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Alberto
Alberto
era uma criatura complexa por excelência. Seu corpanzil avantajado,
seus mais de 1.90 de altura e sua fisionomia sempre cascuda lançavam
a todos a falsa ideia de que era um machão saído de um filme de
ação dos anos 80. Contudo, se o virassem do avesso poderia se ver
com nitidez o quanto era sensível, confuso e inseguro. Além disso,
detinha um coração bipolar e que despencava no colo da paixão com
extrema facilidade. O menor sinal de afeto da parte contrária, ainda
que apenas imaginada por ele, era suficiente para arrastá-lo a um
mundo quente de amor e sonhos primaveris.
Porém,
a situação se agravara mesmo nos últimos meses, quando conseguiu
alcançar a façanha de amar duas mulheres ao mesmo tempo, fazendo
Vênus orgulhosa de seu trabalho.
A
primeira a despertar esse amor ambíguo foi Lili, uma mulher de
feições nobres e sorriso desconcertante. Foi amor assim que grudou
os olhos nela pela primeira vez. O fato aconteceu dentro de uma
livraria de esquina e, por mais incrível que possa parecer, foi ela
quem puxou assunto, dando início ao cataclismo romântico. Talvez
tivesse achado curioso o fato de um homem com trejeitos tão rudes
estar lendo poesia. Alberto ficou inebriado enquanto Lili falava. Sua
voz era suave e seus lábios delicados guardavam harmonia com os
traços sutis do rosto que, por sua vez, parecia ter sido desenhado
por um artista perfeccionista até à alma. A conversa não alcançou
o quinto minuto, mas esse instante vertiginoso foi suficiente para
plantar, regar e fazer florescer a semente de uma paixão pueril no
terreno fértil do coração de Alberto. Antes de ir embora, além de
deixar seu contato, Lili elogiou a corrente de ouro que Alberto
usava. “Foi presente da mamãe!” - Disse orgulhoso, sem perceber
a ironia do elogio.
A
verdade é que Lili não se interessava por ele, nem um cêntimo.
Achava-o entediante a maior parte do tempo e ria dele sem que ele
percebesse. Mesmo assim, o mantinha por perto, dando pequenas doses
de atenção, aqui e ali, só para não perder o costume e lustrar
seu ego inflamado. Lili tinha um jeito meigo e parecia ostentar uma
cândida inocência. Era educada e transparecia gostar de todo mundo,
porém, eram todos manipulados a seu bel prazer e Alberto foi um alvo
fácil. Seu coração um tanto ingênuo acreditava verdadeiramente
que Lili era a melhor pessoa do mundo e a mulher certa para se casar
e ter filhos. Ela representava um amor inocente, juvenil e
romantizado que ele ainda acreditava.
Todavia,
ainda havia o outro lado do coração. Esse encontrava-se ocupado por
Elvira. Mulher madura, de feições sinceras, olhos negros e coxas
bem torneadas e esbeltas. Alberto não sabia dizer o quão mais velha
que ele ela era, mas o ar de mulher feita deixava-o caído de joelhos
por ela. Elvira se mudara há poucos meses para uma antiga casa a
apenas uma quadra de Alberto. Começaram a conversar depois que ele
se ofereceu para descarregar as compras de Elvira numa tarde
ensolarada de sábado. De lá para cá as conversas só aumentaram.
Chegaram até a combinar um cinema, que nunca aconteceu. Mas foi em
uma visita despretensiosa que tudo começou a ganhar forma e cheiro.
Num dia preguiçoso, Alberto estava indo fazer compras no mercado
municipal quando passou pela frente da casa de Elvira. Teve a ideia
de convidá-la para ir junto. Ela abriu a porta com uma toalha de
banho enrolada no corpo.
-
Desculpa, estava indo tomar banho quando você tocou a campainha.
-
Então sou eu quem tem que pedir desculpas. Eu só estava indo no
mercado municipal e pensei em convidá-la, caso precisasse comprar
alguma coisa.
-
Claro! Preciso comprar verduras. Entre e me espere, tomo banho
rápido!
Alberto
entrou e sentou no sofá da sala. A casa era pequena, porém
aconchegante. Havia quadros por toda parte. Depois de uns minutos
sentado, começou a imaginar Elvira nua tomando banho. Sua
consciência logo pesou, pois parecia estar traindo Lili, ou melhor,
seus sentimentos por ela. Então, de repente, ouviu a voz de Elvira
atravessar os corredores:
-
Alberto. Poderia vir até aqui? Preciso que me alcance uma coisa.
Ele
foi até a porta que estava entreaberta e timidamente perguntou do
lado de fora o que ela queria.
-
Esqueci de pegar meu shampoo. Poderia pegar ele para mim. É o de
tampa vermelha, está no criado-mudo de meu quarto. A porta à sua
frente.
Alberto
disse que sim com a voz claudicante e foi até o quarto. Pegou o
shampoo e bateu com o nó dos dedos na porta. Escutou a voz de Elvira
dizendo:
-
Pode entrar e me alcançar. – Alberto hesitou no começo. Mas,
acabou entrando todo envergonhado. Entretanto, seus olhos esbarraram
no corpo ensaboado de Elvira deitada numa banheira de azulejos
brancos. Ela esticou o braço direito em direção dele para pegar o
shampoo e deixou à mostra parte de seus seios morenos que Alberto
fitou instintivamente. Depois, os olhares dos dois se encontraram e
um silêncio se fez presente por alguns segundos, até Elvira, com a
voz quase sussurrada, lhe pergunta:
-
Gostou de meus seios? Você quer tocá-los?
Essa
foi a porta de entrada para Alberto mergulhar de cabeça na paixão e
também no corpo de Elvira. Naquela tarde, os dois tomaram banho
juntos. Se ensaboaram e fizeram amor entre espumas e gemidos. Alberto
estava entregue ao amor e ao torpor. Porém, esse amor era diferente
daquele que sentia por Lili. O sentimento pela primeira era pueril e
cândido, parecido com aqueles muito bem narrados nos romances de
época, repletos de melodrama e sentimentalismo fantástico. Um amor
platônico por uma musa que ele sequer havia tocado.
Com
Elvira era diferente. Seu sentimento era carnal, voraz e bruto. Ele
amava-a dos pés à cabeça. Amava seu cheiro. Seu corpo e suas
curvas. Amava seus beijos e seus gemidos. Mas até quando iria
conviver com dois amores assim.
A
verdade é que os encontros com Elvira estavam mais corriqueiros.
Visitava sua casa com frequência. Lá, entre goles de chá e doses
de conhaque, conversavam sobre tudo e depois faziam amor loucamente.
Mesmo assim, Alberto sentia que ela não era dele. Na verdade Elvira
não pertencia a ninguém. Por isso se mudava constantemente de casa.
Era como o vento, passando por vários lugares sem se deter em
nenhum. Um dia, deixou escapar que gostara de uma tal Leonor. Alberto
se sentiu enciumado, mesmo sem saber se essa fulana de tal pertencia
apenas ao passado ou se ainda se ainda existia no presente.
Talvez
fosse por isso que Alberto nunca deixou de cortejar Lili e de pensar
nela, com o coração quente, quase toda noite antes de dormir.
Chegou a ir com ela ao cinema uma ou duas vezes. Não aconteceu nada
demais, na verdade, do ponto de vista de Lili esses encontros foram
um verdadeiro fracasso. Mas isso não desanimava o frêmito coração
de Alberto que acreditava inocentemente estar ganhando terreno no
campo dos sentimentos dessa. Contudo, ele estava para levar um grande
baque. Ou melhor, dois.
O
primeiro aconteceu num domingo pela tarde. Estava voltando pra casa
quando um menino que morava na esquina lhe entregou em mãos uma
carta dizendo que era da mulher da casa azul debaixo. Era Elvira. Ele
abriu a carta e leu em tintas pretas.
“Estou
indo embora como sempre, para sempre. Não me leve a mal nem me odeie
por isso. Vou lembrar de você com carinho, mas precisava partir. Meu
coração não pertence a esse lugar. Felicidades, Elvira.
Um
bilhete curto e em poucas palavras, metade do coração de Alberto
estava destruído. Contudo, ainda havia a outra metade para se
quebrar. Depois de dois meses sem Elvira, Alberto focou todos seus
esforços em conquistar definitivamente um lugar no peito de Lili.
Ligava constantemente. Enviava flores. Chocolates. Livros. E, quando
finalmente achou que estava perto de conquista-la de verdade, teve
seus sonhos desfeitos pela ventania da realidade. Passeava taciturno
pela cidade quando, por um feitiço do acaso, se deparou com Lili aos
beijos e amassos com outro homem à porta do cinema. Não conhecia o
sujeito e nem gostaria de conhecê-lo. Apenas o invejou por ter
conseguido a dádiva de beijar os lábios então sagrados de Lili.
Era o golpe final nas suas infantis esperanças. Estava perdido. Se
sentia traído. E ainda por cima tinha que extirpar duas mulheres do
coração. Se esquecer uma já era difícil, imagina duas?
Os
meses que se passaram foram terrivelmente angustiantes. Alberto se
fechou cada vez mais dentro de si. Parou com os telefonemas e os
presentes. Lili achou estranho, mesmo assim ele nunca contou para ela
o que viu e o afastamento foi natural. Aos poucos, começou a
recuperar-se. Todavia, havia jurado para si mesmo que não se
apaixonaria mais tão facilmente. Endureceria seu coração e não
cairia mais em encantos fugazes. Estava decidido a viver a vida toda
sozinho se assim fosse necessário.
E
foi nesse estado de espírito que Alberto saíra da casa naquela
tarde. Já estava voltando quando uma voz feminina o interpelou.
-
Moço, você sabe onde ficava esse hostel?
Ele
olhou para a dona daquela voz enquanto ela apontava para um nome num
pedaço de papel amassado. Logo se encantou com aquele rosto
angelical e seu sorriso cândido que lembrava em muito o da Lili. A
moça – uma morena de cabelos longos e lisos e o pescoço de cisne
– insistiu na pergunta. Ele disse que sim, mas não fazia ideia
onde ficava aquele lugar.
-
Você poderia me mostrar onde fica?
-
Posso acompanhar você até lá. A propósito. Meu nome é Alberto.
-
Desculpa. Não me apresentei. Sou Tahila Mendy.
E
foi assim que ele conheceu Tahila. Uma indiana muçulmana que havia
fugido do país para escapar de um casamento arranjado com um homem
que detestara. Foi só ela começar a falar que as promessas de
Alberto de nunca mais se apaixonar se dissiparam pouco a pouco. É
como se estivesse se apaixonando pela primeira vez. Os dois fizeram
amizade logo e ela também parecia gostar dele.
Quando
começaram a falar sobre algo mais íntimo, Tahila lhe disse que era
um erro ele gostar dela, pois ela carregava uma série de problemas,
que iam do jurídico ao psicológico. Mas ele não se importou e os
dois começaram um improvável namoro que durou pouco. Isso porque
resolveram se casar com apenas dois meses de relacionamento. Ele
tinha certeza, pela centésima vez, que havia encontrado a mulher da
vida dele e que jamais amaria alguém como amava Tahila.
-
Meu pai e o pretendente que ele arrumou para mim ainda devem estar me
procurando. Temos que casar escondidos. – Disse Tahila aflita.
“Minha mãe, uma católica fervorosa, não ia gostar nada de me ver
casando com uma muçulmana” – pensou ele em silêncio. “Eu caso
primeiro e depois conto pra ela”. Completou em pensamento.
E
foi assim que Alberto e Tahila, que nem na história estava, se
casaram secretamente e passaram a lua de mel escondidos debaixo de
uma árvore qualquer perdida quase às margens do Rio Tejo. Não
importa quantas Alberto amara e quantas poderia amar, aquele momento
era só deles e de mais ninguém e a única coisa que desejavam é
que ele não acabasse tão logo.
Gregór
Carlos Marcondes
De volta, depois de férias, cá estou para mais uma visita….
ResponderEliminarKique
Hoje em Caminhos Percorridos - O que levamos no peito