Percutiu, vibrátil pelos corredores, aquela melodia pitoresca que ressuscitou o olhar de Arturo.
Entrou na máquina do tempo e eclipsou de corpo e alma até Paphos, a pacata e mística cidade portuária do sudoeste da Ilha de Chipre, local que o viu nascer.
Estava agora no terraço de uma sala imaculadamente caiada, com as portadas de madeira, carcomidas pela brisa marinha, escancaradas para um mundo incógnito que o infinito azul ante vinha.
Naquela sala bailavam versáteis acordes de piano debruados com requinte pelas mãos de Bianca, a irmã mais velha de Arturo.
A acalmia do mar translúcido que banhava o horizonte, agora acobreado pelo mergulho do pôr-do-sol, era mesclada por aquele inconfundível ruído de teclado.
Depois de mais um extenuante dia de trabalho, Arturo, que seguira as passadas do pai, Nicholas, mais conhecido entre a comunidade piscatória como “Gladiador” pelo seu porte atlético, encontrava-se a reparar as redes de pesca.
Fascinado com a música que Bianca ritmava, com um alegrete frenesim de movimentos corporais acompanhados pela valsa dos seus longos cabelos ruivos, idolatrou-a com um sorriso comunicante, como se de uma deusa se tratasse. - Pai, pai, sentes-te bem? - Retorquiu Carlinda, apavorada.
- É ela, só pode ser ela. A minha Afrodite! - As lágrimas de felicidade corriam-lhe pela face, matizando as rugas que todos aqueles anos de distância lhe acresceram ao rosto.
- É ela, só pode ser ela. A minha Afrodite! - As lágrimas de felicidade corriam-lhe pela face, matizando as rugas que todos aqueles anos de distância lhe acresceram ao rosto.
Já tinham passado tantos anos, já nem se atrevia a contá-los, restara-lhe apenas a esperança que o Alzheimer chegasse e lhe levasse a saudade.
Corria o ano de 1938. Na tarde fria e chuvosa de 19 de Dezembro chegaram a território português, à prometida terra fértil de novas oportunidades.
Chegaram ao Porto de Lisboa, localizado no encontro das águas do rio Tejo e do Oceano Atlântico, e foram recepcionados pelo caos. Ocorrera um grave incidente, a colisão entre o cacilheiro “Tonecas” e a draga de sucção “Finalmarina” que vitimizou inúmeras pessoas.
Bianca, com os seus 9 anos de muita lucidez, disse “Já parece um mau presságio”.
Nunca se conformou com a saída forçada da sua pátria, e dizia constantemente “Um dia voltarei a ser cipriota".
No Bairro a família de Arturo era mirada de soslaio. Numa cidade maioritariamente católica, os ortodoxos eram vistos como seitas pouco desejáveis, os círculos sociais fechavam-lhes as portas, eram apontados e apoquentados.
Bianca vivia revolta com estas perseguições e exclusões. Já adolescente começou a participar em grupos de índole “pouco claro” aos olhos da ditadura salazarista. Tornou-se uma persona non grata e teve de fugir do País evasiva à PIDE, datava de Agosto de 1951.
Desapareceu sem deixar rasto, nem um bilhete, um aviso, uma pista, nada.
Desapareceu sem deixar rasto, nem um bilhete, um aviso, uma pista, nada.
Arturo, com a inesperada agilidade de outros tempos, desceu a escadaria em galope até ao rés-do-chão. Deparou-se com uma jovem mulher sentada ao piano, tinha uns longos cabelos ruivos, e emanava um agradável perfume flor de jasmim.
Tocou-lhe no ombro direito, e ela voltou-se repentinamente em sobressalto. Fixou-lhe um olhar verde água, hipnotizando Arturo que balbuciou numa voz arrastada "Não pode ser?!".
Marlene Quintinha
Parabéns Marlene
ResponderEliminargostei muito