07/05/18

Voar Sem Asas - Capítulo XII

Foto © Tixa Falchetto

Tendo passado a noite em claro a imaginar uma melhor estratégia para entrar na sede daquele governo tirano e promíscuo, sem despertar suspeitas de início, até que se pudesse aproximar dos governantes, Laíssa tomou uma drástica decisão. Cortou rentes os longos cabelos sedosos e rasgou várias tiras de couro e tecidos grossos para compor uma indumentária masculina que disfarçasse suas delicadas formas femininas. Sujou os cabelos com carvão e cera de abelhas, para que parecessem menos suaves. Amarrou tiras de couro nos braços e em volta da cintura para que se apresentasse mais forte. Confiava em suas habilidades de luta, pois nunca deixava de praticar seus exercícios de Sambo, e nunca perdia a concentração. Estava sempre atenta a movimentos suspeitos, coisa que se aprimorara com o tempo em que vivera escondida na casa de Malpertuis.
Apesar de jovem, tinha a sabedoria das pessoas que se dedicam à meditação e aos ensinamentos de pessoas sábias como as que conhecia dos livros, e de seu pai, homem cioso de suas responsabilidades e dos perigos que os cercavam.
Precisava primeiro acercar-se da comunidade sem despertar suspeita ou cobiça nos homens, e, já infiltrada, tentar encontrar Iosef, Rafael, Sabras, Naldan, Laygar e quem sabe até Iohan... precisava de outros braços para levar a cabo o plano de revolta que traçara.
Ao nascer do novo dia, já estava pronta para partir, e foi à casa que Iosef estivera a recuperar, para despertar Orionte, que para lá tinha se recolhido após aquela longa noite de explicações e planos detalhados em sua casa. Ao chegar à porta, encontrou-a aberta, sem sinais da presença de Orionte. Nesse momento, uma sombra de preocupação perpassou-lhe o cenho, fazendo-o franzir-se em redobrada atenção. Esgueirou-se por todos os cantos da casa, e nada viu que mostrasse sua presença. Orionte ou não havia passado ali a noite, ou havia desmanchado todo e qualquer vestígio de sua passagem por aquele lugar. Precisava dele, é certo, pois conhecia bem o caminho, e, chegar à cidade acompanhada por ele despertaria menos suspeitas, mas mesmo assim, decidida que estava, não deixou que esse contratempo a demovesse do intento de encetar viagem.
Checou também a casa de Thays, minuciosamente, a ver se encontrava algo que a ajudasse a compreender o desaparecimento de Orionte, mas nada encontrou. Caminhou cautelosamente até o rio, escondida por arbustos e troncos de árvores, e estava a observar as duas margens quando, de repente, sentiu uma perigosa sensação de estar a ser observada. Todos os seus sentidos aguçaram-se, e procurou esconder-se ainda mais embaixo de um arbusto para olhar em toda a volta a ver se encontrava seu observador. Infrutífera busca! Nada via! Nem sequer um barulho de folhas a ser pisoteadas, nem sentiu passos ao colar o ouvido ao chão, como lhe ensinara o pai na mais tenra infância. Mas tinha certeza, em algum lugar, nada distante, havia alguém, e esse alguém apenas esperava um descuido seu para atacá-la! Não haveria de descuidar-se, todos os nervos de seu corpo estavam retesados à espera do desenlace dessa dupla caçada.
Então, a dois passos de si, num galho pouca coisa mais alto que sua cabeça, ouviu um farfalhar de asas (Ah, se asas tivesse!!). Era um belíssimo espécime de ave-do-paraíso que ali estava a observá-la. Nunca havia visto um tão belo! Conhecia-os, mas esse, em especial, encantou-a... suas cores eram mais vivas, e seus olhos menos ariscos. Parecia uma ave habituada ao convívio com humanos. Estendeu a mão a chamá-lo, e, no exato momento em que a ave veio pousar em seu braço, sentiu a aproximação de um golpe de porrete, que, por sua agilidade adquirida pela persistência nos exercícios, conseguiu minimizar! Virou-se a tempo de somente receber o golpe na altura do antebraço, já em posição de defesa! E foi então que viu o rosto enfurecido de Orionte, já iniciando um novo golpe!
– ORIONTE, por que me ataca??? – gritou, estarrecida, ao mesmo tempo que se defendia como podia, conseguindo também imobilizar o homem já avançado na idade, embora ainda muito forte e resistente. – Acaso enganou-me com toda aquela conversa?? Enganou também a Iosef, durante toda a vida, ao fazê-lo crer que era um pai amoroso e justo? Que estava contra o jugo dessa gente enlouquecida pelo poder? Como pôde???
Nesse momento, olhos arregalados, imóvel, Orionte balbuciou:
– Laíssa? És tu??? Mas... que fizeste???? Não te havia reconhecido quando te vi sair da tua casa. Havia arrumado toda a casa de Iosef para chamar-te e partirmos em nossa tresloucada missão, mas vim antes ao rio para refrescar-me. Quando já estava a voltar, vi-te sair da casa em atitude suspeita, a esgueirar-te pelos arbustos, e achei que já haviam mandado para cá algum soldado à nossa procura! Não te pareces em nada com a delicada menina que meu filho escolheu para amar, e que deixei ontem a descansar na casa!
Caíram os dois por terra a rir da situação, Laíssa ainda mais feliz por ter conseguido enganar ao próprio sogro.
Ali, sentados, ela explicou-lhe todos os passos que fariam ao chegar à fortaleza dos malfadados governantes. Orionte não pode deixar de sentir uma enorme admiração por essa menina, que havia sido poupada pelo pai durante toda a sua existência, que até poucos dias atrás nada sabia da maldade humana, e que agora mostrava-se uma guerreira preparada para enfrentar os mais difíceis obstáculos, com atitude de liderança, como sempre esperou que pudesse um dia encontrar!!
Reconheceu ali, naquele instante, que era Laíssa a predestinada, a mulher que iria se insurgir e levantar um exército contra os facínoras do poder. De repente, Orionte deu-se conta de que nessa menina poderia depositar sua esperança de acabar com aquela monstruosidade que já imperava há tantos sofridos anos.
Repassaram os planos, e, a cada fala de Laíssa, mais Orionte a admirava e cria ser, enfim, possível a derrocada do poder vigente, para que a humanidade pudesse, enfim, respirar ares de Humanidade!!
Arrumaram, então, o resto dos pertences necessários para garantir o sucesso de sua empreitada, e puseram-se à estrada.


 Tixa Falchetto

11 comentários:

  1. Muito Bom. Adorei a dinâmica! Beijinhos

    ResponderEliminar
  2. Peço desculpa, mas este género de conto não me agrada. E também desapeteço o toque de Brasil na prosa.
    Mas continuem a escrever, é preciso insistir. E muito obrigada pela visita ao erva príncipe.

    ResponderEliminar
  3. Interessantes os momentos narrados!
    Gosto do jeito de escrever!!!
    bj

    ResponderEliminar
  4. Ficamos sempre com vontade de ler o capítulo seguinte! :)
    --
    O diário da Inês | Facebook | Instagram

    ResponderEliminar
  5. As pessoas aparentemente frágeis, são tantas vezes, as mais fortes.
    Continuem.

    ResponderEliminar
  6. O conto dá tantas voltas que nos deixa tontos.
    Maravilha!!

    ResponderEliminar
  7. E a Laíssa lá vai entrar em acção. Vamos ver o que vai encontrar...
    Gostei bastante, Tixa!

    ResponderEliminar
  8. repouso por doença nunca é agradável.

    e laíssa continua...

    ResponderEliminar
  9. Gostei muito deste capítulo, nomeadamente pela excelente narrativa.
    Bom fim de semana.
    Um abraço.

    ResponderEliminar

Esperamos que tenha apreciado a nossa escrita e que volte a visitar-nos. Deixe-nos a sua opinião. Obrigado!