28/07/11

A Década De Todas As Suspeições - Parte 8

Que acabara de acontecer ali?... Estava no meio de um pesadelo e logo, logo acordaria com um dia cheio de sol numa casa de férias luxuosa onde mal se sentia o pulsar do mundo. Só podia ser isso. Um pesadelo! Porque uma história daquelas não podia estar a acontecer com ela.

Era este turbilhão de pensamentos que inundava a cabeça de Susana, como que recusando-se a acreditar no que a ex-amiga lhe acabara de contar. Durante breves segundos, perdeu-se na tentativa de arranjar uma justificação para aquele absurdo sem se aperceber que mais alguém tinha entrado na sala.

- Glória? Que estás tu aqui a fazer? – Aquela voz tinha tanto de familiar quanto de assustadora e ao mesmo tempo amada.

Ambas se haviam esquecido que Paulo, muito provavelmente, apareceria por ali e a porta entreaberta deixou que o resto acontecesse. Paulo entrara sem que nenhuma das duas desse por isso.

- E tu, meu querido? Vens ter com ela, não é? Nem parece teu, fazer as coisas por trás das costas, não resolver os problemas com frontalidade… que pretendias? Fazer jogo duplo enganando as duas? Ora Paulo, tu nunca foste disso!

- E tu também nunca foste de me seguir, como soubeste que eu vinha para cá?

- Ah, estás convencido que estou aqui por tua causa? Que presunção! Soube por ti sim, onde se encontrava a Susana. Mas vim aqui por ela e só por ela, por uma amizade que nunca deveria ter terminado por causa de alguém que… como tu.

Paulo, atónito, estava imóvel perante a explosão de Glória, ela que sempre fazia os impossíveis para se mostrar segura mesmo quando desmoronava por dentro. O que a deixara naquele estado? Não parecia ser só o facto, certo e afirmado, de estar prestes a perde-lo. Aliás ela mesma dissera não estar ali por sua causa…

- Hoje de manhã ouvi-te a falar ao telefone com Susana. Estavas tão deliciado que nem deste pela minha presença. Mas isso também não é novidade, ultimamente não podia ser mais invisível aos teus olhos.

Susana, imóvel, assistia a toda a discussão sem que Glória e Paulo se lembrassem da sua presença.

- … Teremos de ser capturadas juntas… - Naquele momento ressoaram na sua cabeça as palavras proferidas por Glória ainda há pouco, antes de Paulo as surpreender com a sua entrada sorrateira.

Se o que Glória dizia era verdade, e ela parecia absolutamente convencida que pelo menos havia motivo para estarem atentas, então aquele era o momento. Estavam as duas ali, mesmo à mão de serem capturadas juntas, e Paulo não deixaria passar a oportunidade. Tinha de sair dali. Mais tarde pensaria no assunto e analisaria tudo com mais clareza, talvez até fosse ela mesma investigar pois não estava absolutamente convencida da veracidade da história rocambolesca que Glória lhe viera ali contar, mas agora a prioridade era sair dali e tinha que sair dali sem que Paulo a visse.

Deslizou devagarinho até à porta do quarto, se entrasse neste saltava pela janela que não era muito alta. Mas é nesse preciso momento que Paulo parece lembrar-se de que Glória não estava só naquela sala quando ele ali chegou.

- Ah, Susana desculpa! Tu não tens que assistir a estas cenas, eu e a Glória vamos embora.

Susana estava à beira de sofrer um ataque cardíaco, quase que ia sendo apanhada em fuga. Claro que podia sempre dizer que estava a sair da sala para os deixar sós mas se Paulo era realmente o que Glória dizia podia desconfiar.

- Sim, é melhor saírem… – balbuciou, tentando aquietar o coração que estava prestes a trepar-lhe pela garganta e explodir-lhe na boca.

Mas Glória já tinha saído. Aproveitando a distracção de Paulo saiu de mansinho. Pelo mesmo motivo de Susana ou para se livrar de uma cena passional que em nada a favorecia, a verdade é que quando Paulo se virou para saírem juntos apenas encontrou o espaço sem ninguém. Voltou a olhar Susana. Um olhar de fogo, num misto de paixão e medo cheio de ameaças mudas… ou talvez promessas, quem sabe?

- Susana, que se passa para me ligares daquela maneira?

- Ai Isabel, ainda bem que vieste!

- Claro que vim, mas conta lá!... Estavas tão transtornada ao telefone

- Ele, Bela… ele… quer dizer, a Outra foi ao Algarve…

- Susana, acalma-te e conta-me lá essa história como deve ser. Não estou a entender nada. Quem é ele? Quem é a Outra?

- Tens razão, é melhor começar do inicio…

Susana contou então à amiga os acontecimentos das últimas horas, enquanto sorvia pequenos goles do chá gelado que tinha pedido para o senhor Vítor lhe servir quando se sentou na mesa mais perto do mar daquela explanada que já era seu poiso habitual e ponto de encontro com os vizinhos alentejanos. Começou pelo momento em que dizendo ir à revista fora na verdade até à casa de Glória, onde Paulo vivia deste que ambos haviam decidido desfazer o triangulo que os unia, aos três, há tempo demais. A perseguição, o encontro de Paulo com os dois homens na doca do poço do bispo, o tiro e a decisão de ir para o Algarve.

-… só queria ir para longe de toda a confusão… estar com Paulo…

- Espera aí… - interrompeu Isabel – mas porquê ires para o Algarve? Não é o teu ideal de refúgio e aqui para nós, nem sequer combina contigo. Bem sei que no teu inicio de carreira andaste muito por esses meios mas isso era porque estavas em inicio de carreira e precisavas de te afirmar para depois poderes escolher o teu caminho.

- Sei lá… quis atrair o Paulo, quis oferecer-lhe o paraíso à semelhança de Glória… estava louca. Definitivamente, perdi todo o meu discernimento…

Susana proferiu estas últimas palavras descansando o olhar sobre o calmo vai vem das ondas como se nele quisesse depositar todas as mágoas dos últimos tempos.

Continuou:

- E afinal quem apareceu nem foi ele.

- Foi Glória!

- Como é que adivinhaste?

- Tu disseste ao telefone mas também não era difícil de adivinhar, mal a Glória soubesse com certeza que iria logo atrás do que ela pensa que lhe pertence.

- Aí é que tu te enganas, Bela. Ela não foi lá atrás do Paulo, ou pelo menos diz que não.

- Então?!

- Agora vem a parte pior…

Susana recomeçou a narrativa dos acontecimentos sem deixar passar nenhum pormenor.

-… e foi assim que dei por mim a caminho daqui, a conduzir de uma forma tão descontrolada que nem sei como é que não tive um acidente. Tive de parar para recuperar o auto-controle e foi nessa altura que te liguei.

- Essa história é de loucos! O que é que te leva a crer que é verdade? Tu mesma me disseste que Glória sempre foi um pouco lunática e que vivia de uma forma quase física as histórias dos filmes de mistério. Ela disse-te como tinha obtido essas informações?

- Foi o padrinho dela. Aníbal Costa, eu já te falei dele…

- Sim, sim. Mas tu não me disseste que esse Aníbal Costa se encontra num lar para idosos e padece da doença de Alzheimer?

- Isabel, tu sabes que os doentes de Alzheimer têm, por vezes, momentos de lucidez

- Sim, estou a ver… e foi num desses momentos de lucidez que lhe revelou tudo isso.

A esta altura já a explanada estava vazia e o silêncio que se instalou por alguns momentos era apenas entrecortado pelo leve bater das ondas. Foi Susana que o interrompeu.

- Amanhã vou visitar o padrinho Costa!

- O quê, vais àquele lugar horrível que, segundo dizem, mais parece um cemitério de mortos em vida?

- Isabel, são pessoas! Muitas delas já se esqueceram da sua própria dignidade, é verdade, mas ainda assim são seres humanos que estão naquele lugar.

- Tens razão, desculpa, só estava a tentar proteger-te. Não me parece que adiantes alguma coisa com essa visita e o que tu precisas é de arrumar essas emoções que estão à flor da pele.

- As minhas emoções só se arrumam quando tirar tudo isto a limpo.

- Está bem, já sei que não vale a pena tentar dissuadir-te. Vou contigo!

- Não. Prefiro ir sozinha, o padrinho Costa conhece-me, estive com ele algumas vezes em casa da Glória e pode ser que se lembre de mim.

- Se é assim que queres… mas agora precisas é de ir para casa, tomar um duche de água morna, comer qualquer coisa e descansar.

- Se eu conseguisse descansar…

- Consegues, sim. Nem que eu tenha de te dar um sedativo para adormeceres. Vou ficar contigo esta noite!

- Minha querida Isabel, é tão bom ter uma amiga assim.

E todas as vivências daquele dia se desvaneceram no abraço que suspendia tudo até ao dia seguinte.


Luisa Vaz Tavares

4 comentários:

  1. Excelente saída. O mistério adensa-se e pode resolver-se de várias maneiras. Qual será a escolhida? Venham mais capítulos e...muitos parabéns, Luísa.

    João J. A. Madeira

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  2. Não há duvida de que a imaginação é prodiga nestes meus amigos escritores. A Carolina Lemos, com o padrinho Costa, veio trazer um leque de possibilidades... o misterio adensa-se, o medo instalou-se... a Luisa Vaz Tavares continuou, tal como a Dina Rodrigues, a não querer " matar ninguem...a cada " capítulo", o suspense... Adorei, Liz, parabens!!! beijinhos

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  3. Procurei dar alguma coerência à personagem Susana que na minha opinião é uma mulher de forte personalidade e que não pretende deixar que ninguém conduza o seu destino. Obrigada pelos parabéns mas foram vocês que me levaram para este rumo... venham mais capítulos e mais possiveis saídas! Beijos:)

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  4. Luisa, adorei a tua saída no Algarve. O Paulo tinha mesmo da lá ir, estava escrito no coração da Susana, mas o que lhe aconteceu depois?

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