Madalena precisou de espairecer um pouco, continuava a
sentir uma lama interior que lhe toldava as entranhas. Lembrou-se de ir para a
Foz um pouco, passear à beira-mar, enquanto deixava Eduardo a descansar um
pouco mais. Eduardo tinha tido uma noite muito agitada, tendo Madalena que ir
abaná-lo várias vezes e aconchegá-lo, devido aos delírios constantes que
habitavam a noite de Eduardo. Ainda por
cima ouviu várias vezes Eduardo repetir aquele nome…Aquele nome que desde
criança ouvia como a espada que comandava o seu destino… Eva! Eva! Eva!
Sentia-se usada até pelo palerma do Alexandre, que se
servia dela para se sentir mais macho, mais viril. Podia ter sido diferente.
Podia ter sido uma linda história de amor, porque Madalena podia amá-lo, como
podia ter amado outro homem qualquer, desde que ele a olhasse fundo nos seus
olhos cor de algas e tivesse visto o mar infinito debaixo da cobertura
ondulante das algas ao sabor da corrente errante. Sim, uma errante, era assim
que se sentia. Porra de vida. Ia ser sempre assim?
Depois de Alexandre iria encontrar outro homem para outro
jogo de quem usa mais quem? Sim, porque Alexandre era já um xeque-mate à vista,
depois de ter entregue todo o material a Rogério.
Ai o dinheiro, a bela sedução do dinheiro. Mas será no
que no fundo aceitou todo aquele negócio com Rogério só por dinheiro? Ou também
para mostrar a Alexandre que ele não era o homem mais poderoso do mundo como
ele gostava de sentir que era, tanto na cama, como nas reuniões políticas onde
se sentia o deus do poder?
Madalena pensava nisto tudo enquanto caminhava por aquele
passeio, bem perto da borda, separando-a do abismo do mar apenas o equilíbrio
ténue que Madalena ainda tinha dentro de si. O vento continuava a soprar, qual
tornado sem fim, bem forte, bem cortante, qual assassino de emoções.
Na outra ponta da cidade, Alexandre conduzia furiosamente
pelas ruas do Porto. Sentia-se numa roleta, sem saber a qual número ia parar.
Até há poucos dias, sentia que tinha o mundo nas mãos, que era só uma questão
de tempo para ter tudo o que queria. Eva, Madalena, o poder político, que belo
triunvirato de adrenalina que lhe corria nas veias e no sémen, num jorrar de
conquistas sucessivas, tal como um general romano em campanha.
O carro derrapava nas curvas. Alexandre nem olhava para o
lado, atravessando um e outro sinal vermelho sem contemplação. Aquele email.
Aquele maldito email que tinha visto ao acordar, no seu telemóvel, junto de
Daniela, a secretária do stand de automovéis, que sempre cobiçara e com quem
tinha mantido um flirt que o
excitava. Tinha-a encontrado por acaso ao pé de um bar onde tinha ido relaxar
um pouco depois de mais uma reunião intensa e com alguma crispação no ar por parte
dos seus opositores e para pensar um pouco no que fazer com o seu casamento e
com Madalena que não tinha dado mais sinais de vida. E tinha sido mais uma
noite em que Alexandre
se sentira o dominador…até acordar com aquele email. Aquele maldito email. Como
é que Madalena tinha sido capaz?
Alexandre sabia que era uma questão de horas até aquele
email começar a surtir os seus efeitos. Aquele maldito email. Tinha visto os
destinatários para quem tinha sido enviado o email e sabia que o seu mundo
estava preso apenas pelo passar dos minutos e horas…Bastava o ponteiro do
relógio mover-se um pouco mais e o terramoto que Alexandre nunca previra iria
originar um tsunami de proporções
gigantescas. Aquele maldito email.
Madalena! Como tinhas sido tu capaz de tamanha façanha?
De tamanha traição! Traição, ignóbil palavra que Alexandre tinha adicionado no
vocabulário do casamento perfeito. Perfeito até aquele dia, em que se tinha
atirado para o emaranhado dos olhos cor de algas de Madalena. Cor de algas…que
curioso, nunca tinha percebido qual era a cor verdadeira dos olhos daquela
mulher que o consumira num desejo sem fim.
Eva, Eva…serás tu a minha única salvação? Será que me
irás conseguir perdoar, será que conseguiremos recuperar algo do que deixei
afogar na lúxuria?
Onde estás tu Eva? Estarás ferida de morte, ou
conseguirei de alguma maneira trazer-te até mim de novo e juntos faremos
desaparecer as cinzas que este incêndio deixou?
E o carro continuava a rolar sem destino pelas ruas
molhadas de uma manhã fria mas ao mesmo tempo escaldante na vida de Alexandre.
Oh Eva! Oh Madalena…! Oohhhh…. e Alexandre tentou agarrar
o volante com força e reduzir a velocidade de modo a evitar o choque com aquele
camião que tinha aparecido de repente vindo daquela rua que Alexandre nem sabia
que existia. Mas o carro rodopiou no piso molhado pela chuva castigadora que
parecia ser a mão de um deus a lavar os pecados dos que cairam nas malhas das
redes da tentação.
E o carro topo de gama, último modelo da marca preferida
de Alexandre, no seu azul-escuro a lembrar o mar profundo, rodopiou mais um
pouco, sem controle, capotou e embateu a uma velocidade estonteante numa
árvore, que deixou cair os seus ramos, por cima daquele carro, feito jazigo de
um destino sem freio. Da fronte de Alexandre escorria um fio de sangue, assim
como dos seus lábios e dos seus orgãos internos feitos emaranhado depois de tal
impacto. Ainda saia fumo do motor quando o INEM chegou. Estará vivo?
perguntavam os transeuntes curiosos. Não me parece, diziam os mais pessimistas.
Já viste como o carro ficou? Este já não se safa! Devia vir bêbado, mais um!-
diziam outros.
Madalena estacou o passo, e virou-se frente para o mar.
Fechou os olhos e sentiu nesses olhos cor de algas, o chamamento das marés
impetuosas que batiam contra o paredão. Sentiu os seus pés a quererem levantar
do chão e os braços a quererem abraçar o mar que continuava a chamá-la para um
mergulho de redenção. E a minha vida acaba assim? Envolta em marés? Mas assim
acabava tudo e deixava de vez de ser marioneta. Neste último acto da minha
vida, seria eu a decidir o meu final. Era tentador este chamamento libertador
do mar. E Madalena inclinou-se mais para a frente, sentido a força da gravidade
a ganhar a luta com a sua vida…. Nesse instante ouviu-se um grito vindo do
outro lado do passeio….
Eduardo acordou sobressaltado. Só se lembrava das
palavras de Eva… - Grávida, estou grávida… Seria verdade ou tudo apenas fruto
da sua loucura?
Carolina Lemos
Sentires tempestuosos que tendem para um final emotivo, com certeza.
ResponderEliminarGostei muito, Carolina.
Muito, muito bom Carolina
ResponderEliminarAdirei. Parabéns
Muito, muito bom Carolina
ResponderEliminarAdorei. Parabéns