28/01/12

O Fim da Inocência - Parte VIII


“Acredita em mim sempre que eu te diga, como agora, que é em ti que tens de acreditar primeiro”.

Um momento, tinha sido apenas isso… de ternura, de encontros e desencontros, com emoções perdidas dentro de si.

Gabriela, de olhar azul e rebelde, de novo partiria para outras lutas…

Laurinda despertou com uma imensa vontade de sorrir, de acreditar num caminho diferente. Sem se aperceber, tinha apanhado um táxi, estava na estação de Santa Apolónia e pedia um bilhete que partisse no imediato. Queria sair dali, aquela cidade não era a sua, não sabia exactamente o destino mas, naquele momento, isso não importava. Era livre.

Sabia, agora, que ainda não tinha conhecido o amor, que toda a vida tinha procurado a segurança sem se encontrar. Imersa numa felicidade que nunca tinha conhecido, estava liberta e queria saborear isso.

Adormeceu e despertou com o revisor a dizer que tinha chegado ao seu destino. Sorriu, como sabia ele o seu destino? Desceu e apercebeu-se que partira, pela primeira vez, sem malas, sem datas, sem avisos.

Estranhamente, Laurinda estava em Évora. Avistou o largo de S. Francisco e que bonito era! Sentou-se a contemplar a Igreja real, datada do século XV-XVI, de estilo gótico Manuelino, onde um grupo de turistas japoneses barulhentos entrava. Resolveu também entrar. Da extensa nave do templo, abrem-se dez capelas laterais, compostas por retábulos de talha dourada e policromada (século XVIII) e de estuques (século XIX). Durante a sua vida, raras vezes teve oportunidade de apreciar algo tão bonito. Esta cidade inspirava magia, uma calma imensa e que bom era sentir isso. Não era uma rapariga de cidade grande e impessoal, gostava da proximidade.

Saiu, pensou entrar na capela dos ossos, mas o imaginar um sítio assim, arrepiou-a. Aproximou-se de um fontanário, bebeu um pouco de água e refrescou-se daquele calor de Julho.


Sentou-se naquela bonita praça e foi transportada para o mundo da saudade, do sentir, apercebendo-se de um concerto na praça. Música do mundo. Lembrou-se das romarias da aldeia com as tendinhas de petiscos deliciosos, o acordeão, o cantar ao desafio. Dos olhares dos rapazes atrevidos e curiosos.

Saudades da sua aldeia, em Terras de Miranda, nas proximidades de Atenor, dos seus passeios longos com o António, seu primo, cada um com o seu burrinho, apanhando cogumelos e frutas da época que roubavam nos quintais. António era como um irmão, onde estaria ele agora? E a sua tia Dores, que fazia aquele bolo de mel, que tinha aquele jeito rude e genuíno. Lembranças perdidas e eternas.

Recordou Miguel, o seu olhar melancólico, a sua simpatia natural. Com ele tinha aprendido a saborear os sentidos. Imaginou um beijo seu, lento, sentiu a respiração, o arrepiar e regressou àquela música árabe que a enfeitiçava.

— Adeus amor!

— Carkabib — disse uma rapariga de longas rastas, vestido comprido, morena, olhar doce e descomprometido.

— Como? — responde Laurinda.

— Carkabib, instrumento árabe usado em músicas tradicionais, acompanhando danças de transe com as quais trazem a cura às pessoas doentes, chamadas Stambali.

Violeta conhecia o mundo, de mochila, destino e dinheiro incerto, na busca incessante da aventura. Nunca tinha conhecido uma rapariga assim, talvez Gabriela fosse um pouco assim, corajosa, aventureira.

Tinha nascido numa família tradicional, de horários e regras delineadas, sem margem para os imprevistos. Seu pai era dócil mas ausente, passava longas temporadas longe da família. Nos seus pastos apreciava a solidão e a companhia do seu rebanho.


Recordou aqueles domingos de missas intermináveis, de mulheres vestidas de preto e olhar severo. Seus pais não faltavam a um domingo, mas do assado, ainda hoje sente aquele sabor a lenha.

— Minha mãe vestia aquele fato, já mordido pelas traças, mas era bonita. Muito bonita, olhar de mel, longos cabelos sempre apanhados. Mas de noite eu sabia como era bonito o seu cabelo, meu pai não a via assim.

Violeta apresentou-a ao seu grupo de amigos. Tinham chegado recentemente de Chefchaouen, em Marrocos. Falavam de Marrocos, do artesanato rico do povo berbere, dos souk (mercados tradicionais). Laurinda, sem conhecer, viajou por Marrocos.

Pedro e o seu grupo viajavam pelo mundo, estavam pela primeira vez no Alentejo, tal como ela. Músico de olhar negro e penetrante, aquele moreno falava de coisas que ela desconhecia, mas que despertavam um imenso interesse. E Laurinda queria aprender, conhecer, reaprender a confiar.

Pedro, na sua leveza, puxou-a para dançar. Através daqueles sons mágicos, sentiu uma carícia no seu pescoço e um beijo na sua boca. A luz era avermelhada naquela cidade que, gentilmente, parou no tempo.

Era amor, Laurinda sabia-o.

Clementina Barros

4 comentários:

  1. Laurinda vislumbrou um mundo que não conhecia e agora ninguém lhe trava a sede de conhecer mais e mais. Onde irá a seguir?
    Gostei do desenvolvimento, Clementina!

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  2. Será que foi desta vez que a Laurinda encontrou mesmo o amor? Pelo menos anda a conhecer Portugal e a dar-nos a conhecer também. Gostei, Clementina!

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  3. Estou a gostar imenso principalmente agora abrindo pontes no imenso fascinante horizonte explusivo de culturas saberes sabores e muitas cores :) muito bem Clementina, Impressionado

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  4. que bonita estória! li todas as partes, desde o início, agora de seguida.. a vida da laurinda dá voltas e mais voltas, mas esta parte VIII traz uma lufada de esperança e luz a um caminho triste e chuvoso, incerto e sempre de ilusão em desilusão.. as cores do mundo e a beleza das pessoas enche este pedaço e dá nova cor ao mundo da protagonista.. muito intenso, criativo e muito bem escrita! parabéns, clementina!!

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