07/12/12

Madalena dos Olhos Cor de Algas - Capítulo 9


Sexta-Feira, 7 de Dezembro de 2012, 11:00h

Madalena olhava incessantemente para o seu relógio de pulso. Os ponteiros indicavam que eram onze da manhã em ponto. Tentava, em vão, concentrar-se nos diversos processos que tinha em mãos mas sentia-se terrivelmente ansiosa. Na chegada ao escritório, foi informada de que Eva tinha ido repentinamente de férias e por período indeterminado. Ela sentiu um súbito aperto no estômago ao receber a notícia. Tornava-se praticamente evidente que este interregno nas actividades profissionais de Eva estaria relacionado com o seu casamento. A única dúvida que restava a Madalena era se a sua patroa tinha descoberto que ela estava directamente implicada nas traições cometidas pelo marido. Era essa a incerteza que a deixava inquieta e receosa. Em simultâneo, sentia um estranho frémito de alegria com a forte perspectiva de finalmente ter infligido um forte golpe no orgulho da poderosa Eva Andrade Magalhães. Ela ainda tentou esclarecer o assunto com o Alexandre mas ele não lhe tinha atendido a chamada.

Há vários anos que as duas travavam uma espécie de guerra surda dentro da sociedade de advogados. Ignoravam-se subtilmente e limitavam-se a ter conversas de circunstância ou relacionadas com trabalho. A rivalidade datava da época em que o pai de Eva ainda era vivo. O notável Dr. João Andrade Magalhães tinha sido o patrono de Madalena no início da sua carreira. O período de estágio foi penoso mas o empenho e rigor demonstrado pela jovem advogada permitiram-lhe conquistar o respeito e admiração dos sócios fundadores. Nesse tempo, a Eva também já trabalhava no escritório e evidenciava-se como uma jovem promessa no universo do Direito Comercial. Porém, desde logo, se notou que não existia empatia entre aquelas duas mulheres. Eram dois universos diametralmente opostos que entravam em choque. A mãe da Madalena em jeito de brincadeira, costumava dizer que os ricos já nasciam com cara de ricos. Era o caso de Eva. Talvez o resultado genético de uma soma de gerações de uma família culta, influente e abastada que nunca tinha sofrido as agruras do trabalho operário e da carência dos bens mais essenciais. Desde sempre educada nos melhores colégios da cidade do Porto, Eva exalava uma aura de beleza, requinte e altivez que o seu berço de ouro lhe tinha proporcionado. A sua dicção evidenciava o sotaque afectado das meninas da Foz e o seu círculo de amizades era extremamente restrito. No campo oposto encontrava-se Madalena. Desde logo, os seus apelidos familiares Silva Alves nunca poderiam ser comparados aos sonantes Andrade Magalhães. Nascida e criada em Sobrado, uma vila situada nas proximidades de Valongo que se situava nos antípodas sociais da Foz, tradicional área de residência da alta burguesia portuense. Era a filha única de um casal modesto. O pai era marceneiro e a mãe conciliava a vida doméstica com alguns trabalhos de costura para a vizinhança. Com bastante trabalho e sacrifício, tinham-lhe proporcionado a possibilidade de estudar com a esperança que a filha viesse a ter uma vida mais confortável.  

 
Com o passar dos anos foi isso mesmo que acabou por acontecer. Madalena foi subindo gradualmente de posição no seio da sociedade de advogados, mérito do seu trabalho e competência. Comprou um bonito apartamento perto do Marquês, conduzia o seu exclusivo automóvel Lexus, começou a ter cuidados redobrados com a sua imagem e passou a frequentar os restaurantes e bares da moda. Nem por isso a atitude de Eva em relação a ela tinha mudado. Mantinham um relacionamento frio e distante. A sua patroa nunca deixaria de a encarar como uma parola da aldeia que tinha conseguido ascender alguns degraus na escala social. Era tudo uma questão de pedigree.

No entanto, o crescente grau de sofisticação de Madalena foi acompanhado de uma ambição e ânsia de protagonismo ainda maiores. Perdeu alguns tiques provincianos, ficou mais extrovertida e tornou-se uma mulher bastante sensual. Gradualmente, também se foi apercebendo da cobiça e desejo que provocava nos homens. Esta capacidade aliada às suas qualidades profissionais resultaria numa mistura explosiva que lhe poderia proporcionar uma ascensão ainda mais fulgurante. Madalena entrou num jogo perigoso que abalou profundamente a sua moral e a sua educação familiar. O ponto de viragem ocorreu pouco tempo antes do seu antigo patrono se aposentar e retirar do escritório. O eminente Dr. Andrade Magalhães revelou que tinha tanto de perverso como de advogado brilhante. Envolveram-se num escaldante relacionamento extra conjugal onde a submissão e o masoquismo do velho patriarca foram levados ao extremo durante alguns meses. Este caso serviu para cimentar em definitivo a posição de Madalena dentro do escritório e foi a primeira alfinetada sigilosa no nariz empinado de Eva.

A retrospectiva mental dos últimos anos de vida de Madalena foi interrompida subitamente pelo toque do seu telemóvel. Ela estremeceu e olhou algo contrariada para o visor do telefone pousado em cima da secretária. Número confidencial. Só poderia ser ele.

- Estou? – atendeu em voz baixa.

- Olá Madalena. Cumpriu o combinado? – Interrogou o homem do outro lado da linha.

- Sim. O trabalho está feito…

- Muito bem. Preciso que me entregue isso ainda hoje. Vá-se encontrar comigo no Motel Portofino que fica paralelo à Via Norte, uma das saídas da cidade. Nove e meia da noite. Estarei na suite 303. Tem garagem para dois carros. Por favor, não se atrase.

- Lá estarei… - respondeu Madalena, numa voz trémula. Sentiu as mãos a suar.

- Certo. Até logo, Madalena.

- Até logo, Rogério.

Sexta-Feira, 7 de Dezembro de 2012, 21:25h

Nem mesmo os suaves ritmos musicais dos Mazzy Star que ecoavam no rádio do carro de Madalena lhe conseguiram serenar o sistema nervoso. Rogério, aquele homem misterioso, de proveniência obscura e que lhe tinha proposto um perigoso desafio tinha a estranha capacidade de a deixar extremamente agitada. Ao chegar na portaria do motel, foi notificada que o hóspede já estaria à sua espera. Entrou em baixa velocidade na garagem, estacionou a viatura e subiu o pequeno lanço de escadas que dava acesso à suite. Rogério, estava sentado num sofá colocado no canto do quarto e manuseava um computador portátil pousado em cima das pernas. Um homem alto, corpulento, de cabelo desalinhado e rosto seco e bem barbeado. Desviou lentamente o olhar do monitor e franziu o sobrolho ao ver Madalena entrar.

- Boa noite Madalena. Tudo bem consigo? – Saudou, levantando-se do sofá para a cumprimentar.

- Tudo bem. Agora vocês também marcam encontros em motéis? – Perguntou ela, com alguma desconfiança na voz.

- Estou cansado de encontros em cafés e restaurantes de terceira categoria. Estes locais têm os requisitos perfeitos em termos de confidencialidade. O que serve para dar umas escapadelas conjugais também servirá para outros assuntos mais sérios, não é verdade? – Ripostou, com ironia na voz – Mas não vamos perder tempo com essas discussões. Trouxe o que lhe pedi?

- Aqui tem – disse ela, ao entregar-lhe uma pequeníssima câmara de filmar.

- Óptimo!

Rogério, apressou-se a ligar a câmara ao seu computador portátil. Teclou durante breves segundos e depois ficou a observar o monitor atentamente. Esboçou um sorriso cruel quando viu as primeiras imagens.

- Está cumprida a minha parte do acordo? - Perguntou Madalena já impaciente.

- Realizou um excelente trabalho. Isto é um filme digno de um Óscar da pornografia. E tenho a dizer-lhe que o seu desempenho foi estupendo. Na segunda-feira, irá receber a segunda parcela do pagamento que lhe prometemos. Temos aqui o necessário para arrasar com a vida do seu amigo Alexandre.

- Não estou propriamente eufórica com isso. De qualquer modo, aceitei a missão e quero-me afastar deste caso o mais rapidamente possível. No entanto, ainda gostaria de saber como chegaram até mim…

- Foi muito fácil – Rogério insistia num tom irónico – O já falecido Dr. Andrade Magalhães era um homem importante e como tal, foi sempre acompanhado de perto pelo nosso serviço. Quando ficou mais velho tornou-se mais descuidado com os seus devaneios sexuais e descobrimos que a Madalena tinha tido um caso com ele. A partir desse momento, tornou-se a mulher ideal para este trabalho devido à sua proximidade com uma família tão ilustre.

- Entendo o vosso interesse no Dr. Andrade Magalhães. Mas em relação ao Alexandre não consigo compreender as vossas intenções.

- O problema desse sujeito é que gosta de se colocar em bicos de pés. Quem é esse homem, afinal de contas? – Atirou, fazendo um gesto teatral – Apenas um tipo bem parecido que conseguiu dar o golpe do baú ao casar com a filha de um dos advogados mais bem cotados do país. Tirou um curso de Gestão à pressão na Lusíada. Sim, porque ficaria mal à Dra. Eva casar com um gajo sem canudo. Depois do casamento e com o alto patrocínio do sogro, abriu aquele stand de automóveis topo de gama usados para se entreter e pouco depois meteu-se na política. E é aí que começam os problemas. Chegou ao cargo de vereador na Câmara do Porto mas agora quer voos mais altos. Pretende ser cabeça de lista nas próximas eleições autárquicas e está a pôr em causa toda a estratégia de coligações delineada pelos partidos do Governo. Alguns ministros estão a ficar seriamente irritados com ele…

- E vocês fazem os recados que os políticos vos ordenam …

- Minha querida, o que é que você pensa que fazem as secretas deste país falido? Acha que andamos a perseguir fundamentalistas islâmicos ou a fomentar golpes de estado em África? Não se iluda - acrescentou ele, recostando-se no sofá.

- Realmente não é uma matéria que suscite o meu interesse.

- Já é tarde. Deixemos o trabalho de parte. Venha para perto de mim… - disse Rogério, enquanto abria o fecho das calças.

 
- Desculpe, mas isso não faz parte do nosso acordo… - gaguejou Madalena.

- Tem algum contrato escrito? Quer-se queixar ao sindicato dos agentes secretos? O que lhe pagámos dá direito a isto e muito mais – disse ele, num tom jocoso - Vá, deixe-se de merdas e faça uso dos seus talentos.
Pedro Miguel Ferreira

3 comentários:

  1. Apenas gostaria de deixar uma pequena nota explicativa. Tentei comprimir o texto ao máximo para não vos aborrecer. Obviamente que este episódio carece de algum desenvolvimento. Ex: As reacções de Madalena após o telefonema da manhã. Ainda assim, exprimi o que pretendia.

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  2. Até agora pouco sabíamos do passado de Madalena, mas todos temos um passado e esse passado é, sem dúvida, determinante, para o que somos no presente. Quem será realmente Madalena? Teremos que esperar pelos próximos capítulos... Gostei, Pedro Miguel Ferreira.

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  3. Descobri agora q a Madalena é minha vizinha...
    Muito bom esta nova faceta da Madalena,gerando novas teias em volta dos personagens
    Parabéns Pedro, gostei muito

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