25/05/16

Razão de Existir - Capítulo XI

Fotografia de Paulo Emanuel 

Sebastião, o justiceiro, não queria enfrentar a justiça. Mas isso existe? O que é isso de justiça, num mundo que é intrinsecamente injusto, onde morrem pessoas sem terem feito mal nenhum, enquanto outras vivem na opulência fruto de toda a espécie de crimes impunes contra a dignidade da pessoa humana?

Sebastião, o criminoso, não queria ser criminalizado, ainda que, suprema ironia, desta vez, talvez da única vez, talvez pela última vez, não tenha cometido crime nenhum.

Sebastião estava deitado entre lençóis brancos, numa cama de hospital. Circundavam-no uma quantidade enorme de tubos e fios. A seu lado alguns monitores mostravam sinais que subiam e desciam a um ritmo compassado, embora por vezes fraco, embora por vezes irregular, enquanto um deles soltava um pio periódico, qual ave agoirenta.
Um segundo AVC era o responsável pelo seu internamento. É fácil culpar um AVC: ninguém está livre, acontece a qualquer um, até a novos, quanto mais a alguém já com noventa anos.
Comportamentos de risco são coisas para encher artigos de jornal, debates de televisão e para ser usados como publicidade a produtos milagrosos. No caso de Sebastião ninguém o acusava de ter um comportamento de risco pela simples razão que ninguém o conhecia. Ninguém sabia o quanto a sua pulsação subia, o quanto a sua tensão arterial aumentava, com os constantes pensamentos de raiva, de ódio, a sua sede de vingança. E tudo isto num corpo já com noventa anos de uso.
Sim, ninguém sabia o que ia dentro daquela cabeça, tal como ninguém sabia o que fizera ao longo da vida porque, como “agente secreto”, sempre soubera manter-se na sombra sem ser visto.
Pensava? Não era certo que o fizesse, em todo o caso a doença era um revés para a sua estratégia.
Como ele próprio já reconhecera, mesmo sendo absolvido não impedia que a desconfiança desaparecesse da cabeça das pessoas. O que o preocupava mais era a ideia de vingança, da sua justiça.

Sebastião era uma mente simples e obediente, e o simples aqui é usado no sentido de pequenez de espirito. Foi essa sua simplicidade e obediência que fizeram dele um criminoso. Deram-lhe uma arma e mandaram-no matar pessoas e ele, obedientemente foi. Sem questionar porquê.
Soubesse ele que as pessoas contra quem combatia lutavam pela terra que era sua, que lhes tinha sido roubada muitos séculos antes.
Soubesse ele que há muito muito tempo, antes de ter sido inventada a palavra terrorismo, grupos de cavaleiros das ondas montados nas suas caravelas, transformaram num inferno a vida de pessoas inocentes, que apenas tratavam das suas mandiocas e pescavam os seus peixes, roubando-as, escravizando-as, matando-as.
Não sabia nada disso, porque na escola não lho ensinaram. Apenas aprendeu que há um poder central que decide o que as pessoas podem ou não fazer, que premeia os bons cumpridores e castiga os maus revoltosos. A vida ensinou-lhe também que os que matavam mais e os que torturavam melhor eram até condecorados e considerados heróis.

Quis o destino que se visse impedido de continuar com os seus planos. Pelo menos temporariamente, quanto ao futuro era uma incógnita porque o seu prognóstico era reservado.
Será isto justiça?

Um médico e uma enfermeira com alguns exames na mão entram na enfermaria.
- E agora doutor?



                                                                                         Paulo Emanuel 

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