O céu, carregado de nuvens pretas,
anunciava uma tempestade eléctrica. O calor abafado, que pairava no ar, fazia
escorrer o suor pela testa de Vasco que, impaciente, esperava por Patrícia.
-Finalmente! Pensei que te tinhas esquivado…
-Disse-te que não demorava… podes
confiar um bocadinho mais em mim, não?! Estou aqui, certo?!
Vasco acabou por ficar aliviado ao
reencontrar Patrícia. A atração física que sentia por ela fazia o coração
borbulhar de felicidade.
-Vasco, não podemos voltar para casa.
Tenho que tirar a Eliana do país. Estou com o pressentimento de que ela corre
perigo… Giuseppe está na mira dela… não posso deixar que a luz dos meus olhos
sofra qualquer tipo de ameaça.
O rosto de Patrícia demonstrava um
misto de amor e pânico em simultâneo.
- Vou telefonar à minha amiga Larissa
para ver se nos pode acolher, pelo menos esta noite.
Enquanto Vasco comia um hambúrguer
com batatas fritas, Patrícia deslocou-se à cabine telefónica para ligar à amiga
e, posteriormente, à sua irmã Celine para que preparasse Eliana que já iriam buscá-la.
A trovoada disparou, as nuvens pretas
e carregadas de água encheram de imediato as ruas, a circulação de peões e de
veículos transformou-se numa confusão sem fim. O ruído das travagens bruscas dos
carros faziam-nos deslizar sobre o alcatrão intensamente molhado. A humidade da
chuva ao penetrar no solo extremamente quente fazia surgir uma espécie de
nevoeiro, transformando o dia em noite.
-Táxi, táxi! – Gritava, freneticamente,
Patrícia fazendo sinal com o braço para que o primeiro carro que aparecesse
parasse em frente ao shopping.
O táxi levou-os por entre aquela
chuva intensa, onde os carros, em fila, andavam a passo de caracol. Aquelas
pingas grossas que caíam no para-brisas e no tejadilho do carro tornavam aquela
tarde ainda mais pavorosa.
Após o longo tempo que demoraram para
percorrer escassos quilómetros, chegaram a casa. Enquanto Patrícia foi buscar
Eliana, o táxi aguardou uns instantes para os transportar novamente até ao
apartamento da Larissa.
Patrícia fez as apresentações e
Larissa, muito amável, deixou os três muito à vontade. Informou-os que iriam
passar a noite sós, porque a sua profissão de polícia exigia que ela se
ausentasse para desvendar um crime ocorrido na cidade.
A pequena Eliana sentou-se em frente
à televisão na pequena sala para assistir uma série de desenhos animados.
Patrícia e Vasco, na cozinha, tomavam um café e conversavam, em tom baixo,
sobre a eventual saída de Eliana do país.
-A minha filha precisa de sair imediatamente
do país, pressinto que ela corre perigo. Giuseppe e a turma dele são gente
mafiosa e sem escrúpulos… – disse com a voz trémula, repleta de preocupação.
-Espera… tenho o meu amigo Rui, que
para mim é como se fosse um irmão. Ele tem uma habitação de turismo rural numa
aldeia em Trás-os-Montes, norte de Portugal, que poderia servir como refúgio
para a tua filha. É um sítio muito calmo onde a beleza da natureza se mistura
com a hospitalidade e generosidade daquela gente. Ali, tenho a certeza, que não
correria perigo.
-Parece-me uma boa solução… a minha
irmã Celine, como está desempregada, poderia acompanhá-la,
só que… neste momento não tenho dinheiro para as passagens…
-Quanto a isso, não te preocupes! Eu
trato de tudo… pela minha querida sobrinha faço tudo - afirmou Vasco, orgulhoso,
por proteger a pequena Eliana. Ele começava a sentir por ela um amor paternal.
Patrícia de olhos postos no seu
portátil e no seu inseparável bloco de notas onde anotava todas aquelas pistas
que, supostamente, serviriam ao desmembramento do enigma de Giuseppe e Duarte,
começou por escrever “CHIAWITSWEL” numa folha branca como se esta fosse a
verdadeira pista para desvendar os negócios sujos de Giuseppe.
As poucas vezes que Duarte a visitava
e sempre que apanhava o telemóvel esquecido na mesa da sala ou no quarto,
copiava, num ápice, as mensagens obscuras para o seu bloco de notas. Era neste
pequeno maço de folhas que ela tentava, de há uns tempos para cá, descobrir
alguma coisa de concreto para incriminar de uma vez por todas Giuseppe e os
seus compinchas. Receava por Duarte, afinal era o pai da filha dela, porém não
poderia continuar a viver naquele clima de insegurança. Fazia jogo duplo com o
dono do Dom Café para sacar toda a informação que a conduzisse a uma pista para
se fazer justiça e viver em paz com Eliana.
A mnemónica “CHIAWITSWEL” poderia ser
uma password, mas também uma sigla qualquer relacionada com o tipo de serviços
sujos que Giuseppe estava habituado a praticar. Talvez fosse um código verbal
para a carga ou descarga de mercadoria ilícita. Este conjunto de letras também
constava numa das mensagens de Duarte, que após o recebimento desta, saiu
rapidamente sem despedidas.
Que raio de mensagem daria aqueles
caracteres? Foi escrevendo várias tentativas na folha, mas não conseguiu chegar
a uma conclusão que a satisfizesse. Desistiu, por instantes, e foi até à janela
da cozinha para espairecer a cabeça. Enquanto observava o céu, que já se
encontrava azul e pacífico e onde o sol voltava a sorrir com os seus raios luminosos,
sentiu-se inspirada para, mais uma vez, voltar a sentar-se em frente dos papéis
que a rodeavam.
Analisou, minuciosamente, todas as
pistas escritas e, após muitas tentativas, compôs esta frase:
C – cocaína
H – hoje
I – importada
A – através
W – Morro do Careca
I – Interpol
T – tem
S – socorrido
W – work (trabalho)
E – encomenda
L – levantar
Elaborou então uma frase: “Através do
Morro do Careca, a Interpol ajuda no trabalho da distribuição e no levantamento
do produto encomendado - cocaína.“ Se o seu raciocínio estivesse correto,
estaria no caminho certo para apanhar uma série de criminosos, inclusive,
agentes da Interpol. Guardou sigilosamente esta frase para mais tarde mostrar à
sua amiga Larissa.
Vasco tinha adormecido, no pequeno
sofá de pele, com a sobrinha ao colo. Patrícia, ao ver tal gesto fraternal, comoveu-se
ao ponto de soltar algumas lágrimas gordas pelo rosto abaixo.
Sónia Ferreira
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarMuito bem, Sónia! Para mim, mesmo sem ler os anteriores, este capítulo está muito bem escrito e com a devida pontuação. Toda a narrativa me prendeu a atenção para a leitura!
ResponderEliminarDina