E, da mesma forma como entrou,
corre em direcção ao pai chorando, agora não de tristeza, mas de uma imensa e
sentida alegria que lhe corta o fôlego e a respiração. O seu coração saltita
alegremente e as palavras, presas pela emoção, transformam-se em hesitantes e
graciosos sons indecifráveis.
Mas não foi necessário qualquer
esforço para que o pai o entendesse. Os seus pequenos olhos transpareciam toda
a alegria e entusiasmo de o ter de volta. E o seu pequeno abraço não deixou
qualquer dúvida.
E Arturo Zéfiro, sempre distante,
sempre longe. A voz monocórdica da caixa falante continuava alheia à
indiferença do velho Arturo que, num solilóquio, continuava as histórias que a
mãe lhe contara: a fome iminente de uma guerra que se avizinhava, a partida
forçada das terras de Bari e a vontade de um regresso sonhado, a Basílica di
San Nicola, os bombardeamentos durante a 2ª Guerra Mundial, a entrada e saída
constante dos aliados, o gás venenoso…
E a história que se repete, nele.
Tinham sensivelmente a mesma idade quando, cada um, teve de abandonar o seu
país natal.
E, como tantas outras vezes,
regressa aos seus longínquos quinze anos, mas tão presentes. Ah, como se
lembrava! As suas primeiras emoções, o seu primeiro amor, Eliana. Eliana, cujo
nome lhe caía tão bem!
De origem greco-latina, Eliana
significa “Bela como o sol”. Sim, Eliana era um sol. Como lhe doera aquele
afastamento! Como lhe doera aquela ausência!
É subitamente interrompido por
Carlinda que, atropelando as palavras, desorientada pela ausência do pequeno
Liberto, corre, em pequenos passos, de um lado para o outro.
Arturo percebe imediatamente a razão da sua ansiedade. Já lhe é habitual. Aquele menino, dádiva de Deus ou do transcendente, tornou-se uma obsessão, uma preocupação permanente, quase doentia.
Arturo percebe imediatamente a razão da sua ansiedade. Já lhe é habitual. Aquele menino, dádiva de Deus ou do transcendente, tornou-se uma obsessão, uma preocupação permanente, quase doentia.
- Não te preocupes, Carlinda. O
pequeno não fugiu, apenas foi abraçar o pai, que acaba de chegar.
Carlinda corou. Desde que o
marido passara a estar mais tempo fora, começara a sentir uma já conhecida
sensação, mas que esquecera, fruto da monotonia de uma relação desgastada pelo
tempo e pela luta da procriação. Depois, viera o pequeno Liberto e, com ele, os
medos, as inquietações, o cansaço das noites mal dormidas.
Correu para o seu quarto. Abriu
as portas do armário e olhava, imóvel e indecisa, para as suas roupas que lhe
pareciam, agora, ainda mais sem graça. Nunca tivera qualquer inclinação para a
moda. Comprava o que necessitava e lhe trazia conforto.
Escolheu uma saia insinuante,
pelo tecido leve que transparecia de forma tímida e subtil, e uma blusa que
comprara, na última vez que fora às compras, já com o pensamento no regresso do
marido. Depois, retirou de uma caixa que escondera no fundo do armário (não
fosse alguém encontrá-la) a lingerie que há muito aguardava por uma
oportunidade de seduzir.
Enrubesceu, quando se olhou ao
espelho. Nunca tivera tal atrevimento. Não conhecia aquela mulher que, apesar
os seus cinquenta e seis anos, continuava bela e ainda esbelta.
E voltou a ruborizar. Sentia-se
envergonhada por pensar nela, no seu marido e esquecer o filho, o pai, o
emprego, a vida.
Vestiu-se rapidamente e correu para a garagem. Libânio segurava o filho no colo. Riam os dois, divertidos com o ladrar de Rimbaud que, também feliz com o regresso de Libânio, entoava o habitual ritmo do sonetim italiano.
À chegada de Carlinda, Liberto saltou do colo do pai e saiu em direcção ao avô.
Ficaram ambos sem jeito, como se de desconhecidos se tratassem. E o costumado abraço de Libânio não aconteceu. Apenas um ténue e indiferente beijo, na face.
À chegada de Carlinda, Liberto saltou do colo do pai e saiu em direcção ao avô.
Ficaram ambos sem jeito, como se de desconhecidos se tratassem. E o costumado abraço de Libânio não aconteceu. Apenas um ténue e indiferente beijo, na face.
Fernanda Cadilha
Mais um capítulo a resultar muito bem. A escrita é excelente e a história continua cativante.
ResponderEliminarMuito,muito bom
ResponderEliminarParabéns pelo conto que continua interessante