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Júlio descansara um pouco. Dormira?
Sonhara? Nem recordava se acontecera durante a viagem no Tempo ou ainda com a
nave em repouso, mas rapidamente descobriu, pois acabara de pousar num qualquer
lugar e a máquina, ou a ausência dela, emitira um silvo desusado!... Ainda um
pouco tonto devido talvez, ao encontro com Laura no torpor do sonho, em que a
olhara, linda, sorridente tal como quando viviam a sua felicidade conjunta, e
esta lhe dissera num sussurro, que lhe havia preparado uma surpresa... o silvo
da cápsula providenciara o afastamento da imagem da sua amada companheira.
Abriu a porta ou esta abriu-se. Por um
forte odor a ervas lavadas e o alagamento do terreno avermelhado em que se
encontrava, percebera que acabara de acontecer uma forte chuvada. Folhagem
variada, árvores desconhecidas embelezavam o quadro agora descoberto. Esta
vegetação rica em variadíssimos tons de verde era densamente cerrada. Ouviam-se
águas correntes por todo aquele denso e exuberante mato. Piares, chilreios, de
aves que, por vezes sobrevoavam este paraíso, livres e coloridas. Aqui e além,
frutos polposos e intensamente perfumados, que no seu mundo habitual
desconhecia. Acabou parado numa clareira, onde a luz do sol penetrava agora
intensamente. Uma cachoeira ouvia-se com alguma intensidade, talvez pelo
acréscimo de fluxo acabado de receber... Afastando alguma vegetação rasteira
que lhe tolhia a passagem, com braços e mãos, Júlio avistou por fim um casario
a curta distância de si. Para lá se dirigiu, curioso. À sua frente, agora, um
mercado pejado de vida, ostentava um variado colorido de frutas/legumes. Também
pequenos lugares de comes e bebes, de oferta vária. Sentou-se a descansar do
calor intenso que se começava a sentir, numa zona central do mercado, onde além
de alguma população local, se encontravam, também, militares oriundos de países
europeus colonizadores, que se evidenciavam pelas fardas. Os produtos em
exposição para venda, eram todos da agricultura local e peças elaboradas, de
arte cerâmica, também.
Após beber um chá fresco e perfumado
aceitara com agrado um repasto oferecido por um ancião local, pelos vistos dono
do local, que percebera nele um forasteiro simpático, algo diferente dos
demais, e a quem Júlio agradecera a benesse. O menu era composto de legumes que
libertavam odores inebriantes, convidativos, cozinhados com especiarias e
arroz. Pela conversa desenrolada pelos militares ali presentes, Júlio percebeu
estar em Bali, na Indonésia. O calendário manuscrito, pendurado ao balcão da
entrada, marcava o ano de 1898. Júlio olhou para baixo onde sentira um roçar e
percebera a companhia de Whisky, que acabara de se aninhar, vindo sabe-se lá de
onde, deixando-o mais sossegado. Terminada a pequena e satisfatória refeição,
Júlio ergueu-se despedindo-se do seu anfitrião com o simpático agradecimento da
terra (que fora ouvindo repetidamente por ali) - "terapia kasih". Toda
aquela gente raiava em cores alegres, fortes, vestindo saris (mulheres) e saias
lisas por cima de tangas (homens), cruzando-se numa azáfama geral de compra e
vende...
Júlio percebera finalmente o
"recado" da sua doce Laura, no sonho que ainda há pouco tivera. Era
um segredo de ambos, a paixão que Laura nutria por danças exóticas,
especificamente as desta zona do globo. Exibia-as, em privado, para encantar e
seduzir aquele que se admirava com a leveza dos seus movimentos ondulantes. Ah,
fora este o recado de Laura!... Ainda tinha guardado no seu quarto um sari
oferecido a Laura e que dera origem ao seu dançar após a curiosidade desta em
ver filmes e documentários sobre o assunto… fora deste modo que se interessara
pela vida de Matta Hari, famosa bailarina de origem holandesa, que habitara
nestas paragens e se tornou uma apaixonada deste exotismo, desempenhando com
arte, elegância e sucesso esta forma de bailado.
Talvez esse protagonismo tenha ferido
susceptibilidades nuns e gerado inveja noutros, elites europeias, de mente
estática, que só sossegaram quando a souberam sentenciada e morta como espia,
na 2ª guerra mundial. Quanto a Laura poderia não ser a melhor dançarina, mas
que era linda, bailando, era! Com este esvoaçar de recordações, Júlio deu por
ele a sorrir feliz e agradecido...
Volteou mais uma vez pelo mercado, ainda
inundado de gentes várias. O sol aquecera fortemente o ambiente que fervilhava.
Logo depois seguiu uma multidão que se dirigia para o centro cultural Ubud, em
Bali, onde no teatro a céu aberto se iriam executar as famosas danças
tradicionais. Jovens malaias javanesas com sorrisos enigmáticos e colocadas em
posições estudadas davam início ao bailado, acompanhadas por homens que,
sentados em círculo, emitiam sons com as bocas. Música e rodopiares cresciam
acompanhados pelos sons de pulseiras que buliam com os movimentos dos braços,
também mãos, pernas, olhos... enfim todo o corpo ondulava nas dançarinas, numa
enorme leveza e harmonia! O baile terminaria com todas as executantes de costas
para o público e uma delas, em posição central deixava escorregar o seu sari,
exibindo um corpo perfeito. Céus! Seria ela a própria Matta Hari? Pensava Júlio
muito feliz mas já com uma névoa de saudade...ah Laura, Laura!
Ordeiramente, acompanhado de Whisky que
o aguardava pacientemente á entrada, Júlio afastou-se do recinto, rumando em
direcção ao vale densamente arborizado, onde o chão já secara, aquecera. Olhou
o céu visivelmente pintado de vermelho alaranjado, acompanhando a enorme bola
de fogo que, rápidamente se deslocava para o horizonte. Pensou mais uma vez em
Laura que o deixara de coração amaciado. Olhou o seu companheiro de andanças a
seu lado. Moveu a língua á volta do dente. Logo Whisky erguera a pata
accionando o botão. Rápidamente, quase tanto quanto o sol se escondia no
horizonte, a cápsula emitiu um silvo, e emaranhou-se no espaço, rumo, talvez, a
um outro século, a uma outra odisseia!
Fernanda Simões
O meu blogue não publica publicidade gratuitamente.
ResponderEliminarA menos que esta seja precedida de um comentário ao que escrevo (é isto o preço...).
Espero que compreendam.
Um abraço.
Um belo texto meu amigo, gostei bastante de o ler.
ResponderEliminarUm abraço e bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Continua muito bem! :)
ResponderEliminar--
O diário da Inês | Facebook | Instagram
Mais um belo momento de leitura!!!
ResponderEliminarA Fernanda leva a sério
ResponderEliminaro ofício da escrita. Gostei
do ritmo como conta o conto.
Um abraço e parabéns.
.
Acho muito inadequado irem publicitar o vosso blogue e não terem sequer a delicadeza de comentar o que publicado nos espaços que invadem!!
ResponderEliminarInformo-vos que no meu serão sempre excluídos a partir de agora.
Fiquem bem
Cara São,
Eliminareste é um projecto colectivo e como tal não faria sentido emitir opiniões pessoais seja sobre que assunto for em nome de Acrescenta Um Ponto Ao Conto. Cada um de nós é uno e com certeza, temos opiniões diversas.
Todos podemos comentar individualmente, se assim o entendermos.
Com todo o respeito pelo seu trabalho e pelo seu reparo, esperamos que entenda.
Gosto destes temas bem ficcionais também! Grande abraço!
ResponderEliminarPorque a Fernanda Simões está com dificuldade em aceder ao blogue, pediu para, em seu nome, deixar aqui um agradecimento a todos que comentarem o seu texto.
ResponderEliminarBem hajam!
Desta vez entrámos na outra dimensão, no domínio da ficção científica.
ResponderEliminarUma narrativa irrepreensível e apelativa.
ResponderEliminarParabéns à Fernanda.
Bom feriado e bom fim de semana.
https://poemasdaminhalma.blogspot.com/
ResponderEliminarExcelente texto, gostei imensamente.
Tenha uma boa noite de domingo.
Luisa