17/04/13

A Morte dos Cipriotas - Capítulo IV


O costumado abraço de Libânio não aconteceu. Somente um olhar, um esmorecido sorriso, antes de entrarem em casa. Pensamentos. Sentidos desconhecidos obrigam Carlinda a deter-se no átrio da entrada numa prece silenciosa à Nossa Senhora dos Ventos, sua protetora.
 

Quem pensava conhecê-la enganava-se. Toda ela era explosão num disfarce de mulher sem emoções. Tornava-se cada vez mais difícil aparentar a sua normalidade. Não se sentia anormal, mas estava cansada de transparecer a imagem com que a tinham modelado.

A educação tradicional tinha castrado a espontaneidade a sensualidade, o fogo arreigado à sua origem latina e distante. Todo o seu ser era o reflexo ambivalente da natureza. O seu âmago cristalino explodia tal ribombar das ondas daquele oceano agitado.

O Dr. Luizinho, verdadeiro amigo, era a única pessoa que a conhecia e em quem podia confiar. Devia-lhe dois milagres, o da maternidade do seu menino e o da sua própria maternidade. Numa noite mal dormida, ao deambular pela casa decidiu tomar os conselhos do seu amigo. Partiu para a cidade numa ânsia de estudar de aprender, de renascer.

Libânio por essas lonjuras tinha conhecido mulheres belas, insinuantes, provocadoras.

Tinha feito amigos de verdade. Mas o com o desenrolar dos anos apoderou-se dele um cansaço. Cansaço das suas longas viagens, da sua profissão, de impingir “banha da cobra”. Finalmente a furgoneta encaminha-o para o seu lar, para o seu filho, para a sua mulher.

Apertava Liberto nos braços quando Carlinda se aproximou.

Não sabia definir, mas algo mudara. Aquele rosto ruborizado, aquele corpo a emanar sensualidade. Queria-a, como a queria! Mas reprimiu as suas emoções e deu-lhe somente um ténue beijo.

Na tagarelice do jantar, o pai ia contando histórias que Liberto não se cansava de ouvir. A brisa primaveril convidava a adiar o leito das noites solitárias.
 

Embrenhada na penumbra noturna Carlinda perscrutava a sua vida. Adormecido o filho, Libânio aproxima-se. O fascínio apoderou-se dele. O tempo parou! O tempo voou! Loucura total numa simbiose de corpos, partilhados, espraiados naquela imensidão de mundo. A mesma entrega, o mesmo envolvimento.

Mas, no apaziguado dos corpos, Carlinda viu voltar-lhe o mesmo semblante de algo por dizer, por fazer. Por definir.
 

Ana Moreira

2 comentários:

  1. Personagens que deixam transparecer algum possivel segredo, trama que se adensa. Muito bem, Ana. Gostei.

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  2. Que se passará na cabeça de Libânio?
    Parabéns Ana Gostei

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