16/09/19

Variações em Quadrilha - Capítulo 7

Imagem de Victoria Borodinova por Pixabay
 
           Alberto

          Alberto era uma criatura complexa por excelência. Seu corpanzil avantajado, seus mais de 1.90 de altura e sua fisionomia sempre cascuda lançavam a todos a falsa ideia de que era um machão saído de um filme de ação dos anos 80. Contudo, se o virassem do avesso poderia se ver com nitidez o quanto era sensível, confuso e inseguro. Além disso, detinha um coração bipolar e que despencava no colo da paixão com extrema facilidade. O menor sinal de afeto da parte contrária, ainda que apenas imaginada por ele, era suficiente para arrastá-lo a um mundo quente de amor e sonhos primaveris. 
           Porém, a situação se agravara mesmo nos últimos meses, quando conseguiu alcançar a façanha de amar duas mulheres ao mesmo tempo, fazendo Vênus orgulhosa de seu trabalho. 
          A primeira a despertar esse amor ambíguo foi Lili, uma mulher de feições nobres e sorriso desconcertante. Foi amor assim que grudou os olhos nela pela primeira vez. O fato aconteceu dentro de uma livraria de esquina e, por mais incrível que possa parecer, foi ela quem puxou assunto, dando início ao cataclismo romântico. Talvez tivesse achado curioso o fato de um homem com trejeitos tão rudes estar lendo poesia. Alberto ficou inebriado enquanto Lili falava. Sua voz era suave e seus lábios delicados guardavam harmonia com os traços sutis do rosto que, por sua vez, parecia ter sido desenhado por um artista perfeccionista até à alma. A conversa não alcançou o quinto minuto, mas esse instante vertiginoso foi suficiente para plantar, regar e fazer florescer a semente de uma paixão pueril no terreno fértil do coração de Alberto. Antes de ir embora, além de deixar seu contato, Lili elogiou a corrente de ouro que Alberto usava. “Foi presente da mamãe!” - Disse orgulhoso, sem perceber a ironia do elogio. 
           A verdade é que Lili não se interessava por ele, nem um cêntimo. Achava-o entediante a maior parte do tempo e ria dele sem que ele percebesse. Mesmo assim, o mantinha por perto, dando pequenas doses de atenção, aqui e ali, só para não perder o costume e lustrar seu ego inflamado. Lili tinha um jeito meigo e parecia ostentar uma cândida inocência. Era educada e transparecia gostar de todo mundo, porém, eram todos manipulados a seu bel prazer e Alberto foi um alvo fácil. Seu coração um tanto ingênuo acreditava verdadeiramente que Lili era a melhor pessoa do mundo e a mulher certa para se casar e ter filhos. Ela representava um amor inocente, juvenil e romantizado que ele ainda acreditava. 
          Todavia, ainda havia o outro lado do coração. Esse encontrava-se ocupado por Elvira. Mulher madura, de feições sinceras, olhos negros e coxas bem torneadas e esbeltas. Alberto não sabia dizer o quão mais velha que ele ela era, mas o ar de mulher feita deixava-o caído de joelhos por ela. Elvira se mudara há poucos meses para uma antiga casa a apenas uma quadra de Alberto. Começaram a conversar depois que ele se ofereceu para descarregar as compras de Elvira numa tarde ensolarada de sábado. De lá para cá as conversas só aumentaram. Chegaram até a combinar um cinema, que nunca aconteceu. Mas foi em uma visita despretensiosa que tudo começou a ganhar forma e cheiro. Num dia preguiçoso, Alberto estava indo fazer compras no mercado municipal quando passou pela frente da casa de Elvira. Teve a ideia de convidá-la para ir junto. Ela abriu a porta com uma toalha de banho enrolada no corpo. 
           - Desculpa, estava indo tomar banho quando você tocou a campainha. 
       - Então sou eu quem tem que pedir desculpas. Eu só estava indo no mercado municipal e pensei em convidá-la, caso precisasse comprar alguma coisa. 
          - Claro! Preciso comprar verduras. Entre e me espere, tomo banho rápido! 
       Alberto entrou e sentou no sofá da sala. A casa era pequena, porém aconchegante. Havia quadros por toda parte. Depois de uns minutos sentado, começou a imaginar Elvira nua tomando banho. Sua consciência logo pesou, pois parecia estar traindo Lili, ou melhor, seus sentimentos por ela. Então, de repente, ouviu a voz de Elvira atravessar os corredores: 
          - Alberto. Poderia vir até aqui? Preciso que me alcance uma coisa. 
        Ele foi até a porta que estava entreaberta e timidamente perguntou do lado de fora o que ela queria. 
       - Esqueci de pegar meu shampoo. Poderia pegar ele para mim. É o de tampa vermelha, está no criado-mudo de meu quarto. A porta à sua frente. 
         Alberto disse que sim com a voz claudicante e foi até o quarto. Pegou o shampoo e bateu com o nó dos dedos na porta. Escutou a voz de Elvira dizendo: 
         - Pode entrar e me alcançar. – Alberto hesitou no começo. Mas, acabou entrando todo envergonhado. Entretanto, seus olhos esbarraram no corpo ensaboado de Elvira deitada numa banheira de azulejos brancos. Ela esticou o braço direito em direção dele para pegar o shampoo e deixou à mostra parte de seus seios morenos que Alberto fitou instintivamente. Depois, os olhares dos dois se encontraram e um silêncio se fez presente por alguns segundos, até Elvira, com a voz quase sussurrada, lhe pergunta: 
          - Gostou de meus seios? Você quer tocá-los? 
        Essa foi a porta de entrada para Alberto mergulhar de cabeça na paixão e também no corpo de Elvira. Naquela tarde, os dois tomaram banho juntos. Se ensaboaram e fizeram amor entre espumas e gemidos. Alberto estava entregue ao amor e ao torpor. Porém, esse amor era diferente daquele que sentia por Lili. O sentimento pela primeira era pueril e cândido, parecido com aqueles muito bem narrados nos romances de época, repletos de melodrama e sentimentalismo fantástico. Um amor platônico por uma musa que ele sequer havia tocado. 
           Com Elvira era diferente. Seu sentimento era carnal, voraz e bruto. Ele amava-a dos pés à cabeça. Amava seu cheiro. Seu corpo e suas curvas. Amava seus beijos e seus gemidos. Mas até quando iria conviver com dois amores assim. 
          A verdade é que os encontros com Elvira estavam mais corriqueiros. Visitava sua casa com frequência. Lá, entre goles de chá e doses de conhaque, conversavam sobre tudo e depois faziam amor loucamente. Mesmo assim, Alberto sentia que ela não era dele. Na verdade Elvira não pertencia a ninguém. Por isso se mudava constantemente de casa. Era como o vento, passando por vários lugares sem se deter em nenhum. Um dia, deixou escapar que gostara de uma tal Leonor. Alberto se sentiu enciumado, mesmo sem saber se essa fulana de tal pertencia apenas ao passado ou se ainda se ainda existia no presente. 
          Talvez fosse por isso que Alberto nunca deixou de cortejar Lili e de pensar nela, com o coração quente, quase toda noite antes de dormir. Chegou a ir com ela ao cinema uma ou duas vezes. Não aconteceu nada demais, na verdade, do ponto de vista de Lili esses encontros foram um verdadeiro fracasso. Mas isso não desanimava o frêmito coração de Alberto que acreditava inocentemente estar ganhando terreno no campo dos sentimentos dessa. Contudo, ele estava para levar um grande baque. Ou melhor, dois.
          O primeiro aconteceu num domingo pela tarde. Estava voltando pra casa quando um menino que morava na esquina lhe entregou em mãos uma carta dizendo que era da mulher da casa azul debaixo. Era Elvira. Ele abriu a carta e leu em tintas pretas. 
          “Estou indo embora como sempre, para sempre. Não me leve a mal nem me odeie por isso. Vou lembrar de você com carinho, mas precisava partir. Meu coração não pertence a esse lugar. Felicidades, Elvira. 
          Um bilhete curto e em poucas palavras, metade do coração de Alberto estava destruído. Contudo, ainda havia a outra metade para se quebrar. Depois de dois meses sem Elvira, Alberto focou todos seus esforços em conquistar definitivamente um lugar no peito de Lili. Ligava constantemente. Enviava flores. Chocolates. Livros. E, quando finalmente achou que estava perto de conquista-la de verdade, teve seus sonhos desfeitos pela ventania da realidade. Passeava taciturno pela cidade quando, por um feitiço do acaso, se deparou com Lili aos beijos e amassos com outro homem à porta do cinema. Não conhecia o sujeito e nem gostaria de conhecê-lo. Apenas o invejou por ter conseguido a dádiva de beijar os lábios então sagrados de Lili. Era o golpe final nas suas infantis esperanças. Estava perdido. Se sentia traído. E ainda por cima tinha que extirpar duas mulheres do coração. Se esquecer uma já era difícil, imagina duas? 
          Os meses que se passaram foram terrivelmente angustiantes. Alberto se fechou cada vez mais dentro de si. Parou com os telefonemas e os presentes. Lili achou estranho, mesmo assim ele nunca contou para ela o que viu e o afastamento foi natural. Aos poucos, começou a recuperar-se. Todavia, havia jurado para si mesmo que não se apaixonaria mais tão facilmente. Endureceria seu coração e não cairia mais em encantos fugazes. Estava decidido a viver a vida toda sozinho se assim fosse necessário. 
          E foi nesse estado de espírito que Alberto saíra da casa naquela tarde. Já estava voltando quando uma voz feminina o interpelou. 
          - Moço, você sabe onde ficava esse hostel? 
       Ele olhou para a dona daquela voz enquanto ela apontava para um nome num pedaço de papel amassado. Logo se encantou com aquele rosto angelical e seu sorriso cândido que lembrava em muito o da Lili. A moça – uma morena de cabelos longos e lisos e o pescoço de cisne – insistiu na pergunta. Ele disse que sim, mas não fazia ideia onde ficava aquele lugar. 
          - Você poderia me mostrar onde fica? 
          - Posso acompanhar você até lá. A propósito. Meu nome é Alberto. 
          - Desculpa. Não me apresentei. Sou Tahila Mendy. 
         E foi assim que ele conheceu Tahila. Uma indiana muçulmana que havia fugido do país para escapar de um casamento arranjado com um homem que detestara. Foi só ela começar a falar que as promessas de Alberto de nunca mais se apaixonar se dissiparam pouco a pouco. É como se estivesse se apaixonando pela primeira vez. Os dois fizeram amizade logo e ela também parecia gostar dele. 
           Quando começaram a falar sobre algo mais íntimo, Tahila lhe disse que era um erro ele gostar dela, pois ela carregava uma série de problemas, que iam do jurídico ao psicológico. Mas ele não se importou e os dois começaram um improvável namoro que durou pouco. Isso porque resolveram se casar com apenas dois meses de relacionamento. Ele tinha certeza, pela centésima vez, que havia encontrado a mulher da vida dele e que jamais amaria alguém como amava Tahila. 
       - Meu pai e o pretendente que ele arrumou para mim ainda devem estar me procurando. Temos que casar escondidos. – Disse Tahila aflita. “Minha mãe, uma católica fervorosa, não ia gostar nada de me ver casando com uma muçulmana” – pensou ele em silêncio. “Eu caso primeiro e depois conto pra ela”. Completou em pensamento. 
          E foi assim que Alberto e Tahila, que nem na história estava, se casaram secretamente e passaram a lua de mel escondidos debaixo de uma árvore qualquer perdida quase às margens do Rio Tejo. Não importa quantas Alberto amara e quantas poderia amar, aquele momento era só deles e de mais ninguém e a única coisa que desejavam é que ele não acabasse tão logo.


                                                                                           Gregór Carlos Marcondes

1 comentário:

  1. De volta, depois de férias, cá estou para mais uma visita….

    Kique

    Hoje em Caminhos Percorridos - O que levamos no peito

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