26/12/22

Estendais - Capítulo 6

 


Clô - 7º Dto

 

- Vizinha! Vizinha Clô, o meu vestido está pronto? - Ah, é a Estelinha do 6º Dto a gritar da sua janela, quer saber se o seu vestido está acabado.

Todos os inquilinos do prédio combinaram reunir-se na garagem, com o intuito de se conhecerem melhor. Festejar é uma boa ideia, com a qual todos concordaram. A Tixa, a vizinha brasileira que está sempre a querer reunir todos, já tinha tudo preparado para festejar o Natal, mas faltavam alguns que iam celebrar o nascimento de Jesus com as suas famílias, daí que adiamos para o Ano Novo.

As minhas novas vizinhas ainda não sabem o meu percurso de vida. A Mme Clô, ou seja, eu, grande modista de Lisboa, disponibilizei-me para confeccionar todos os fatos para esta noitada, mas sem revelar de onde vinha a minha confiança para realizar tal feito. Sou uma profissional experiente que tive a melhor clientela na zona onde residia anteriormente, nos teatros de revista, nas televisões e até em Paris tinha clientes, mas a vida muda e agora tenho é que seguir em frente. Já terminei todas as obras de costura para a ocasião!

A vizinha Rosa do 1º Esq., que é cabeleireira, deu um jeitinho nos nossos cabelos e a Margarida, a mais vaidosa do prédio, comprometeu-se a fazer a maquilhagem dela e de toda a vizinhança. Só falta chegar o meu companheiro, mas está quase, quase... Depois que o infortúnio nos bateu à porta e as cheias destruíram a nossa casa, ele decidiu aceitar uma proposta de trabalho no estrangeiro, onde irá ganhar um bom dinheiro.

- Sim, vizinha pode vir buscar. – Respondi à Estelinha, com alegria e vaidade por ter vestido todos com glamour.

 Nesta altura ouço tocar a campainha da porta, o coração bate apressadamente... será!?... Não, ainda não é quem eu esperava, mas sim a esposa do vizinho Euclides que vem buscar o seu fato. Entramos em diálogo sobre as artistas de televisão que ambas conhecemos em Lisboa, as cusquices, as glórias, as invejas e tudo o mais que lá vivemos. Ela demonstra estar por dentro do assunto, tanto quanto eu. Demoramos um pouco mais que o previsto e eis que ouço o ranger do velho e ferrugento elevador, quando a porta se abre, eu olho e deparo-me com o meu homem... lanço-me nos braços do meu amor, mas o seu abraço não é o mesmo que tão bem conheço. Sinto um arrepio, está estranho, diferente… algo se terá passado…

Entretanto na garagem, as crianças já tinham enfeitado o espaço com balões e fitas coloridas, a festa começava a ter vida. A Luísa do 3º Dto levou o seu PC para passar a bela música a que nos habituou. A Fernanda com a sua melancolia sentou-se num canto, mas a Luísa fez logo saber que ali só queríamos pessoas alegres e divertidas, puxando-a para um pezinho de dança e seguindo a boa disposição, entraram todos na farra, O vizinho David era o animador das anedotas, a vizinha das águas furtadas, a outra Fernanda, iria brindar-nos com uns fadinhos que costumava cantar quando estava com amigos, só faltava o vizinho argumentista, sempre metido no seu canto, mostrou pouca vontade de conviver; o Bessa tinha prometido levar umas bombinhas para rebentar à meia–noite, e mais alguns que ainda não conhecemos; mas…, que surpresa! Nesse momento, entram, todas ao despique, algumas vizinhas que se disponibilizaram para os petiscos... a Tixa trazia a feijoada à brasileira que tinha prometido e a sua vizinha de baixo apresentou o cozido à portuguesa, não querendo ficar para trás. E o Pedro apareceu com um tabuleiro de passarinhos fritos… hum, que cheirinho! Quanto aos doces, cada um trouxe o que de melhor sabia fazer.

Logo atrás das iguarias, surge um homem de fato preto com pulseiras e fio de ouro ao pescoço, que saudou os presentes:

- Boa noite…. há lugar para mais um?

Era o administrador do edifício, que, depois de se aperceber da festa aproveitou a ocasião para nos pedir o dinheiro da renda.

O João, que já o conhecia e cá pra nós, ninguém lhe faz o ninho atrás da orelha, já tinha a relação das necessidades de cada andar, olhou para ele, mediu-o de cima a baixo e com ar superior perguntou-lhe se tinha sido convidado, porque no bom viver, a casamentos e batizados só vão os convidados… e o pagamento da renda é até dia oito.

Foi então que mais uma vez a Luísa salvou a situação deliciando-nos com mais uma canção do seu reportório.

Mas os constrangimentos ainda não tinham acabado. O vizinho Euclides e a esposa, que como sempre estavam atrasados, entravam nessa ocasião e ela logo dirigiu um olhar interrogador ao meu companheiro. Ele, ao meu lado, tentava disfarçar. Mas eu vi e senti tudo! O que é que a Benevides sabia do meu homem que eu não sabia?

 

                                                                  Clotilde Morgado Fonseca

 

4 comentários:

  1. Isto está a ficar cada vez melhor... ó, Clides!!! Então a sua senhora já está a arranjar-lhe enfeites???

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ela é um amor. Faz tudo, literalmente tudo para me ver feliz.

      Eliminar
  2. O Euclides que eu conheço é o oposto.
    Enfeita outras :))

    ResponderEliminar

Esperamos que tenha apreciado a nossa escrita e que volte a visitar-nos. Deixe-nos a sua opinião. Obrigado!