13/03/23

Estendais - Capítulo 14

 


Fernanda - 6ºesqº


Finalmente alojei os móveis por tanto tempo guardados numa arrecadação em casa da prima Helena, no espaço agora escolhido para viver. De alguns nem me lembrava já, tanto durou o meu afastamento. Móveis sóbrios de alguma qualidade, alguns herdados dos pais de Eurico, que também andaram emigrados pelas Índias. Acolhi-me neste vasto apartamento, bem dividido com boas vistas para o mar e com um espaço lindo, luminoso para poder realizar as pinturas de que tanto gosto - para mim uma actividade calmante e recreativa, em simultâneo -  no meu dia a dia. Eurico, meu marido foi, desde que terminou medicina (1970) um trabalhador empenhado na Organização Humanitária dos "médicos sem fronteiras". Curiosamente o ano em que esta recebeu o Prémio Nobel da Paz! Foi para ele um bom augúrio.... Acompanhei-o sempre que possível juntamente com o nosso filho Luís, que passou a frequentar as escolas dos sítios que escolhíamos para morar.

Aconteceu em África, quase sempre no Uganda - território tão instável, e tão massacrado pelas guerras constantes de cariz religioso sobretudo. Implantámo-nos na capital, Kampala, num bairro simples e aconchegante, relativamente perto da Associação, para que Eurico pudesse mais facilmente estar connosco nas suas folgas. Foi uma época linda, de muitos momentos felizes, em que nos foi dado a conhecer pessoas várias, com gostos e costumes diversos, possuidores de uma enorme riqueza humana. Entretanto terminou: Eurico faleceu sem qualquer previsão, (Quando se prevê tal?) num acidente de JEEP, quando se deslocava em trabalho. Foi uma consternação para todos que o conheceram e com ele trabalharam, e para nós família, um grande desgosto. Só acalmado um pouco pelo bem que sabíamos Eurico ter espalhado pela comunidade local e vizinhança, também. Estava Luís a terminar, nessa altura, a especialidade de medicina pediátrica e depressa tomou o lugar do pai (como costumo dizer). Optou por estabelecer residência fixa naquele rincão africano com sua companheira Enfermeira Pediátrica, Emma, Ugandesa.

Foi nesta altura que decidi regressar a casa, mas fazendo viagens esporádicas para visitar a família agora aumentada com os gémeos Paul e Patrick. Por cá visitei vários apartamentos nesta zona linda, e curiosamente encantei-me com este que agora habito no 6ºesqº. Parcela de um edifício antigo e lindo, de uma traça original, ainda com raízes na Arte Nova... O que mais me atraiu e convenceu foram as divisões amplas, para o habitualmente visto e a incidência dos raios solares durante grande parte do dia. Ah, não falando das bonitas vistas de que disfruto da sala maior. Mesmo por cima da minha habitação, tenho um vizinho, João, do 7º esqº, amante de música, que por vezes passa discos que ouço tão bem através da janela que mantenho sempre aberta (hábito adquirido das vivências tropicais) e que me trazem á memória, imagens da felicidade vivida com Eurico. São para mim um bálsamo. Cruzo-me, regularmente com Cristina e sua pequena filha Sara, quando, sem elevador temos de usar as escadas... Porém, para mim entendo esta falha do elevador positivamente, como um exercício físico, que só me acrescenta saúde...trocamos sorrisos e breves conversas e vemo-nos algumas vezes no Café da praia. A Tixa, mulher afável e sociável, que já ofereceu, a quem quis aparecer na altura do Fim de Ano, delicioso manjar da sua terra natal. Sónia e Estela, esta minha vizinha do mesmo andar 6º dto, que gostam, pelo que me foi dado perceber, da atractiva vida da noite. É saudável, e são ainda jovens e cheias de entusiasmo. Bom que aproveitem. A Vida é um instante! Vale a pena! Percebo que somos gente diversificada o que é bom, para não nos entediarmos... Assim, as novidades de cada um de nós nunca coincidem, quando se proporciona estarmos juntos....

Estou a recordar os vizinhos que tenho e não me lembrei ainda de oferecer os meus pitéus angolanos, e dos países circundantes também, numa reunião, que poderá decorrer na cave, como já nos proporcionou a Tixa. Aos que gostarem e aceitarem. Obviamente! Gosto muito de cozinhar. Especialmente pratos um pouco complicados, que saindo perfeitos me dão imensa alegria. Curiosamente só me dediquei verdadeiramente à cozinha quando partimos, em família, para África. Tornou-se um hábito gostoso, contrariamente ao que acontecia na minha vida anterior. Também pela oportunidade de utilização de alimentos vários, que até aí desconhecia, embora tenha nascido e crescido num outro país africano. Ao misantropo do 8ºDto dei, logo após uma conversa tida no elevador, uma das receitas que mais gosto de confeccionar. A determinada altura o Bessa, de seu nome, mostrou um sólido interesse, pela criatividade culinária, parecendo-me que a ela dedicava algum do seu tempo livre... ofereci-lhe então num pequeno escrito, que, entretanto, coloquei na sua caixa de correio, uma das minhas receitas tropicais favoritas. Convidá-lo-ei, talvez uma tarde destas, enquanto o sol nos bafeja, para tomarmos um café no barzinho da praia, e saber como resultou a receita de muamba que lhe cedi. Soube pela Estela, de uma cadela, Tróia, pertencente a um cavalheiro também do prédio que misteriosamente havia desaparecido. Não cheguei a conhecê-la. Tive pena, mesmo assim. Mas soube há pouco, que já apareceu, sim, tal qual como havia desaparecido. Misteriosamente! Fico contente, pelos dois: dono e Tróia. Também penso adoptar um cão. Talvez resgatado. Que normalmente sãs animais que sofreram maus tratos ou abandono... Assim terei hipótese de lhe proporcionar uma vida com alguma felicidade. O último que tive, no Uganda, havia sido oferecido ao Luís, meu filho. Despedi-me do "Bonzo", com pena minha, mas não era meu e além do mais as crianças, meus netos nutrem um grande afecto por ele. É sempre bom trazer animais para casa. Proporcionar, principalmente aos mais pequenos um relacionamento saudável com outras espécies viventes, será benéfico para eles e para nós, porque este mundo é de todos nós!!

 

                                                                            Fernanda Simões

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