11/04/22

Na Fragilidade do Barro - Capítulo 13


Por vezes, o tempo parece definhar devagar, sem termo nem destino e sem qualquer propósito que não seja o de manter tudo aparentemente no mesmo lugar, tornar as cores da tecelagem onde existimos mais pronunciadas e o contorno de cada figura mais definido e o que começamos por sentir como suspeita, amadurecer em certeza inegável.

Assim acontecia com Clara, agora já mulher.

Durante os breves anos da sua existência sempre sentira que a sua vida havia sido orquestrada por outros que, embora munidos pela boa vontade, tudo fizeram para a privar de qualquer dor, como se a dor ou as contrariedades mundanas não fossem um meio para o crescimento.

Não ousava ser de todo ingrata, mas pressentia que lhe guardavam segredos que tinha todo o direito de conhecer porque também a si lhe diziam respeito. O pai fechado no seu habitual mutismo sobre a sua vida passada não lhe dava o direito de conhecer os irmãos que ele não perfilhara e, a verdade é que era uma filha única de um pai e muitas mães: Adelaide, Manuela, Lurdes, Alice… um conjunto de anjos caídos que pareciam orbitar à sua volta.

A sua juventude revoltava-se por se libertar, por ir contra os seus desígnios, só porque sim, e impacientava-se ao constatar que os seus próximos anos estavam já meticulosamente planeados: acabar o secundário, ingressar o magistério primário e, no final da linha, parecia-lhe, uma vaga no Colégio do Sagrado Coração de Maria onde Alice tinha uma grande amiga.

E se pudesse trilhar o seu caminho? O que faria ou que caminho escolheria? Não era tanto a dúvida que a vida que lhe apresentavam não lhe agradasse, mas muito mais certeza da ausência de quaisquer outras opções de escolha.

O Joaquim e os seus beijos sob o limoeiro eram o seu ato de secreta rebelião.

Era um rapaz um pouco tonto, mas o que demonstrava sentir por ela, enchia-lhe o coração de sonhos de uma vida que existia para além da sua.

Não se imaginava, porém, como mulher casada. Isso ela não lhe confessara nem que receava vir a ser mãe – lera numa enciclopédia na biblioteca da escola as atrocidades pelas quais uma mulher passava para dar à luz, por isso, esse sonho tão pouco romântico estava descartado bem no interior da sua mente onde guardava todas a pequeninas grandes decisões que ia tomando.

Também decidira tentar andar só com uma muleta e depois apenas com uma bengala. Qualquer escada que se lhe apresentasse na Faculdade poderia ser uma barreira para assistir a algumas aulas. Por isso, sem que Lurdes se apercebesse, treinava todos os dias a subida até ao segundo andar da enorme casa onde viviam, o que lhe havia valido fortes dores nas ancas quando se deitava – era tudo por um propósito maior – quase estava também inteiramente pensada a decisão de vir a ser advogada ou, mesmo juiz, entrar nos movimentos estudantis de que lera em algumas publicações proibidas, lutar pela liberdade e pela justiça tão maltratada por quem detém o poder no país.

 

                                                                           Rosa Lídia Santos

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