02/12/12

Madalena dos Olhos Cor de Algas - Capítulo 8

- Senhor Primeiro Ministro, é verdade que vai…

Acelerando o passo e empurrando o microfone, num gesto nada consentâneo com o cargo que ocupa, o Primeiro Ministro Alexandre Baltazar interrompeu a jornalista e afirmou: “No final do conselho de ministros será lido um comunicado”, enquanto transpunha a porta que o aguardava entreaberta e que se fechou atrás de si.

Virando-se para a câmara, a jornalista Rute Soares concluiu a peça:

- São as declarações possíveis que conseguimos obter do Primeiro Ministro sobre a sua possível demissão. Ficaremos por aqui à espera do comunicado final do conselho de ministros. Por agora é tudo, Zé.

 
- A jornalista Rute Soares a acompanhar o conselho de ministros extraordinário, para analisar a possível demissão do Primeiro Ministro, na sequência do escândalo sexual que protagonizou.

- Para analisar precisamente este caso temos connosco em estúdio Carlos Figueiredo, o nosso analista para questões de política interna. Carlos, achas que o Primeiro Ministro se vai demitir ou não?

- Boa noite Zé, temos assistido nas últimas semanas a tomadas de posição diametralmente opostas, em que claro está, os comentadores afectos ao partido do poder minimizam a situação, enquanto todos os restantes pedem a sua demissão,…

- Mas achas que a situação justifica essa demissão? E os custos para a estabilidade da governação?

- O que me parece é que a questão não é apenas do foro intimo do Primeiro Ministro enquanto cidadão, tal como defendeu ontem o presidente da Assembleia da República, há dinheiros públicos envolvidos e tanto quanto a investigação conseguiu apurar até agora, a situação configura um presumível abuso de poder.

- Portanto crês que para não desgastar mais a imagem do governo junto da opinião pública, se deveria demitir?

- Não se trata apenas de manter a imagem, o que foi apurado até agora é grave, e se se vier a provar que é verdade sou de opinião que não tem outra saída que não seja demitir-se…

 

NNNNNÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOO

 

Com um salto, sentou-se na cama, ofegante, olhos esgazeados perscrutando a escuridão, a testa alagada em suor.

Os segundos pareceram-lhe eternos enquanto esperava ver o dedo acusador de um juiz apontado na sua direcção. Não podia acabar a carreira daquela forma. A política era um meio para a sua ambição desmesurada pelo poder. Não podia falhar. A respiração que teimava em não acalmar denotava o seu nervosismo. A espera apenas lhe devolveu silêncio e trevas e por fim apercebeu-se que tinha tido um pesadelo. Deixou-se cair pesadamente na cama, com um misto de alívio mas também de preocupação.

Estava transtornado e tinha uma razão para isso. À chegada a casa um bilhete lacónico em cima da mesa dizia apenas “fui de férias”. Não pensava que pudesse ser descoberto sobretudo depois dos cuidados que pusera na preparação das suas escapadelas. Contudo, aquele bilhete não lhe deixava muitas ilusões a esse respeito.

A família era importante. Enquanto conservador tinha construído uma carreira assente na imagem de homem de família arreigado às tradições, que o seu partido defendia. Era parte da sua estratégia.

Mas mais importante do que isso, o escritório de advogados no qual Eva trabalhava seria a mola impulsionadora da sua carreira. Os contactos estavam feitos. Não podia voltar atrás agora.

 

Tantos sonhos e projectos que tinha. Quantas vezes se via em sonhos como secretário de estado, depois como ministro, a seguir como primeiro ministro, até alcançar por fim o lugar supremo de mais alto magistrado da nação.

Sonhava ter uma biografia. Imaginara-a até com um capítulo cujo título seria “Madalena dos olhos cor de algas”.

Porém, quão longe estava agora de pensar em Madalena. O sucesso era a razão da sua existência. Tinha que resolver o problema que tinha entre mãos, ou pelo menos manter as aparências, custasse o que custasse. Só não sabia era como.

 
Muitos quilómetros mais a sul alguém também não dormia ainda. Por muito que tentasse acalmar-se, a verdade é que os acontecimentos recentes continuavam a bailar-lhe no pensamento, misturando-se ideias contraditórias a cada instante, que lhe toldavam a razão.

Imagens passadas desfilavam em catadupa à sua frente, alheias à sua vontade, que apenas queria fechar os olhos e adormecer.

Até que algo inusitado lhe apareceu. Alexandre, que nunca fraquejava, sentado no chão com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça entre as mãos, pedia desculpa. Alexandre, que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, admitia ter errado.

A princípio pensou que fosse o seu subconsciente a pregar-lhe uma partida. Não negava que gostava de ter uma borracha com a qual pudesse apagar os últimos meses da sua existência. Gostaria que a sua vida pudesse voltar a ser o que era. Mas logo de seguida a raiva acumulada lhe fez ver que o tempo não volta atrás e é preciso reagir às adversidades.

A imagem parecia-lhe tão real que se levantou para se aproximar e responder-lhe. Tão depressa como apareceu, assim se desvaneceu a imagem, deixando-a parada no meio do quarto, na semi-obscuridade da aurora que já começava a entrar pelas frestas da persiana.

O frio da madrugada enregelou-a e despertou-lhe os sentidos. Estava acordada agora. Meteu-se novamente na cama e ficou a olhar para o tecto sem saber muito bem o que pensar.

Não acreditava em espiritismo, nem em percepção extra sensorial nem nada desse tipo de coisas. Mas a imagem pareceu-lhe tão real…

Tudo isto fugia ao seu entendimento. Do pouco que sabia sobre estes fenómenos parecia-lhe que este tipo de visões aconteciam sempre em castelos ou palácios antigos e as pessoas que apareciam eram sempre mortos.

Nunca imaginou que pudesse estar num hotel de luxo a “ver” e “ouvir” uma pessoa viva. Inconscientemente conotava a religiosidade com algo do passado. Pelo menos consigo foi assim, a sua prática religiosa restringiu-se às obrigações que lhe impuseram enquanto criança. Esta mistura de passado com modernidade causava-lhe agora espanto.

A menos que…

E se tivesse poderes dos quais nunca tinha suspeitado?

Fechou os olhos e inspirou lentamente. Seria possível que conseguisse “falar” com outras pessoas à distância, que conhecesse os seus pensamentos, que soubesse o que iriam fazer a seguir?

Uma ideia ainda mais absurda lhe ocorreu subitamente. Enquanto advogada o cumprimentos das leis sempre foi para si um imperativo. No entanto, contra todo o princípio da racionalidade, fez, de forma consciente e de livre vontade, sexo na via pública.

 
Porquê não sabia ainda, mas ocorria-lhe agora que subconscientemente tinha noção da sua impunidade, que nada de mal lhe poderia acontecer.

Seria verdade? Só havia uma forma de descobrir: iria fazê-lo de novo. Em Coimbra iria fazer sexo com Eduardo na Quinta das Lágrimas.

 

Paulo Rodrigues

3 comentários:

  1. Espero dar uma boa continuidade a esta "batata quente" que me caiu nas mãos! ;) A parte inicial do texto em jeito de sonho televisionado ficou brilhante.

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  2. Ai Alexandre, Alexandre, não sabes que viver de aparências é uma inquietação constante?... Depois têm-se sonhos agitados, pois claro. E Eva, será que vai encontrar o que procura, com Eduardo? Gostei muito, Paulo.

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  3. Bom, o Alex, tem todos os predicados para ser 1º. ministro,caracter, não lhe falta.....
    Gostei nuito Paulo
    Parabéns

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