10/04/13

A Morte dos Cipriotas - Capítulo III

E, da mesma forma como entrou, corre em direcção ao pai chorando, agora não de tristeza, mas de uma imensa e sentida alegria que lhe corta o fôlego e a respiração. O seu coração saltita alegremente e as palavras, presas pela emoção, transformam-se em hesitantes e graciosos sons indecifráveis.
Mas não foi necessário qualquer esforço para que o pai o entendesse. Os seus pequenos olhos transpareciam toda a alegria e entusiasmo de o ter de volta. E o seu pequeno abraço não deixou qualquer dúvida.
 
E Arturo Zéfiro, sempre distante, sempre longe. A voz monocórdica da caixa falante continuava alheia à indiferença do velho Arturo que, num solilóquio, continuava as histórias que a mãe lhe contara: a fome iminente de uma guerra que se avizinhava, a partida forçada das terras de Bari e a vontade de um regresso sonhado, a Basílica di San Nicola, os bombardeamentos durante a 2ª Guerra Mundial, a entrada e saída constante dos aliados, o gás venenoso…
E a história que se repete, nele. Tinham sensivelmente a mesma idade quando, cada um, teve de abandonar o seu país natal.
E, como tantas outras vezes, regressa aos seus longínquos quinze anos, mas tão presentes. Ah, como se lembrava! As suas primeiras emoções, o seu primeiro amor, Eliana. Eliana, cujo nome lhe caía tão bem!
De origem greco-latina, Eliana significa “Bela como o sol”. Sim, Eliana era um sol. Como lhe doera aquele afastamento! Como lhe doera aquela ausência!
É subitamente interrompido por Carlinda que, atropelando as palavras, desorientada pela ausência do pequeno Liberto, corre, em pequenos passos, de um lado para o outro.
Arturo percebe imediatamente a razão da sua ansiedade. Já lhe é habitual. Aquele menino, dádiva de Deus ou do transcendente, tornou-se uma obsessão, uma preocupação permanente, quase doentia.
- Não te preocupes, Carlinda. O pequeno não fugiu, apenas foi abraçar o pai, que acaba de chegar.
Carlinda corou. Desde que o marido passara a estar mais tempo fora, começara a sentir uma já conhecida sensação, mas que esquecera, fruto da monotonia de uma relação desgastada pelo tempo e pela luta da procriação. Depois, viera o pequeno Liberto e, com ele, os medos, as inquietações, o cansaço das noites mal dormidas.
Correu para o seu quarto. Abriu as portas do armário e olhava, imóvel e indecisa, para as suas roupas que lhe pareciam, agora, ainda mais sem graça. Nunca tivera qualquer inclinação para a moda. Comprava o que necessitava e lhe trazia conforto.
Escolheu uma saia insinuante, pelo tecido leve que transparecia de forma tímida e subtil, e uma blusa que comprara, na última vez que fora às compras, já com o pensamento no regresso do marido. Depois, retirou de uma caixa que escondera no fundo do armário (não fosse alguém encontrá-la) a lingerie que há muito aguardava por uma oportunidade de seduzir.
Enrubesceu, quando se olhou ao espelho. Nunca tivera tal atrevimento. Não conhecia aquela mulher que, apesar os seus cinquenta e seis anos, continuava bela e ainda esbelta.
 
E voltou a ruborizar. Sentia-se envergonhada por pensar nela, no seu marido e esquecer o filho, o pai, o emprego, a vida.
Vestiu-se rapidamente e correu para a garagem. Libânio segurava o filho no colo. Riam os dois, divertidos com o ladrar de Rimbaud que, também feliz com o regresso de Libânio, entoava o habitual ritmo do sonetim italiano.

À chegada de Carlinda, Liberto saltou do colo do pai e saiu em direcção ao avô.
Ficaram ambos sem jeito, como se de desconhecidos se tratassem. E o costumado abraço de Libânio não aconteceu. Apenas um ténue e indiferente beijo, na face.

 
Fernanda Cadilha

2 comentários:

  1. Mais um capítulo a resultar muito bem. A escrita é excelente e a história continua cativante.

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  2. Muito,muito bom
    Parabéns pelo conto que continua interessante

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