©Fátima Ribeiro |
- D. Laura?...
- Ai que susto, homem! Não se
aproxime tão silenciosamente, que ainda me mata do coração.
- Desculpe, D. Laura, desculpe. Mas
é que preciso de indicações.
- Indicações sobre quê?
- Então, sobre… isso. Paramos a
obra?
- Não paramos nada a obra. Então
agora íamos parar a obra por causa de uns cadernos velhos? Leve-os todos lá
para baixo, que eu vou lê-los, e continuem o vosso trabalho.
Gabriel
Trouxe
o caderno para o jardim. Não sei se é permitido, mas ninguém disse nada e olha:
aproveitei que chegaram as “No Podemos Hablar” para fazer a limpeza do quarto e pirei-me com ele dentro da
sweatshirt. O que, provavelmente, foi
cuidado desnecessário, já que não encontrei nenhum dos outros pelo caminho.
Apesar de ao pequeno-almoço a sala estar cheia, não sei onde se meteram todos, que
nunca mais os vi. Não que isso me incomode. Não, não incomoda nada. Sou bicho
solitário e pressinto que vou dar-me bem, aqui entre os recantos da natureza.
Aliás, já andei por aqui de madrugada, àquela hora que ninguém desconfia.
Estava ansioso e não conseguia dormir. Saltei pela janela.
Estava
a ver que ía ter que me arranjar lá no quarto. Não ía ser fácil, mas sem malhar
é que eu não ficava. Ah, pois não! Já basta não ter os aparelhos que tanta
falta me fazem. Nem que tivesse de desmontar a mobília, pendurar-me do tecto,
sei lá… agora que atingi o ponto que pretendia não posso regredir. E é que não
é só o corpo é também a mente, a minha mente não consegue suportar as
endorfinas que estão sempre a acumular-se. Só o ginásio é que as liberta e na
falta de um, teria que me desenrascar. Ainda que fosse saltando pela janela. Que
sou obcecado pelo culto do corpo, dizem. Tretas, só tretas. Eu sei
perfeitamente que não caí no exagero, apenas não me sinto bem se… não quero um
corpo flácido, ponto. Se esfumaçasse que nem uma chaminé, como alguns que já aí
vi, isso é que era de preocupar. Agora fazer exercício físico, que mal há nisso?
Que mal há em querer ser saudável?
Mas
pronto, pelo menos por enquanto já arranjei solução. Durante a escapadela
madrugadora, andei a vasculhar o jardim e encontrei uns sítios que vão dar para
fazer bons esquemas com sequências alternadas. Assim vai ser mais fácil não
perder massa muscular. O pior é a alimentação. Pela amostra que me foi dada a
conhecer, é só gorduras poli-saturadas, hidratos processados e açucares.
Proteínas, nada de nada. Trouxe – e isto ninguém sabe – um grande stock de suplementos. Não resistiria sem
eles. Mas mesmo assim, não posso, não devo abdicar do meu plano nutricional. E
a isso é que vai ser mais difícil dar a volta. A não ser que – surgiu-me agora
uma ideia – engate a gaja da cozinha. Aposto que não daria trabalho nenhum, elas
não resistem a este corpo de Adónis. Falo por experiência: são sempre aos montes
a ver quem ganha o pedaço. E não são só elas, eles também; mas esses, enfim… não
me interessam para nada. Voltando à da cozinha, acho que se chama Ilda, será
que já reparou aqui nestes esplendidos bíceps? Hum… se calhar não. Com aquele
aspecto badalhoco, nem deve saber o que é um corpo bem cuidado. Pensando
melhor, talvez não seja uma boa ideia. Pois, não; quem teria estomago para
aguentar o cheiro a fritos ou tocar aquela pele peganhenta de suor e gordura?
Não, essa também não é uma hipótese.
“Olá,
boa tarde!” Espera… estava eu a dizer que não sabia onde se tinham metido todos,
pois aqui está um. – Boa tarde! – Respondo, sem ênfase. – Não vê que agora
estou ocupado? – Apetece-me dizer. Mas não digo, fico à espera que o gajo continue
a conversa. E continua: “chamo-me Amadeu”. Sim e o que é que eu tenho a ver com
isso? Vêm-me à mente a resposta pronta, mas em vez de a verbalizar solto um
amistoso - Sou o Gabriel. “Muito prazer, Gabriel. Tens um cigarro?” Ah, é isso
que ele quer? Não vou ser nem sequer cordial: - Claro que não, não fumo! “Ah,
está bem. Achas que podemos ver a bola, logo à noite? Quer dizer, haverá cá algum
plasma ou pelo menos um bom aparelho de televisão?” Olha-me este… deve ser
daqueles que se empanturram de petiscos a babar gordura, enquanto chamam nomes
ao árbitro. “O que é que escreves aí nesse caderno?” Mas o gajo é parvo ou quê?
Então não estamos aqui todos para o mesmo? - É para a posteridade, não foi o que
nos disseram? Não te deram um? “Acho que vi um lá no quarto… até logo, talvez a
malta se encontre para ver a bola.”
Estão
a ver porque é que eu digo que sou bicho solitário? Esta foi a conversa mais
longa que tive com alguém, desde que entrei neste lugar, e para dizer a verdade
já estava com vontade de enfiar a caneta nos olhos do tipo. Ou naquela barriga
inchada, a ver se rebentava como um balão… eheheh, havia de ser giro aquela
porcaria toda a saltar cá para fora. Que nojo! Não sei como é que são capaz de
andar com aqueles corpos nojentos a exibir-se por aí. Comigo não, comigo não
contem para ver a bola a ingerir petiscadas ao ritmo dos gritos de gooooloo!
Não gosto dessas socializações. Mas também não vim para aqui para socializar.
Vim para aqui para… para que foi mesmo? Bem, talvez um dia saiba.
O
jantar de hoje não me correu mal de todo. A comida foi uma mixórdia parecida
com a de ontem e de anteontem, mas estive à conversa com a Helena. Aquela é que
é uma gaja que me enche as medidas. Assim que a vi percebi logo… longos cabelos
negros, olhos verdes, corpo bem torneado. Mas até agora só dava conversa ao
David. O gajo até me parece boa pessoa, talvez o único com quem me identifique
um pouco, mas desculpem lá: os meus interesses são os meus interesses e os teus
interesses são os teus interesses. E os teus não podem nunca sobrepor-se aos
meus.
Porém
agora que ela sabe que sou PT, adeus David. Amanhã, já vamos ter uma aula. Eu
sabia que aquele corpinho não se fazia assim do nada. A propósito, será que
devo fazer um esquema para ela? Ah, não… não sei em que forma está. É melhor esperar
por amanhã e assim observo-lhe o nível e tiro-lhe as medidas. Não é que não
lhas tivesse tirado já, mas isso é outra história.
Raios!
Estão a bater à porta. Quem será agora? Que não me venham cá com mais saraus. Já
me bastou o outro, onde tive que aturar aqueles dois malucos a dançar sem
música. E a histérica da Cláudia ainda a dar-lhe trela, que nunca mais nos
abriam a porta. Não estou para isso…
Novamente,
vários toques com força, na porta do quarto. Quem quer que seja está com
pressa, bate tão insistentemente. “Boa noite! É o Gabriel, não é?” Este não sei
de onde é que apareceu. Nunca o tinha visto, nem ao pequeno-almoço onde achei
que estava toda a gente – sou o Gabriel, sim – confirmo. “O meu nome é Dionísio,
já nos cruzámos por aí.“ Já? Quem diria… eu não disse que não eram só elas a
disputar o pedaço? Já deve ter andado a catrapiscar-me à socapa. “Posso entrar?”
Entre, entre, sinta-se à vontade – o meu pensamentos é irónico, pois a criatura
vai logo invadindo o meu espaço sem o meu assentimento. “Sabe Gabriel, soou-me
que é PT”. Soou-lhe? Será que a Helena lhe contou? “Blábláblá, blábláblá… e
então resolvi vir procurar os seus serviços.” Ah, então é isso que o gajo quer:
um personal trainar: “faço qualquer coisa para manter esta maravilhosa forma.
Estou muito bem, não acha?” Talvez, talvez esteja mas terá de arranjar outro.
Eu já estou ocupado. – Dionísio, eu não sei se posso fazer isso aqui. Não sei
se as regras o permitem, entende? Acho melhor não arriscar. – Tento esquivar-me,
mas… “acha melhor não arriscar, é? Mas com a sua amiguinha Helena não se importa,
com ela não faz mal de infringir a regras?” P… da bicha, esteve a ouvir a
conversa. Ai que ganas de a esganar! “Pensavas que eu não sabia, era? Não te
enganes, sei tudo o que se passa aqui. Amanhã, encontramo-nos os três à hora
combinada.” Mas… “Bons sonhos, darling!”
Nem
esperou qualquer resposta. Saiu, batendo a porta na minha cara, sem cerimónia. Parece-me
que vou ter problemas com este. Logo eu que sempre achei piada em vê-los a
cobiçar o meu corpo. Muitas vezes, tentavam algo mais, claro, mas eu era
explícito a mostrar as minhas tendências e tudo ficava por ali. Agora este, este
quer armar confusão. De certeza.
Luísa
Vaz Tavares
Olá,
ResponderEliminarPeguei o bonde andando e além de enxergar deu pra ter uma ideia do que deseja, mas acho que não irá conseguir.
Aqui estou vendo um conto bem complicado(gosto).
Inté
Obrigada
Lua Singular
Olá, Lua Singular!
EliminarTudo o que se refere à mente é complicado e sendo este um conto que tenta reflecti-las, não poderia ser de outra forma :)
Obrigada pela sua apreciação.
Boa semana!
Enxergo pouco e não consigo ler com certa rapidez, já sou mais a minicontos.
ResponderEliminarBeijos
Lua Singular
Muita luz para o seu caminho!
EliminarBeijos
Interessante
ResponderEliminarGostei de ler
Bjs
Kique
Hoje em Caminhos Percorridos - Ronaldo arrisca outro processo...
Obrigada, Kique!
EliminarEsperamos que continue a gostar.
Bjs e boa semana!
OLÁ!
ResponderEliminarBEM INTERESSANTE ATÉ AQUI.
ABRÇS
https://zilanicelia.blogspot.com/
Obrigada, Célia!
EliminarEsperamos continuar a despertar o seu interesse.
Abraço e boa semana
Estou a gostar e a acompanhar.
ResponderEliminaraproveito para desejar um bom fim-de-semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Gostamos que esteja a gostar. Obrigada!
EliminarVotos de uma boa semana
Continuando a acompanhar com todo o gosto.
ResponderEliminarBoa semana
Obrigada, Pedro!
EliminarGostamos muito de ter o seu acompanhamento.
Boa semana também
Bem escrito e muito interessante! Deixou-me curioso para saber o prosseguimento.
ResponderEliminarObrigada, Árabe!
EliminarContinue a acompanhar-nos, que o prosseguimento virá através de muitas mãos.
Boa semana
Boa tarde, historia interessante, vou tentar acompanhar a mesma.
ResponderEliminarBoa semana,
AG
Boa tarde!
EliminarEsperamos continuar a despertar o seu interesse.
Obrigada e boa semana
I don't know arabic
ResponderEliminarPor um convite de vocês vim até aqui e agradeci . Agora um novo convite, por isso aproveito para novamente agradecer, mas devido a estar com 80 anos já sinto-me cansar com leituras extensas e em capítulos me dificulta mais ainda.
ResponderEliminarAgradeço a certeza da compreensão de vocês.
Abraços.
Elis, que bonita idade!
EliminarAdoro beber dessas fontes de sabedoria. Com certeza, acompanharei sempre os seus mini-contos.
Um grande abraço!
Gostei, voltarei
ResponderEliminarConvido-o a ler o novo Capítulo de Um Oceano entre nós - II. Espero que goste.
Beijinho
Obrigada, Quase Cinderela! Esperamos merecer sempre a sua volta.
EliminarVou ler o "Um Oceano Entre Nós", sim.
Beijinho
Parabéns, Luísa.
ResponderEliminarUm bom capítulo, a abrir mais personagens, mais história, algum frisson.
Quanto ao Dionísio… que dizer… Nesta história serei três sexos.
É muito género para um homem só… :-D
Obrigada, Bessa!
EliminarCom a tua versatilidade na escrita, podes ser os géneros que quiseres :)
Ora cá temos nós mais uma mão-cheia de personagens interessantes. Que acontecerá quando todos se começarem a entrosar? Parabéns, Luisa
ResponderEliminarVamos ver em que enredos se metem. Palpita-me que será algo interessante de se ver :)
EliminarObrigada, João!
Mais uma personagem super interessante !!! Bj
ResponderEliminarObrigada, Gracinha. Acho que vêm por aí muitas mais personagens a tentar cativar...
EliminarBeijo!