Foto © Tixa Falchetto |
Tendo passado a noite em claro a imaginar uma melhor
estratégia para entrar na sede daquele governo tirano e promíscuo, sem
despertar suspeitas de início, até que se pudesse aproximar dos governantes,
Laíssa tomou uma drástica decisão. Cortou rentes os longos cabelos sedosos e
rasgou várias tiras de couro e tecidos grossos para compor uma indumentária
masculina que disfarçasse suas delicadas formas femininas. Sujou os cabelos com
carvão e cera de abelhas, para que parecessem menos suaves. Amarrou tiras de
couro nos braços e em volta da cintura para que se apresentasse mais forte. Confiava
em suas habilidades de luta, pois nunca deixava de praticar seus exercícios de
Sambo, e nunca perdia a concentração. Estava sempre atenta a movimentos
suspeitos, coisa que se aprimorara com o tempo em que vivera escondida na casa
de Malpertuis.
Apesar de jovem, tinha a sabedoria das pessoas que se dedicam
à meditação e aos ensinamentos de pessoas sábias como as que conhecia dos
livros, e de seu pai, homem cioso de suas responsabilidades e dos perigos que
os cercavam.
Precisava primeiro acercar-se da comunidade sem despertar
suspeita ou cobiça nos homens, e, já infiltrada, tentar encontrar Iosef,
Rafael, Sabras, Naldan, Laygar e quem sabe até Iohan... precisava de outros
braços para levar a cabo o plano de revolta que traçara.
Ao nascer do novo dia, já estava pronta para partir, e foi à
casa que Iosef estivera a recuperar, para despertar Orionte, que para lá tinha
se recolhido após aquela longa noite de explicações e planos detalhados em sua
casa. Ao chegar à porta, encontrou-a aberta, sem sinais da presença de Orionte.
Nesse momento, uma sombra de preocupação perpassou-lhe o cenho, fazendo-o
franzir-se em redobrada atenção. Esgueirou-se por todos os cantos da casa, e
nada viu que mostrasse sua presença. Orionte ou não havia passado ali a noite,
ou havia desmanchado todo e qualquer vestígio de sua passagem por aquele lugar.
Precisava dele, é certo, pois conhecia bem o caminho, e, chegar à cidade
acompanhada por ele despertaria menos suspeitas, mas mesmo assim, decidida que
estava, não deixou que esse contratempo a demovesse do intento de encetar
viagem.
Checou também a casa de Thays, minuciosamente, a ver se
encontrava algo que a ajudasse a compreender o desaparecimento de Orionte, mas
nada encontrou. Caminhou cautelosamente até o rio, escondida por arbustos e
troncos de árvores, e estava a observar as duas margens quando, de repente,
sentiu uma perigosa sensação de estar a ser observada. Todos os seus sentidos
aguçaram-se, e procurou esconder-se ainda mais embaixo de um arbusto para olhar
em toda a volta a ver se encontrava seu observador. Infrutífera busca! Nada
via! Nem sequer um barulho de folhas a ser pisoteadas, nem sentiu passos ao
colar o ouvido ao chão, como lhe ensinara o pai na mais tenra infância. Mas
tinha certeza, em algum lugar, nada distante, havia alguém, e esse alguém
apenas esperava um descuido seu para atacá-la! Não haveria de descuidar-se,
todos os nervos de seu corpo estavam retesados à espera do desenlace dessa
dupla caçada.
Então, a dois passos de si, num galho pouca coisa mais alto
que sua cabeça, ouviu um farfalhar de asas (Ah, se asas tivesse!!). Era um
belíssimo espécime de ave-do-paraíso que ali estava a observá-la. Nunca havia
visto um tão belo! Conhecia-os, mas esse, em especial, encantou-a... suas cores
eram mais vivas, e seus olhos menos ariscos. Parecia uma ave habituada ao
convívio com humanos. Estendeu a mão a chamá-lo, e, no exato momento em que a
ave veio pousar em seu braço, sentiu a aproximação de um golpe de porrete, que,
por sua agilidade adquirida pela persistência nos exercícios, conseguiu
minimizar! Virou-se a tempo de somente receber o golpe na altura do antebraço,
já em posição de defesa! E foi então que viu o rosto enfurecido de Orionte, já
iniciando um novo golpe!
– ORIONTE, por que me ataca??? – gritou, estarrecida, ao
mesmo tempo que se defendia como podia, conseguindo também imobilizar o homem
já avançado na idade, embora ainda muito forte e resistente. – Acaso enganou-me
com toda aquela conversa?? Enganou também a Iosef, durante toda a vida, ao
fazê-lo crer que era um pai amoroso e justo? Que estava contra o jugo dessa
gente enlouquecida pelo poder? Como pôde???
Nesse momento, olhos arregalados, imóvel, Orionte balbuciou:
– Laíssa? És tu??? Mas... que fizeste???? Não te havia
reconhecido quando te vi sair da tua casa. Havia arrumado toda a casa de Iosef
para chamar-te e partirmos em nossa tresloucada missão, mas vim antes ao rio
para refrescar-me. Quando já estava a voltar, vi-te sair da casa em atitude
suspeita, a esgueirar-te pelos arbustos, e achei que já haviam mandado para cá
algum soldado à nossa procura! Não te pareces em nada com a delicada menina que
meu filho escolheu para amar, e que deixei ontem a descansar na casa!
Caíram os dois por terra a rir da situação, Laíssa ainda mais
feliz por ter conseguido enganar ao próprio sogro.
Ali, sentados, ela explicou-lhe todos os passos que fariam ao
chegar à fortaleza dos malfadados governantes. Orionte não pode deixar de
sentir uma enorme admiração por essa menina, que havia sido poupada pelo pai
durante toda a sua existência, que até poucos dias atrás nada sabia da maldade
humana, e que agora mostrava-se uma guerreira preparada para enfrentar os mais
difíceis obstáculos, com atitude de liderança, como sempre esperou que pudesse
um dia encontrar!!
Reconheceu ali, naquele instante, que era Laíssa a
predestinada, a mulher que iria se insurgir e levantar um exército contra os facínoras
do poder. De repente, Orionte deu-se conta de que nessa menina poderia
depositar sua esperança de acabar com aquela monstruosidade que já imperava há
tantos sofridos anos.
Repassaram os planos, e, a cada fala de Laíssa, mais Orionte
a admirava e cria ser, enfim, possível a derrocada do poder vigente, para que a
humanidade pudesse, enfim, respirar ares de Humanidade!!
Arrumaram, então, o resto dos pertences necessários para
garantir o sucesso de sua empreitada, e puseram-se à estrada.
Tixa Falchetto
Muito bom. Empolgante. Parabéns. Beijinho
ResponderEliminarMuito Bom. Adorei a dinâmica! Beijinhos
ResponderEliminarMais um belo capitulo desta fantástica história.
ResponderEliminarUm abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Peço desculpa, mas este género de conto não me agrada. E também desapeteço o toque de Brasil na prosa.
ResponderEliminarMas continuem a escrever, é preciso insistir. E muito obrigada pela visita ao erva príncipe.
Interessantes os momentos narrados!
ResponderEliminarGosto do jeito de escrever!!!
bj
Ficamos sempre com vontade de ler o capítulo seguinte! :)
ResponderEliminar--
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As pessoas aparentemente frágeis, são tantas vezes, as mais fortes.
ResponderEliminarContinuem.
O conto dá tantas voltas que nos deixa tontos.
ResponderEliminarMaravilha!!
E a Laíssa lá vai entrar em acção. Vamos ver o que vai encontrar...
ResponderEliminarGostei bastante, Tixa!
repouso por doença nunca é agradável.
ResponderEliminare laíssa continua...
Gostei muito deste capítulo, nomeadamente pela excelente narrativa.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Um abraço.