Fotografia: Dina Rodrigues |
Manuela guardou as Fichas dos últimos
doentes e deu por terminado, mais um dia de trabalho. Fechou a porta do
consultório e desceu, rapidamente, as escadas, decidida a mudar o rumo da vida
de Clarinha.
Era feliz com a vida pacata que levava, dividida
entre a sua casa, no refúgio do Monte e o consultório da Vila. Sentia-se bem,
entre aquelas pessoas de gostos simples, onde a vida era difícil, para quem
tinha de trabalhar debaixo de um sol abrasador.
Atravessou a Vila e entrou na igreja. Benzeu-se
e agradeceu a Deus pela oportunidade que teve, de recomeçar a sua vida, longe
da confusão, na tranquilidade de uma Vila Alentejana. Depois, pediu a Deus que
Adelaide e António aceitassem os seus planos de levar a Clarinha para Lisboa e que
lhe desse coragem para convencer o António a assumir a paternidade da filha.
Manuela já imaginava a alegria dela,
quando soubesse que António era o seu pai verdadeiro.
Para que os planos dessem certo, seria
melhor conversar com os dois ao mesmo tempo. Passou em casa de Adelaide e
disse-lhe para ir à sua casa, na manhã seguinte, com a filha. Enviou um recado
ao António para que ele fosse ter à sua casa, logo de manhã, porque precisava
de falar com ele, com urgência.
No dia seguinte, António agarrou na
bicicleta e lá foi ele.
Surpreendido, com a presença de Adelaide,
perguntou o que se passava com a Clarinha, sem imaginar a longa e difícil
conversa que os esperava.
Manuela, um pouco receosa, começou por
falar da situação clínica da Clarinha. Depois, sem mais rodeios, disse que já
sabia que António era o pai dela. Falou dos planos que tinha traçado: queria
levá-la para Lisboa, para bem da sua saúde e do seu futuro. Já tinha arranjado uma
casa, para ela viver, com todo o conforto, uma escola, para estudar e um
hospital, perto de casa, onde podia fazer os tratamentos de fisioterapia. Em
Lisboa, iria ter todo o apoio necessário. Além de que, Lisboa não era assim tão
longe, poderiam ir visitá-la sempre que quisessem.
Adelaide e António mantinham-se a ouvir, em
silêncio, muito pensativos.
- Só há uma condição. A Clarinha precisa
de muito apoio porque é uma grande mudança. Precisa de um pai que esteja presente,
quando for necessário. O António tem de reconhecer a paternidade da miúda, está
na altura de assumir as suas responsabilidades! - disse Manuela, virando-se
para António.
- Não acredito, está a pedir-me isso? – perguntou
ele, com ar de espanto. Nada que surpreendesse as duas mulheres.
- A Doutora tem razão, apesar de me ter a
mim, também lhe faz falta o pai. Não é por mim, é pelo bem da miúda. – Argumentou
Adelaide, quase a suplicar.
António ainda barafustou, mas acabou por
dar ouvidos à Dra. Manuela. Entre alguma indecisão e hesitação, porque não
queria perder a liberdade, de rapaz solteiro e sem compromissos, aceitou assumir
a paternidade da filha. Sentia-se mais aliviado e até lhe saía um grande peso
da consciência. Finalmente, podia aproximar-se da filha, sem mentiras ou
segredos.
Adelaide estava muito nervosa, mas
satisfeita com o desenrolar da conversa. Recordou-se do dia em que disse à
Clarinha que o padrinho as ia visitar. Nessa tarde, ela ficou eufórica, nem
sabia que tinha um padrinho, mas gostou muito da ideia. António chegou, com
algumas guloseimas e cativou, logo, a miúda. Apesar de o ter conhecido há pouco
tempo, já o via como um pai, como o pai que nunca teve.
No final, todos concordaram que seria melhor,
para a Clarinha, ir viver para Lisboa, nos próximos dois anos.
- Clarinha, anda ver quem está aqui! - Chamou
a mãe.
- Padrinho! - Exclamou ela, com entusiasmo.
- Clarinha, desculpa, mas eu não sou o teu
padrinho. Eu sou o teu pai!
Clarinha largou as muletas e os dois uniram-se
num abraço apertado, de pai e filha. Manuela olhou para Adelaide e as duas sorriram
de felicidade.
António disponibilizou-se para acompanhar
a filha, na mudança para Lisboa. Clarinha lá foi, rumo ao desconhecido, com o
entusiasmo de uma criança e com a tristeza de deixar a mãe e o aconchego da sua
casa de infância. A mãe, com lágrimas nos olhos e com o coração apertadinho, despediu-se
da filha, mas tinha de a deixar ir.
Manuela falou com Alice, uma amiga, de
longa data, de Lisboa, que era professora na escola secundária, perto da casa
de Lurdes. A relação, entre as duas amigas, já tinha tido melhores dias... Manuela
desconfiava que Alice teve um caso, com o seu ex-marido, no tempo em que ainda
eram casados. Os dois negaram, mas ficou, sempre, uma certa desconfiança.
Apesar de tudo, Alice prontificou-se a ajudar a miúda, na escola.
Passaram três meses, desde que Clarinha deixou
a sua terra. O pai, já a tinha ido visitar uma vez, mas a mãe ainda não. Apesar
de sentir muitas saudades de casa e da mãe, estava a adorar a nova vida, na
Capital. Gostava da escola e dos novos colegas. Gostava de viver em casa da
Dra. Lurdes, que era como uma mãe, para ela. Já tinha feito novos exames
médicos, mas ainda aguardavam os resultados. Já tinha começado a fazer
fisioterapia, para a doença não se agravar e, quem sabe, talvez recuperar o
andar, livre de muletas.
Na escola, dava-se muito bem com a professora
de português, a professora Alice. Conversavam muitas vezes, no recreio, ou
depois das aulas.
Como, no Alentejo, o tempo passa devagar e
as saudades da Clarinha, já eram muitas, Manuela e Adelaide foram a Lisboa
fazer-lhe uma visita.
Enquanto, a Clarinha e a mãe, matavam
saudades, Manuela vai dar um passeio para os lados de Cascais.
Apanha o comboio e sai na estação do
Estoril. Depois, vai a pé, pelo paredão do Estoril, até Cascais. Adora passear
à beira-mar, como fazia muitas vezes, quando vivia em Lisboa. Sentada numa
esplanada, aproveita para tomar um café, em frente à praia. Enquanto respira a
brisa do mar, debaixo de um lindo sol de Inverno, o seu coração é um turbilhão
de emoções. Estavam de volta tantas recordações do passado. Nem tudo foi mau,
com o marido… recorda, com nostalgia, os bons momentos juntos, os passeios à
beira-mar e os jantares que faziam em Cascais. Foram muito felizes, até
começarem as traições dele e as noites dormidas fora de casa.
Chegou a Cascais, apanhou um táxi e foi
até ao Guincho, mesmo a tempo de ver o pôr do sol. Já não dava tempo, para descer
até à praia, mas tinha valido a pena, o passeio até lá, para ver o sol
desaparecer no horizonte, entre o céu e o mar.
- Está um dia espetacular, para o mês de
Dezembro – disse o senhor do táxi.
- Já tinha saudades de ver o pôr do sol na
praia – respondeu ela,
Estava na hora de voltar, mas ainda queria
passar pela Boca do Inferno. Entrou no táxi e seguiram pela estrada à beira-mar.
Chegou lá, abriu a porta do carro e, que grande surpresa, nem queria acreditar
no que os seus olhos viam…
O ex-marido estava sentado nas rochas, a
ver o mar, com a Alice.
Agora tinha a certeza. Eles tiveram, mesmo,
um caso e, pelos vistos, ainda tinham. A raiva, a angústia, e a revolta,
voltaram, como no tempo da sua separação.
- Coragem, Manuela, tem calma! – pensou ela,
sem saber se virava costas, ou falava com eles.
Dina
Rodrigues
A Dra Manuela terá mesmo que ser muito forte!
ResponderEliminarEsperemos que continue, assim!
EliminarJesus! Muito bom, Dina! Agora tenho que decidir se fala ou não!!! Penso que já decidi... ;)
ResponderEliminarQue decida pelo melhor, mas que não se atire ao mar. Na Boca do Inferno é perigoso!...
EliminarBoa inspiração, para a decisão a tomar!
ResponderEliminarDiário da vida de uma médica.
ResponderEliminarBoa semana
Parabéns, Dina Rodrigues.
ResponderEliminar“ - Clarinha, desculpa, mas eu não sou o teu padrinho. Eu sou o teu pai!”
Veremos se aquele “desculpa”, não será só de circunstância…