem para continuar.

Resolvi seguir mais para litoral. Precisava nitidamente de ver o mar, de sentir o cheiro da maresia e de alongar o olhar no horizonte e nas marés.

Saí bem cedo mal o sol tinha raiado, munida de muita água e alguma fruta. Depois dos doces de Aveiro, nada melhor que espevitar o organismo com as coisas mais básicas, mas cheias de vitaminas. Para além do mais, aquela pureza de sabores frescos, era mesmo o que o meu corpo precisava para mais umas horas de caminho.

A minha ideia era seguir até à praia de Mira, até ao extenso areal, onde se o tempo ajudasse, conseguiria pernoitar. As horas seriam ainda bastantes e por percursos variados, tentando um pouco fugir das estradas mais movimentadas. No entanto, perdi bastante tempo, porque cada pormenor da paisagem me levava, num encanto quase pueril, a parar inúmeras vezes para colher ou meramente observar, o arvoredo, ou cada pequena flor selvagem com que me deparava.

Em parte, estou a tentar fugir um pouco àquela que tenho sido durante muitos anos. A vida cosmopolita tinha certas vantagens, mas era um espartilho que usei demasiado tempo e me pôs à margem do que realmente gostava e amava: o campo, o mar, a natureza. Por muitas flores que tivesse cultivado na minha varanda, eram apenas uma amostra, que acalmavam o meu desejo por outros horizontes.

Todas as paragens um pouco inconscientes, resultaram no avançar rápido das horas. Tinha feito mesmo assim 5 horas de caminho, o que só conseguira graças à boa forma adquirida com muitos anos de natação, ginástica e dança, que tinham conseguido moldar-me o corpo e a mente.

Resolvi parar na Praia do Areão. O extenso areal era extremamente apelativo, pelo que decidi caminhar ao longo dele e nas zonas que me pareciam seguras, molhar os pés numa espécie de catarse que me pareceu tão necessária. A maresia e o marulhar das ondas traziam-me aquela paz de que necessitava não propriamente para pensar, mas para me fazer relembrar os tempos ingénuos em que conhecera Adriano. Ao lembrar-me disso o pensamento voava para longe para situações e memórias prenhes de uma melancolia de outros tempos e da ternura da infância.

Aos poucos as gaivotas acordaram-me do sonho e verificando o sol no horizonte, pus-me de novo ao caminho. Pensei que mais ou menos em 3 horas conseguiria chegar à praia de Mira, mas o vento frio que, entretanto, se fez sentir, fez-me desistir de dormir ao relento. A minha filha tinha-me dado uma morada a 200 metros da praia, onde poderia passar a noite. Fui seguindo a linha costeira e cheguei finalmente ao local pretendido. Todo o percurso tinha sido feito de magníficas paisagens, as quais sempre me retiravam tempo à caminhada, mas me davam também um tempo de descanso. Por vezes, sentava-me um pouco para beber água ou comer alguma da fruta que me restava.

Finalmente a encantadora praia, apareceu-me no horizonte. No entanto dirigi-me ao tal local que a filha me recomendara. A casa da Clotilde, sua amiga de longos anos, era extremamente aprazível. Grata pela amabilidade, tomei um banho quente e assisti a um luxuriante pôr do sol, na pequena varanda do quarto que Clotilde me tinha destinado. A amiga da minha filha era uma pessoa extremamente discreta, ou possivelmente achou-me cansada, pelo que não prolongámos a conversa, embora ela soubesse de toda a história.

Dormi como uma pedra, mas consegui acordar para ver um nascer do sol mágico a estimular-me para continuar o caminho.

Abastecida com alguns víveres e muita água, meti-me a caminho da Figueira da Foz. Seriam muitas horas de caminho, mas sentia-me recuperada e com um desejo intenso de lá chegar. O porquê, escondia-se na minha história de vida e seria impossível continuar ao encontro de Adriano, sem antes resolver dentro de mim certos assuntos.

Há muitos anos tinha sido ali muito feliz. Nessa altura o meu casamento passava por momentos agradáveis e apaixonados e precisava de saber o peso daquelas memórias.

Apesar de tudo o que passara, o saudosismo embora inútil, é ainda uma âncora a prender-me. Por enquanto releio a carta de Adriano e penso em como estará e se terá pensado, entretanto que tudo era uma loucura. Mas seguindo tudo o que tínhamos combinado, não deveríamos ainda contactar-nos, enquanto não chegássemos, se chegássemos, ao destino marcado.

Com tudo isto no pensamento, subi à Serra da Boa Viagem, para olhar lá do alto a Figueira.

Afinal precisava de tomar decisões e só desejava que elas não me atraiçoassem.

 

Margarida Piloto Garcia

 

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