30/07/19

Variações em Quadrilha - Capítulo 4


Maria

Ilustração para a capa da Revista Superinteressante, da Editora Abril.

Dias passados do acidente em que Raimundo partiu para uma outra vida, Maria, ao contrário do que lhe era habitual, andava curiosa de saber do jovem lindo, inexperiente, doce. Seu último objecto de sedução... Maria do Rosário ou muito simplesmente Maria, logo decidiu visitar o jovem "padre", como Raimundo gostava de parecer, até por questão de defesa relativamente às mulheres que tanto o intimidavam. Foi uma e outra vez à Igreja onde sabia poder encontrá-lo e nem vislumbre de Raimundo. Repetiu a visita na semana seguinte e a ausência do jovem era notória. Cada vez mais se empolgava na sua procura, já num misto de ansiedade e suspeição...
Uma noite, após a sua actuação no restaurante tradicional, indo ao encontro de Joaquim que sempre a esperava na mesma mesa, ouviu alguém ao lado, perguntar ao doutor o que acontecera ao jovem que dias antes fora atropelado à saída do Bar do outro lado da rua. Joaquim ficara a saber que falava com o individuo que chamara o socorro e logo depois desaparecera no meio da multidão de curiosos que ali se juntara e lembrando-se do caso recente, informou-o que o jovem chegara ao hospital já sem vida. E segundo constava afirmado por um enfermeiro que o conhecia desde os bancos de escola, era alguém que estava hesitante entre a vida mundana e o recato do sacerdócio... Maria quase saltou do colo de Joaquim em que se enlaçara. A sua cara cheia de espanto ficou lívida, o que deixou Joaquim preocupado. Rapidamente, Maria trémula, sussurrou-lhe que tal jovem fora o que ela havia seduzido dias atrás, no chão da Igreja que invadira. Tendo reparado nele numa das ruas paralelas ao seu local de trabalho, e achando-o homem interessante, começou a segui-lo e logo engendrou um plano para o usar a seu bel-prazer, aproveitando-se da ingenuidade e bonomia do jovem, para engrossar a lista já extensa de suas conquistas demoníacas. Também para gáudio de Joaquim a quem, estes contos e enredos de sedução e mistério, proporcionados pela sua companheira, o deixavam em ponto de rebuçado para os encontros de alcova com ela. Diziam ambos que o prazer lhes resultava em dobro. Excitação total Mas nunca nenhum outro - peça de caça - poder-se-á assim entender, a havia tocado ao ponto de querer revê-lo. Não sabia porquê, para quê, nem como seria recebida, mas arriscaria!
Oh... agora não, já não iria. Não poderia inverter o sentido dos nefastos acontecimentos - Intuíra, de imediato, que o triste caso estava ligado ao seu acto, de excentricidade malévola. Um sentimento de desespero, de dor, a preencheu de imediato. Caiu desfalecida nos braços de Joaquim. Maria do Rosário fora uma menina desafortunada pelo destino. Seus pais ainda jovens pereceram num grave acidente de automóvel, que apanhou todos de surpresa (como sempre acontece). Maria foi surpreendida numa fase ainda muito precoce dos seus afectos. Filha única de pais algo abastados era muito mimada em casa. Tê-los perdido foi como lhe "tirarem o tapete debaixo dos pés". Acolheu-a uma irmã da mãe, que casada e sem possibilidade de gerar, prontamente a acolheu e amou como sendo sua. Os mimos vieram em dose redobrada e o ego de Maria ia aumentando com o seu crescimento: Os tios não lhe poupavam elogios, que ela se habituou a aceitar e guardar como verdades absolutas. A sua autoestima tornou-a muito vaidosa. E sendo a vaidade o caminho mais curto para o paraíso da satisfação, procurou aplauso… foi crescendo, fez-se mulher de poucas virtudes e muita arrogância e convencimentos. Achou-se no direito de jogar com os sentimentos alheios e aos homens que para ela olhassem com alguma insistência, ou não olhassem de todo, decidia de imediato que os haveria de ter todos ali, a seus pés. Com jogos e submissões aparentes, agindo com todo o seu glamour; assumiu-se uma pessoa fria, sem alma: destrutiva! Facto aproveitado pelo seu companheiro, a quem verdadeiramente amava, que premiava os seus actos diabólicos com momentos de enorme prazer, que ambos desfrutavam até ao êxtase. De certo modo, este comportamento era apoiado e incentivado por Joaquim que estranhamente não mostrava sentir ciúmes. Pelo contrário, promovia em Maria uma tendência, embora veladamente, de melhorar cada ocasião de conquista fútil. A nossa mente é algo misteriosa relativamente ao que nos respeita, mas muito em actos ligados ao amor, já que este sentimento é o impulsor de nossas breves Vidas! Tanto nos poderá tornar no delicioso par Romeu/Julieta como nos monstros que foram Bonnie/Clyde...
Joaquim preocupava-se com o estado psíquico de Maria, que não recuperava do choque causado pela notícia abrupta do acidente mortal de Raimundo... como médico, dera-lhe alguma assistência, mas logo depois recorreu a um colega do foro psiquiátrico para que a ajudasse. Maria que vivia em casa de Joaquim, lá continuou, após pequena estadia no Hospital local. Agora sob alguma vigilância de uma enfermeira da área de psiquiatria, recomendada pelo colega de Joaquim: a jovem Lili, mulher doce e profissional competente, zelava pela boa recuperação da enferma. Tratava-a do corpo mas também lhe tentava amaciar a alma. Grande parte do dia, Maria mostrava-se alternadamente ora apática ora agreste... para com Lili, para com o psiquiatra mas sobretudo para com Joaquim, que silenciava lentamente o ardor da paixão que sentira pela amada, talvez por saber-se em grande parte culpado e por perceber em Maria o apagar lento da chama. Perdera todo o seu encanto, evidenciando agora um desinteresse por muito do que a havia motivado. Antes queria sim, encerrar a página deste seu percurso de vida atribulada. A pouca credibilidade que formara relativamente à Igreja parecia agora transformar-se aos poucos no seu suporte para tentar reaver a sua sanidade mental.
Um dia de sol bem luminoso Maria regressa a sua casa. Há muito que não a habitava - Desde o início do seu romance com Joaquim. Era necessário arejar salas, quartos, arrumar roupas e ideias também, colorir o enorme jardim, agora com aspecto algo abandonado, e que havia proporcionado alguma alegria à sua ainda curta Vida. Começava a sentir-se em paz. Sozinha e possuída de uma calma inusitada, estava agora centrado no seu principal objectivo. A sua casa, casa que fora dos seus pais e onde chegara a viver com sua tia, pouco antes desta partir. Joaquim começara a ser uma neblina no seu percurso. Perdera já o fulgor que por ele sentira anos atrás, quando o conhecera na casa de fados. Era agora algo que tinha de ser acomodado bem no fundo do seu coração para que a paz de espírito, que adquiria, fosse mantida. O tempo passava e Maria percebia-se em transformação pessoal. Perdia vaidade, porque esta não convivia bem com os actos de solidariedade a que se entregara piamente. Quem sabe, talvez Raimundo procurasse, do lugar em que agora se encontrava, trazê-la ao bom caminho, tornando-a mulher virtuosa...


                                                                       Fernanda Simões


8 comentários:

  1. Continuo a acompanhar esta historia
    Gostei de ler
    Bjs
    Kique

    Hoje em Caminhos Percorridos - Carinhosa e Meiguinha...

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  2. Mari teu lindo nome, serve para tudo hoje em dia.
    Até uma criança com fome, come bolacha...Maria :)))

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  3. Estou a gostar e continuo a acompanhar, aproveito para desejar a continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  4. Suavizar el alma...A verces nos hace mucha falta.
    Un abrazo.

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  5. olá, boa noite! passadinha para desejar uma noite de domingo maravilhosa seguida de uma semana abençoada! beijo enorme!

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  6. Um projeto que acompanho sempre do lado de cá. Força! Continuem!!!

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  7. A pedido da Fernanda Simões: "bem haja, por todos os comentários"!

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