27/06/13

A Morte dos Cipriotas - Capítulo XII


Arturo continuava imóvel, estatelado no chão, inconsciente, inanimado à espera de socorro. Rimbaud latia, penosamente, junto daquele a quem tinha prestado uma lealdade fiel.

 
Liberto e o Dr.Luisinho corriam, a passos largos, para socorrer aquele que já partira para o além. Liberto parou em frente à imagem da Nossa Senhora dos Ventos e suplicou, com os olhos rasos de lágrimas, a descida do avô à terra. Rogou àquela Senhora que não permitisse que o avô o abandonasse para se juntar aos familiares que já tinham partido. O doutor media a pulsação de Arturo, mas o coração do idoso dava sinais de paragem definitiva, nada a fazer… O médico, frustrado, por não ter conseguido realizar o milagre de o trazer de volta à vida, sentou-se, perplexo, junto do velho amigo com as duas mãos a apoiar a cabeça que a balançava negativamente. Sentiu uma fúria a percorrer-lhe todos os sentidos pela sua incapacidade profissional. Indignado, deu um valente pontapé na maleta dos acessórios médicos, fazendo-a deslocar-se uns metros para a frente. Liberto ao assistir a este gesto de revolta apercebeu-se de que a sua prece não tinha sido atendida. Olhou, furiosamente, para a imagem protetora da família e arrancou violentamente pétalas de rosas amarelas que adornavam a Nossa Senhora dos Ventos.

- Porquê? Porquê? Porquê levas o meu avô para longe de mim?- Chorava, intensamente, sem desviar o olhar da santa.

O Dr. Luisinho abandonou o espaço onde jazia Arturo e foi ter com Liberto que, naquele momento, precisava de um colo amigo. Aquela criança metia dó, a sua ligação com o avô era um elo de amor muito forte. O doutor que tentava ser forte perante esta cena trágica não conseguiu impedir a saída de uma lágrima salgada, tão salgada e tão amarga como o que estava a viver. Aproximou-se de Liberto, segurou-o no colo e foram até ao outro extremo do jardim. Sentaram-se num banco de madeira cuja tinta vermelha teimava em soltar-se do assento e o médico com o menino no seu regaço tentava acalmá-lo, carinhosamente, encostando a cabecita no seu ombro para tentar apaziguar a sua dor. Liberto apenas soluçava, as lágrimas pareciam ter esgotado, temporariamente, daqueles olhinhos vermelhos e inchados. Luisinho acariciava-lhe os cabelos e permaneceram em silêncio por breves instantes.

Rimbaud abandonou o cadáver, atravessou o relvado verdejante e sentou-se ao redor daquele banco de tinta corroída pelas várias oscilações atmosféricas.

Onde estaria Carlinda?-Pensou o médico preocupado. Como reagiria com a notícia? Sabia que o casamento da sua amiga vivia tempos de turbulência e agora com a perda do pai, aquela mulher iria desabar numa depressão profunda. Tudo isto passava na mente do doutor como se fosse uma tragédia grega.

O pequeno Liberto ergueu o rosto sofrido, olhou compassivamente para o doutor e disse:

-E agora…quem é que me vai contar aquelas histórias fantásticas que só o meu avô sabia contar? Quem vai ser a minha companhia quando a mãe e o pai não estão? – Liberto tomava consciência da realidade.

-É a lei da vida, todos nós nascemos, crescemos e morremos um dia…Só o tempo é que te vai ajudar a curar essa ferida, tens que ser forte e corajoso meu caro amigo Liberto.

 
Carlinda regressava a casa, sentia-se uma adolescente perdida com tanta mistura de sentimentos. Reparava na beleza das flores do jardim e na simplicidade das borboletas que esvoaçavam de flor em flor. Uma suave brisa fez chegar aos seus pés um envelope endereçado a ela própria. Curiosa, pegou nele e verificou que estava incompleto, faltava o conteúdo. Com toda a pressa dirigiu-se ao pequeno santuário e em frente à sua protetora agradeceu o momento mágico que acabara de viver com Rafael e, ao mesmo tempo, proteção para o mau pressentimento que estava a sentir. De repente, o vento soprava bruscamente como se o Deus Zéfiro estivesse zangado com a humanidade e fez-lhe chegar um pedaço de papel mordiscado. Baixou-se para apanhar o pequeno documento fragmentado, conseguiu ler duas frases onde constava o nome de Libânio e onde relatava a vida dupla do marido; o misterioso conteúdo da missiva acabava de ser desvendado. Carlinda, porém, não ficou surpreendida por aquilo que acabara de ler, afinal a sua intuição feminina há muito que lhe mostrara o que ainda estava por descobrir a olhos vistos. O sentimento que tinha pelo marido em nada mudou por esta revelação, só lamentava ter sido enganada e traída pelo primeiro homem a quem se tinha dado por inteiro.

Pensativa olhou à sua volta para ver se Liberto brincava no jardim, quando, de repente, a imagem do pai caído no chão invade-lhe a vista e fere-lhe o coração com uma dor tão intensa que a fez gritar aos quatro ventos a palavra pai. Aproximou-se dele, acariciou-lhe o rosto mórbido que dava sinais de abandono à vida e chorou compulsivamente.

-Pai, perdoa-me por, muitas vezes, não ter escutado as tuas histórias do passado que tanto gostavas de contar e por não te ter dado a atenção que merecias…nunca tinha tempo para ti meu querido pai… - Carlinda falava ao ouvido do pai como se este a ouvisse e, ao mesmo tempo, foi invadida por uma paz interior inexplicável.

Rafael no seu pequeno apartamento, sentou-se na poltrona de pele desgastada pelo tempo e pensou em Carlinda, na beleza daquela mulher. Este homem solitário refletia no casamento infeliz que vivera com Mariana e no filho Álvaro que, após a morte da mãe, perdeu-lhe o rasto depois de uma discussão acesa de palavras azedas em que o filho o acusava da morte da mãe.
 
Sónia Ferreira

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