Fotografia: Albino Pereira |
Vor
der Kaserne / Vor dem großen Tor
Steht
'ne Laterne / Und steht sie noch davor
Dort
wollen wir uns wieder seh'n /Bei der
Laterne woll'n wir steh'n
Wie einst Lili Marleen / Wie einst Lili Marleen.
António tinha pelos seus pais o amor que
se esperaria de um filho único, mas não o suficiente para lhes dar a alegria
que mais queriam: que casasse com uma rapariga das redondezas, assumisse a loja
da família e tivesse uma vida feliz, tranquila como a que eles viviam.
Na base alemã, em que trabalhava como
pintor de carros, António tinha sabido de muitas histórias que lhe provocaram
um profundo descrédito nas raparigas, em geral, mas particularmente nas da sua
terra. De forma despudorada,
ofereciam-se aos germânicos que por ali trabalhavam, também eles uns quase
proscritos da Alemanha próspera e distante. Ali, em terras do Portugal
profundo, agiam como se fossem seres superiores. A constante subserviência dos
locais dava-lhes essa falsa sensação, que depressa assumiam como real.
Para muitas das raparigas, um alemão (um
alemanito, diziam elas) significava fugir a uma vida de miséria, labutando
desde que os primeiros raios de sol apareciam até às badaladas salvíficas das
Trindades, em troco de pouca coisa.
António namorava com uma telefonista da
base, Justina. Ambos tinham salários astronómicos quando comparados com os dos
seus compatriotas – tinha-lhes saído a sorte grande: era como se trabalhassem
na Alemanha, como se tivessem emigrado, mas sem ter sido preciso sair da sua
terra natal. Para se ter uma ideia, nenhum deles ganhava menos de 1.500 escudos
por mês e o salário de um trabalhador rural, nessa altura, era de 100 escudos.
Mas a vida não acalma as inquietações nem
os estados de insatisfação, que se vão renovando à medida que vão sendo
satisfeitos. E Justina, como as suas amigas, também se deixou seduzir pelo
encanto da novidade que os alemães traziam. António não quis acreditar no que
lhe contaram os seus melhores amigos. Saiu com um olho negro, mas lutou pela
honra da sua Justina – andava lá ela enrabichada pelo chefe da secção, um tal
Kléber já entradote na idade e com uns olhos azuis que impressionavam pela
frieza que transmitiam! Quando a
confrontou com esse boato, Justina acabou com o namoro e António deixou o bom
emprego, passando a viver das economias que tinha posto de lado para a vida que
sonhara construir com a Justina. Começou a ajudar o pai na taberna/mercearia
não pelo dinheiro que dava, mas para se trazer ocupado.
Quando Ludwig Erhard (o economista, na
altura, em funções no governo alemão) passou por Lisboa, os dirigentes da base
rumaram à capital por dois dias e a “torre dos solteiros” nunca foi tão
concorrida. Até Justina, contaram-lhe depois os seus amigos que continuavam a
trabalhar na base, por lá fora vista.
Este desgosto amoroso ditou-lhe de forma
permanente a sua postura na vida. As mulheres não lhes inspiravam confiança e
servia-se delas e dos seus sonhos sem lhes devolver mais que promessas e
momentos de amor carnal. E filhos.
De todos, preocupava-o em especial a
Clarinha. Uma miúda, embora muito frágil, de bom coração e, sabe-se lá porquê
ou como, com um sorriso constante que lhe irradiava o rosto. Era sagaz e
António e Adelaide, a mãe, tudo fizeram para que ela estudasse e conseguisse
quebrar as voltas ao destino a que Adelaide não escapara.
A aprovação da Clarinha no exame da quarta
classe fora a melhor notícia que António recebera nos últimos meses. Esperava
que a doutora Manuela já tivesse recebido os resultados das análises que tinham
sido enviadas para um laboratório mais avançado, lá da capital. E que soubesse
como curar a Clarinha. A doutora Manuela tinha-se divorciado de um oficial da
base com quem vivia em Lisboa e agora regressara à terra, recuperando um
casario de uma tia a quem pouco ligara em vida, mas que sucedera ser sua
herdeira por ser a única parente viva. Pelo menos assim acreditavam.
Manuela tinha mantido o nome da casa que
herdara: Casa das Tílias, escrito num belo conjunto de azulejos na parede que
segurava o pesado portão da entrada. Manteve o nome embora não percebesse a
razão de tal denominação pois não havia uma única tília nem no jardim nem sequer
junto do regato. Teria sido uma vontade por cumprir da sua tia? Ai quem lhe
dera ter conhecido melhor esta parente. Foi com esta vontade que Manuela
começou, finalmente, a prestar atenção ao conteúdo dos gavetões dos móveis
pesadões do salão principal bem como a querer saber o que continham as três
arcas em madeira maciça, com fechaduras que lhe faziam lembrar os tempos
medievais. Apesar desta curiosidade, Manuela não pode evitar um calafrio quando
descobriu, na biblioteca, vários livros em alemão e uma série de discos, com
sinais de muito uso, um ou outro da Edith Piaf mas quase todos da Marlene
Dietrich.
Albino
Pereira
O Albino Pereira que conheço não tem um pingo de imaginação.
ResponderEliminarBem ao contrário deste.
Boa semana
o conto continua muito charmoso!
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