27/04/16

Razão de Existir - Capítulo VII


Já na Sala de Interrogatório a fortaleza da sua convicção desmorona-se como um Castelo de Cartas.
Os Agentes da Autoridade leem meticulosamente a queixa formal de assédio sexual feita pela menor Sara. Um amontoar de barbaridades de infundada veracidade, um ultraje ao real, uma facada na confiança que nela depunha.
Sebastião busca alienado uma justificação para a atitude de Sara. Mas a frieza das acusações, flechadas à velocidade da luz, anestesiam-lhe a mente e os sentidos.
Jamais desconfiava que Sara deixou-se enfeitiçar pelo vão dos luxos que Ricardo lhe prometera. O mundo de onde derivara padecia dessa doença, deslumbramento pela luxuria, pelo fútil. “Pobre” Sara.
Dada a sagacidade do proferido, Sebastião começa por balbuciar uns monossílabos pouco perceptíveis.
Minuto Seguinte projecta a voz, ainda algo claudicante, ergue com firmeza o dedo indicador, e urge o Grito do Ipiranga.
- São Calunias… Jamais o faria. Sou um Homem íntegro.
Mas os seus 90 anos, de modo inevitável, transparecem algumas fragilidades. O coração sai-lhe do peito, a visão enevoa-se. Num abrir e fechar de olhos cai como um torpedo.
Jaz inanimado.
Os polícias, agora amedrontados, sincronizam um frenesim de movimentos em torno do corpo.
- Meu Sargento estará morto? Não devíamos ter sido tão brutos, não passa de um débil nonagenário - reclina o cabo Carlos.
- Calma, está a respirar. Liga imediatamente para o 112.
A ambulância quase que se teletransportou. O chinfrim da sirene colocou em alvoroço a pacata aldeia.
Ricardo, que estava ávido por novidades, esgueira-se por entre a multidão e mumifica-se perante o que vê - Sebastião, imóvel, transportado de maca pelos socorristas.
Meu Deus, o que fiz?

Chegado ao Hospital, a resposta - AVC.
Temporariamente a sua Verdade ficará aprisionada num Silêncio Inesperado.

Sebastião não ficou com deficits motores, mas a afasia, a clausura dentro de si, ceifou, julgava ele, o seu último intento, falar com sua filha Inês.

Meses passaram. Sujeito a termo de identidade e residência primeiramente havia que reaver a sua advogada de defesa, as Palavras.
Graças à terapeuta Adriana as Palavras renasceram, e de entre elas Sebastião.
A introspecção passou a ser uma tarefa fulcral do seu quotidiano. Uma necessidade terapêutica e ironicamente uma bênção. Infindáveis imagens mentais, memórias, emoções declamam-se na sua Mente.

Até que surgiu Aquele Dia. A Carta com a marcação da audiência no Tribunal chegara. Sebastião fica incrédulo com a sina do conteúdo.
Aquele Nome. Juíza Inês Ramiro.
- Inês Ramiro? Não pode ser. Não pode...


                                                                                                                  Marlene Quintinha

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