Laíssa, ficou
surpreendida, com a ordem de partida, repentina, do pai.
Subitamente, veio-lhe à
memória, a última noite e aqueles olhos cravados na janela do seu quarto,
aqueles olhos grandes, fixados nos dela, aquele olhar curioso de Iosef, que ela
jamais esqueceria…
Naquele momento, sentiu
uma mistura de desejo e de terror. Teve medo, que ele a tivesse visto, imaginou
que não e depois, pensou que continuava a salvo. Receosa e assustada, deitou-se
e adormeceu. Sonhou com os dois jardineiros, que eles estavam no seu quarto a acariciá-la,
mas, felizmente, tudo não passou de um sonho!
Apressou-se a sair do
quarto porque o pai estava, impaciente, à sua espera. Tinham de partir, mais
uma vez, à pressa, como dois fugitivos.
Tinha sido sempre assim,
nos últimos anos. Escondida do mundo, Laíssa, não se habituava a esta vida de
clausura, em que vivia constantemente. Nunca conheceu a mãe e até desconfiava
que, talvez, tivesse sido criada num laboratório qualquer.
Um dia, perguntou ao pai,
pela mãe e ele respondeu-lhe que ela tinha desaparecido, quando ela ainda era ainda
muito pequenina e nunca mais voltou. Foi crescendo apenas na companhia do pai
mas, nem a proteção constante, nem o carinho do pai, conseguiam preencher o
vazio imenso, que sentia.
Os dias intermináveis,
eram passados a ouvir música ou a ler livros. Eram passados a viver uma vida
através de uma janela, uma vida que se limitava a quatro paredes e a uma visão
de um jardim e de um lago. Tinha uma vida feita de sonhos. Sonhava com o dia em
que pudesse passear livremente pelo jardim e correr pelos campos em redor, mas,
por enquanto, apenas lhe restava dar asas aos sonhos e deixar voar a
imaginação…
Vivia num mundo destruído
pelo homem, na luta e ganância pelo poder.
Agora, a sua vida ia
mudar. Ia partir para outro lugar, um lugar desconhecido… sentia receio pelo
futuro, mas confiava no pai, no destino e naquilo que ele lhe reservava.
Partiram na tipóia, carregada
de livros e alguns bens essenciais. Passaram ao lado de uma grande cidade, com
prédios muito altos, onde, provavelmente, viviam e trabalhavam os homens. As
mulheres, as poucas que existiam, eram obrigadas a andar sempre escondidas,
longe de tudo e de todos – escondidas de um mundo cruel que os homens criaram e
tornaram insuportável para viver.
Viajaram todo o dia,
atravessaram uma floresta e, ao entardecer, chegaram a um local no cimo de um
vale. Começaram a descer por um caminho de terra batida. Ao fundo, duas casas
brancas, sobressaiam no verde da paisagem. Um rio, ladeado de árvores, verdura
e flores campestres, corria livremente pela natureza. Não viam mais ninguém,
mas havia sinais de haver pessoas a viver ali. Assim, à primeira vista, era um
local calmo, bonito e, certamente, bastante mais seguro para viver. Dirigiram-se
para a primeira casa que encontraram e, como a porta estava aberta, entraram.
A casa era simples. Tinha
uma sala, dois quartos, uma casa de banho com uma banheira de hidromassagem e
um alpendre com um banco de madeira. Na sala, havia uma mesa redonda, posta com
uma toalha branca com flores azuis, com talheres, pratos e copos. O centro da
mesa tinha um pequeno arranjo de flores. Até parecia uma mesa de um filme
antigo, muito diferente das mesas de refeição, das casas da época, mas era muito
agradável de ver.
Estavam, assim, a admirar
a casa, quando entrou uma rapariga, com uma travessa de comida.
- Boa tarde, sejam
bem-vindos, à vossa nova casa!
- Boa tarde –
responderam, um pouco embaraçados. – A porta estava aberta e entrámos.
Cumprimentaram-se, apenas
com um aceno de cabeça. Thays não sentiu medo de Sabras, pois o pai disse-lhe
que não havia nada a recear, ele era amigo dele.
- Eu sou a Thays e vocês
devem ser Sabras e Laíssa. O meu pai disse-me que vocês vinham. É um prazer
ter-vos por cá!
- O prazer é todo nosso! –
exclamaram os dois ao mesmo tempo.
- Laíssa, a Thays é filha
do meu amigo Naldan – disse o pai, que não tinha dito nada para onde iam – foi
ele que nos ajudou a vir para cá.
- Desculpem, mas não me
posso demorar porque deixei o bebé a dormir, o meu filho que tem um ano.
Feitas as apresentações e
depois de conversarem um pouco, Thays pediu que se sentassem à mesa. Ela saiu e
eles começaram a comer. Havia muitas questões a colocar, mas podiam esperar até
ao dia seguinte. Por agora, preferiam saborear, com satisfação, cada pedaço de
peixe assado. O peixe era acompanhado com batata-doce e uma salada verde, uma
espécie de alface. Beberam um sumo esverdeado feito de uma mistura de várias
futas, talvez frutas locais.
Acabado o jantar, que
estava muito delicioso, recolheram aos seus quartos e, finalmente, Laíssa pôde
descansar. Nessa noite não houve sonhos, nem pesadelos, como na última noite,
na casa de campo, em Malpertuis.
No dia seguinte, acordou
cedo e saiu para a rua. Sentia-se livre e alegre, como há muito tempo não
sentia. Foi a casa de Thays e conheceu o filho dela. Simpatizou muito com ela e,
a partir desse dia, passavam quase todo o tempo, juntas.
Ao fim de dois dias, Sabras,
partiu outra vez e ela ficou entregue à sua sorte. À noite, sozinha, no
silêncio do seu quarto, pensou em Thays, também ela exilada, naquele local,
para poder escapar à fúria dos homens.
Thays tinha um irmão
chamado Rafael que vivia na cidade e trabalhava numa agência de viagens
espaciais. Nenhum dos colegas sabia da existência da irmã. Quando vinha a casa
dela, costumava dedicar-se à pesca, na barragem - onde antigamente se produzia
eletricidade, mas que agora estava desativada, devido à escassez da água no
planeta.
A eletricidade, para a
pequena aldeia, era produzida por painéis solares. Havia energia elétrica
suficiente para as três casas. Uma delas, já estava abandonada, em ruínas, sem
ninguém a viver nela.
Thays dedicava-se à casa,
tratava do bebé e de uma pequena horta, para terem sempre fruta e legumes
frescos. Tinha uma namorada que vivia longe e que, de vez em quando, vinha
visitá-la, a ela e ao filho de ambas.
Passo a passo, Laíssa,
começou a percorrer um novo caminho, uma nova vida. Aos poucos, os sonhos
iam-se tornando realidade e já podia andar livremente pela rua, sem medo, visto
que não havia mais ninguém. Todos os dias se lembrava do pai, mas agora, Thays
e o bebé, eram a sua nova família.
Um dia, foi até à
barragem com Thays e, pelo caminho, sentaram-se na margem do rio, a observar os
patos: como eles nadavam felizes, rio acima, rio abaixo, mesmo havendo pouca
água. Assim como os dinossauros se tinham extinguido há muito tempo, também os
porcos e as galinhas desapareceram da face da terra, devido à Gripe aviária e à
Peste Suína que os atacou, sem dó nem piedade, mas os patos, lá continuavam a dar
vida ao rio.
Laíssa olhou para a amiga
e sorriu, ao pensar em como se sentia feliz – naquele refúgio perdido no tempo
– apesar de tudo.
Porém, uma nuvem negra
veio pairar no seu pensamento…
- Thays, até quando vamos
conseguir viver aqui escondidas?
Dina
Rodrigues
Muito complicado, neste mundo á beira da extinção e que o futuro da humanidade depende da continuação da espécie, existir, lutar para continuar. Muito bom este conto Dina Rodrigues Parabéns
ResponderEliminarObrigada Clementina!
EliminarUm capítulo a deixar boas indicações a quem se segue. Parabéns, Dina
ResponderEliminarBoa continuação de história, que deixa várias possibilidades em aberto para quem se segue. Parabéns, Dina!
ResponderEliminarObrigada Luísa!
EliminarVim visitar, gostei, vou ficar.
ResponderEliminarBoa semana
Obrigado Pedro Coimbra, seja Bem-vindo!
EliminarObrigado a todas as pessoas pelos comentários, pela visita e leitura. O que seria da humanidade sem as mulheres? Os homens estavam desgraçados e a Laíssa morria de tédio!...
ResponderEliminarVisitando, lendo, gostando do espaço que considero muito bonito e acolhedor, prometendo voltar.
ResponderEliminar.
* Chuva que acalma CORAÇÕES … secos pela desventura *
.
Cumprimentos poéticos
Votos de um dia feliz
Obrigado pela visita, Gil António. Volte sempre!
EliminarSaudações literárias
Gostei bastante e vou ficar.
ResponderEliminarUm abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Obrigado, Francisco Manuel! Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
EliminarSaudações literárias
Parabéns, Dina, por estes novos elementos de enredo
ResponderEliminarObrigado João Madeira! É bom sentir que contribuímos para que a história continue sem monotonia.
EliminarInteressante a continuação do conto, pois cada autor tem a sua perspectiva.
ResponderEliminarContinuem, eu prometo cá voltar.
Obrigado, Magui! Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
EliminarFeliz dia da mulher!
Saudações literárias
Por imposição do homem, comento no Dia da Mulher.
ResponderEliminarRetenho da prosa, uma preocupação bem actual, sobre o medo. Senão da extinção definitiva da mulher de concepção biológica (será possível?!), pelo menos, da agressão.
A mulher tem medo dos homens e da sua fúria (lê-se).
Que futuro as espera além, no futuro?
Parabéns Dina Rodrigues.
Hoje, e, por ser, hoje, é o texto no meu pensamento.
Gostei dos 3 capítulos do conto.
ResponderEliminarApesar das suas diferenças, a prosa é magnífica e agradável de ler.
Parabéns aos autores.
Para as mulheres, parabéns pelo seu dia, o da Mulher.
Continuação de boa semana, caros amigos.
Abraço.
Obrigado, Jaime!
EliminarFicámos muito agradados com o seu comentário. Esperamos proporcionar-lhe bons momentos de leitura.
Pela parte das mulheres deste grupo, obrigada também!
Abraços e saudações literárias
Esta difícil ler um capitulo por vez, a vontade é ler todos, pena faltar-me nesse momento o tempo, porem as visitas aqui tem sido necessárias, curiosa para o desfecho...pela continuação.... bjucas
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