Estrela
Confesso que depois de Aveiro, muito
me passou pela cabeça. O que sentia não era bem cansaço, nem assomo de
desistência, mas de repente deu-me para pensar demasiado naquilo que estava a
fazer. Não sei se os belos doces tinham semeado em mim dúvidas ou uma certa
lassidão. A lembrança da carta de Adriano ainda me fazia bater o coração e
estimular os sentidos. Contudo, senti que tinha levado uma vida a pensar nos
outros e pouco em mim, ao ponto de ter desistido de avançar e ser eu mesma. As
palavras do meu “primo”, trouxeram-me a coragem para continuar.
Resolvi seguir mais para litoral.
Precisava nitidamente de ver o mar, de sentir o cheiro da maresia e de alongar
o olhar no horizonte e nas marés.
Saí bem cedo mal o sol tinha raiado,
munida de muita água e alguma fruta. Depois dos doces de Aveiro, nada melhor
que espevitar o organismo com as coisas mais básicas, mas cheias de vitaminas.
Para além do mais, aquela pureza de sabores frescos, era mesmo o que o meu
corpo precisava para mais umas horas de caminho.
A minha ideia era seguir até à praia
de Mira, até ao extenso areal, onde se o tempo ajudasse, conseguiria pernoitar.
As horas seriam ainda bastantes e por percursos variados, tentando um pouco
fugir das estradas mais movimentadas. No entanto, perdi bastante tempo, porque
cada pormenor da paisagem me levava, num encanto quase pueril, a parar inúmeras
vezes para colher ou meramente observar, o arvoredo, ou cada pequena flor
selvagem com que me deparava.
Em parte, estou a tentar fugir um
pouco àquela que tenho sido durante muitos anos. A vida cosmopolita tinha
certas vantagens, mas era um espartilho que usei demasiado tempo e me pôs à
margem do que realmente gostava e amava: o campo, o mar, a natureza. Por muitas
flores que tivesse cultivado na minha varanda, eram apenas uma amostra, que
acalmavam o meu desejo por outros horizontes.
Todas as paragens um pouco
inconscientes, resultaram no avançar rápido das horas. Tinha feito mesmo assim
5 horas de caminho, o que só conseguira graças à boa forma adquirida com muitos
anos de natação, ginástica e dança, que tinham conseguido moldar-me o corpo e a
mente.
Resolvi parar na Praia do Areão. O
extenso areal era extremamente apelativo, pelo que decidi caminhar ao longo
dele e nas zonas que me pareciam seguras, molhar os pés numa espécie de catarse
que me pareceu tão necessária. A maresia e o marulhar das ondas traziam-me
aquela paz de que necessitava não propriamente para pensar, mas para me fazer
relembrar os tempos ingénuos em que conhecera Adriano. Ao lembrar-me disso o
pensamento voava para longe para situações e memórias prenhes de uma melancolia
de outros tempos e da ternura da infância.
Aos poucos as gaivotas acordaram-me
do sonho e verificando o sol no horizonte, pus-me de novo ao caminho. Pensei
que mais ou menos em 3 horas conseguiria chegar à praia de Mira, mas o vento
frio que, entretanto, se fez sentir, fez-me desistir de dormir ao relento. A
minha filha tinha-me dado uma morada a 200 metros da praia, onde poderia passar
a noite. Fui seguindo a linha costeira e cheguei finalmente ao local
pretendido. Todo o percurso tinha sido feito de magníficas paisagens, as quais
sempre me retiravam tempo à caminhada, mas me davam também um tempo de
descanso. Por vezes, sentava-me um pouco para beber água ou comer alguma da
fruta que me restava.
Finalmente a encantadora praia,
apareceu-me no horizonte. No entanto dirigi-me ao tal local que a filha me
recomendara. A casa da Clotilde, sua amiga de longos anos, era extremamente
aprazível. Grata pela amabilidade, tomei um banho quente e assisti a um
luxuriante pôr do sol, na pequena varanda do quarto que Clotilde me tinha
destinado. A amiga da minha filha era uma pessoa extremamente discreta, ou
possivelmente achou-me cansada, pelo que não prolongámos a conversa, embora ela
soubesse de toda a história.
Dormi como uma pedra, mas consegui
acordar para ver um nascer do sol mágico a estimular-me para continuar o
caminho.
Abastecida com alguns víveres e muita
água, meti-me a caminho da Figueira da Foz. Seriam muitas horas de caminho, mas
sentia-me recuperada e com um desejo intenso de lá chegar. O porquê,
escondia-se na minha história de vida e seria impossível continuar ao encontro
de Adriano, sem antes resolver dentro de mim certos assuntos.
Há muitos anos tinha sido ali muito
feliz. Nessa altura o meu casamento passava por momentos agradáveis e
apaixonados e precisava de saber o peso daquelas memórias.
Apesar de tudo o que passara, o
saudosismo embora inútil, é ainda uma âncora a prender-me. Por enquanto releio
a carta de Adriano e penso em como estará e se terá pensado, entretanto que
tudo era uma loucura. Mas seguindo tudo o que tínhamos combinado, não
deveríamos ainda contactar-nos, enquanto não chegássemos, se chegássemos, ao
destino marcado.
Com tudo isto no pensamento, subi à
Serra da Boa Viagem, para olhar lá do alto a Figueira.
Afinal precisava de tomar decisões e
só desejava que elas não me atraiçoassem.
Margarida Piloto Garcia
Andou a fazer os meus percursos de Verão na juventude??
ResponderEliminarSe calhar...🙂
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