Fotografia © Joaquim Henriques |
Sofia ficou gelada e quase sem reação, seguiu
os agentes. Eles falavam, ela ouvia ao longe palavras que não escutava e nem
lhe interessava saber o que diziam. Isto
não pode estar a acontecer. Porque
foi ele fazer uma coisa destas? Logo agora que eu já tinha arrumado a cabeça,
que a malvada mala já tinha destino e que nem queria saber de mais possíveis
novidades…, foi o pensamento que imediatamente lhe assolou o cérebro, após
a trágica notícia.
Sim, tinha consciência que era responsável
por grande parte do mal-estar existente entre eles. Primeiro tinha sido o facto
de não terem filhos, clinicamente comprovado por ser fruto de uma sua
incapacidade, e que apesar de ele nunca lhe ter cobrado por isso, era algo que
pesara sempre na relação. Nunca conseguira afastar aquela malvada sensação de
incompetência, de sentir-se menos mulher, perante um companheiro que sempre
assumira querer ter muitos…
Se sempre tivera curiosidade em saber a sua
história, de onde viera e desvendar a origem da tristeza do pai, ela só se
materializou a sério depois da última confirmação, a derradeira, depois da
bateria de testes, ao longo de vários meses, anos até, a que se submeteu para
despistar a incredibilidade de não poder conceber.
Agora naquelas frações de segundo em que
ainda não entrara no carro da polícia, em que uma mão a ajudava a entrar,
fazia-se luz e sentia-se suja por tudo o que fizera o marido passar. A memória
gritava-lhe todas as discussões que tiveram, tudo o que lhe chamara e acusara,
mesmo depois da confirmação inabalável que as análises provavam.
Também ela queria muito ter filhos, dar-lhes
o que não tivera, uma mãe sempre presente! E, durante muito tempo, conforme a
gravidez não chegava, acusou o marido disso mesmo, de não engravidar. Ele, reconhecia
agora, sempre a acarinhou e apesar de ter o direito de se sentir injustiçado,
nunca lhe devolveu as acusações, nem uma vez!
As lágrimas corriam-lhe soltas pelas
faces. A seu lado, uma mulher polícia segurava-lhe a mão e balbuciava palavras
de conforto, também elas não escutadas. Neste momento a dor era repartida pela
antecipação do que iria ver ou confirmar, e pela tomada de consciência da sua
culpa, do egoísmo que a tinham norteado nos últimos anos. Era agora claro que
as entradas fora de horas de que ela sempre o acusara eram, em grande medida,
culpa sua. Fora ela que não criara motivos para que ele se sentisse bem e
tivesse vontade de regressar ao lar.
Tomava consciência que, de facto, nunca
tivera nada de substancial para o acusar. Todos, amigos e conhecidos, atestavam
a sua idoneidade, lealdade e fidelidade, e até se recordava de ter perdido a
amizade da Maria quando esta lhe chamou a atenção para a sua atuação, a
injustiça que o estava a fazer passar.
Sim, ele lutara por ela até ao fim. Tantas
vezes em silêncio, outras em gritos desesperados, mas sempre sem baixar os
braços ou desistir. Contra todos, e principalmente contra aquela mala, a
malvada história que sempre se insinuara na sua vida, e entre eles.
Sentiu o carro afrouxar, e pela primeira vez
naquela curta viagem, viu o mar que se habituara a mirar, sempre na esperança
que ele lhe devolvesse a mãe desaparecida. Tantas vezes se sentara na areia,
vendo e sentindo as ondas molhar-lhe os pés e esperando ver sair da água o
sorriso que recordava dela. Era uma sensação quase física e não foram poucas as
vezes em que se abraçou a si própria, num abraço forte e pungente, onde a mãe
lhe gritava a rir, para não a partir… Era ele, o mar, que mais uma vez lhe tirava
um ente querido!
O carro parou finalmente e mais palavras
foram ditas enquanto a ajudavam, agora a sair. Estava renitente, as pernas
tremiam-lhe recusando-se a andar, mas tinha de ser.
- Coragem! – Diziam-lhe.
As pessoas, os eternos mirones, abriam alas e
ao longe, a enfermaria da praia tomava dimensão.
Joaquim Henriques
Um capítulo escorreito, de introspecção e suspense.
ResponderEliminarO que nos reservará a “beira da praia”?
Vê-se já ao longe um final. Embora não saibamos qual.
Parabéns Joaquim Henriques.
Mais uns "pózinhos" que nos ajudam a entender Sofia e um final que já se vislumbra naquela praia. Que verdade nos reservará esse final?
ResponderEliminarParabéns, Joaquim! Gostei.